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NOTA 4,0 Parodiando sucessos do cinema espanhol, fita segue à risca fórmula americana, incluindo seus defeitos, mas até que pega leva com as piadas |
A primeira inspiração óbvia vem
de Os Outros, coprodução
norte-americana com o cinema espanhol. Ramira é a nova governanta da mansão de
Laura (Sílvia Abril), uma mulher religiosa, parada no tempo e que crias seus
filhos sozinha desde a partida de seu marido Diego (Eduardo Gómez) para a
guerra (detalhe uma batalha de séculos atrás), uma alusão ao épico Alatriste que, desculpe o trocadilho, é
triste de aguentar. A filha Ofendia (Laia Alda) é uma referência ao brilhante O Labirinto do Fauno com direito ao
próprio ser fantástico participar da narrativa desta vez invertendo o jogo de
submissão com a garota. Sarcástica e lúcida, parece que só ela compreende a
realidade: todos estão mortos! Laura não dá ouvidos à menina e passa o filme
todo procurando seu caçula, o problemático Simeón (Óscar Lara) que sumiu logo
após a chegada da nova empregada. Desconhecendo seus problemas com a sensibilidade
à luz, Ramira pensando em livrá-lo de sua palidez expõe o garoto aos raios
solares e ele literalmente vira um churrasquinho. Tentando esconder seu crime,
ela dá uns trocados para o nanico José (José Jiménez Fernandez) se passar por
Siméon aproveitando-se da distração da patroa que mal se lembra do nome do
filho. Além de precisar do emprego já que seu marido Antonio (Luiz Zahera) é um
vagabundo, a governanta também se afeiçoa a Pedro (Carlos Areces), o irmão de
Laura condenado a viver para sempre preso a uma cama devido a um grave acidente
que lhe deixou sem movimento algum do pescoço para baixo. Evocando o dramalhão Mar Adentro, ele clama pela eutanásia,
mas considera uma segunda opção. Caso a morena aceite seu pedido de casamento
se conformaria com seu estado vegetativo, assim ela vai levando as coisas em banho-maria
e permanece na casa mesmo com o fantasma do assassinato que cometeu. Um saco de
pano confeccionado especialmente para dar continuidade à farsa de Siméon faz a
ponte com O Orfanato, resgatando
inclusive a cena da ