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NOTA 5,5 Comédia que desconstrói a imagem do homem exemplar carrega marcas dos irmãos Coen, mas desta vez algo deu errado |
Os irmãos Ethan e Joel Coen não são
meros realizadores de cinema, se tornaram uma grife tal qual Woody Allen ou Tim
Burton. A cada sinal de um novo lançamento da dupla, seus fãs já se empolgam, a
crítica fica atenta e não raramente seus trabalhos figuram entre os candidatos
a prêmios. Acostumados com elogios rasgados, o problema é que com o tempo
parece que foi gerado um medo de afirmar que nem sempre a dupla acerta a mão, o
que pode ser entendido pelas duas míseras indicações ao Oscar para a comédia
dramática Um Homem Sério. Seria pouco para a obra? Pelo contrário, até
demais. Parece que os votantes da academia ficaram receosos de declinar um
filme dos Coen e ofereceram essas lembrancinhas só para não estremecer relações
ou simplesmente para preencher a cota da categoria de melhor filme que
praticamente dobrou nos últimos anos. Como sempre produzido, escrito e dirigido
pelos irmãos, a trama se passa em meados de 1967 e tem como protagonista o
professor de física Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg), um judeu que ao longo de
todo o filme faz a seguinte indagação: o que eu fiz para merecer isso?, mas
quanto mais se questiona pior sua vida fica. Como a lógica faz parte da sua
rotina de trabalho, seus conflitos ganham ainda mais intensidade já que tenta
encontrar motivos concretos que justifiquem seus problemas, mas as pessoas que
o cercam colaboram e muito para o caos que impregna em sua vida. Seu filho Danny
(Aaron Wolff) é o típico garoto-problema e nada interessado nos estudos; sua
filha Sarah (Jessica McManus) é fútil e constantemente rouba dinheiro do pai
sonhando em juntar o necessário para pagar uma cirurgia plástica; o irmão Arthur
(Richard Kind) é problemático e se instalou na casa da família sem data ou
vontade para ir embora; ele está sendo perseguido pelo revoltado aluno Clive (David
Kang); e, por fim, sua esposa Judith (Sari Lennick) está disposta a se
divorciar, quer um “get”, para assim poder se unir ao amante Sy Ableman (Fred
Melamed), este que insiste em se relacionar com o rival como se fossem velhos e
bons amigos. Conforme o roteiro vai sendo desenvolvido, cada vez mais a imagem
do mundo perfeito do tal homem sério do título vai desmoronando, uma critica a
ideia de que um cara bem sucedido é aquele que preserva sua honra, família e um
bom emprego. Podem viver com tal fama por um bom tempo, mas o que fazer quando
a vida começa a dar violentas rasteiras?
A premissa poderia render um
dramalhão daqueles, mas o caminho escolhido é o do sarcasmo mostrando as
dificuldades do protagonista para manter a serenidade diante da sucessão de
eventos inesperados que passam a assombrá-lo. De que adiantou ser um marido
fiel, um pai dedicado, um irmão solidário, um cidadão honesto e um professor
exemplar? Tudo isso perde seu valor em pouco tempo, culminando em sua
civilizada expulsão da própria casa e ser ameaçado pelo pai de um aluno por ele
não ter aceito um suborno em troca de boas notas. Onde estão os valores morais?
O final dos anos 60 foram marcados por acontecimentos que revolucionaram a
sociedade americana e o roteiro tem a inteligente sacada de abordar esse clima
de transformação através de um núcleo judaico, grupo conhecido por manter
normas rígidas de conduta e até evitar a mistura com outras culturas,
resquícios dos traumas que sofreram ao longo da História. Por outro lado, a
obra também faz alusão à crise vivida pelos EUA nos anos 2000, sendo que a cena
final destacando a bandeira do país hasteada sob céu cinzento e a população
alvoroçada diante de um estranho fenômeno faz uma metáfora ao caos que
predomina por lá no passado, no presente e quiçá no futuro, ônus para quem faz
de tudo para se manter como a maior potência do mundo. A intenção, portanto,
seria abordar através de uma simplória célula familiar como uma pessoa pode
seguir sua vida após um ou mais baques assim como sugere que os EUA também
precisou se adaptar aos novos tempos décadas atrás e em pleno século 21 necessita
de mais uma recauchutada. Poderia ser um filme qualquer com mensagens
edificantes, mas com os Coen nada é tão simplificado, a começar pelo prólogo
que evoca uma época arcaica para falar sobre o fardo que é viver, a busca
incessante pela felicidade. A ousadia, no entanto, pode custar a atenção do
espectador. Com tom debochado, a introdução parece esquete de fita de humor de
quinta categoria e poderia perfeitamente não constar da edição final. As cenas
seguintes também não empolgam. Alternando cenas de Larry e Danny, no início não
sabemos que se trata de pai e filho, assim pode haver uma confusão a respeito
de períodos distintos da vida do protagonista. Felizmente, logo as peças vão se
encaixando e nos adaptamos a uma estrutura narrativa típica de filmes que
abordam famílias disfuncionais. É quase possível em alguns momentos imaginar as
gargalhadas do público diante dos infortúnios do professor enquanto ele
mostra-se sério diante de tudo, afinal para ele não há nada de engraçado, tudo
conforme manda a cartilha de produções do tipo. Pena que a tendência é do
interesse inicial diminuir consideravelmente.
Apesar de mais uma vez oferecerem
os elementos que fizeram a boa fama e que também justificam o repúdio daqueles
que não “babam” pelos Coen, como tragédias com toques de humor negro
apresentadas em estilo efeito dominó (sucessão de eventos) ou personagens
estranhos, só mesmo quem é muito fã da dupla ou extremamente paciente é quem
vai enxergar o conjunto redondinho. Mesmo pesando na avaliação o histórico dos
nomes que assinam a obra, Um Homem Sério é um produto
descartável cujo maior atrativo é a ótima atuação de Stuhlbarg que recicla e
brinca com o perfil de um dos tipos mais corriqueiros na filmografia hollywoodiana:
o modelo do homem ideal, a encarnação do sucesso e da bondade. O próprio Larry
a certa altura assume que só desejava ser alguém que pudesse cuidar dignamente
da sua família e lar, mas sua bondade também significou sua derrocada e seu
intérprete consegue expor todas as dúvidas e tristezas do personagem de maneira
sutil, sem arroubos de sentimentalismo ou loucura. Ainda assim consegue ser o
único em cena a despertar algum interesse no espectador, seja pena ou indignação
diante de sua inércia, mesmo que na segunda metade sofra com a inserção do
onírico para justificar suas tentativas de salvar algo em sua vida, aquele
velho truque de buscar nos sonhos o alento para a dura realidade. É óbvio que
seguindo o estilo subversivo dos realizadores, no caso o protagonista tem
pesadelos que refletem os próprios acontecimentos de seu atual cotidiano e nem
os conselhos de rabinos, mostrando a importância da religião em sua vida,
parecem ajudá-lo a superar a ruína. Também prejudica a imersão completa do
público no inferno-astral do professor a falta de empatia com os demais
personagens. Os Coen arriscaram entregar bons papéis a um elenco desconhecido
que poderia até surpreender, mas eles apenas têm atuações corretas, nada que
seja memorável assim como a própria trama que talvez seja uma das mais
desinteressantes que os irmãos já ofereceram apesar de um argumento promissor.
A certa altura a impressão que se tem é que os Coen estavam sem rumo e
reescrevendo o roteiro ao sabor do ritmo das filmagens, assim não alcançando um
conjunto harmonioso e sim desconectado. Pouco nos importamos com o destino de
Larry e seus parentes e o final que abre espaço para múltiplas especulações
sobre seus destinos não parece coisa de gênio. A impressão é que os diretores
já estavam fatigados deste universo e já percebiam que não realizaram uma obra
a ser destacada em suas filmografias. Todavia, há quem encontre beleza e
significados na fita afinal de contas a vida é feita de uma sucessão de
problemas e o felizes para sempre é uma utopia. Ou melhor, a felicidade existe
sim após uma superação, mas tem prazo incerto para durar.
Comédia - 106 min - 2009
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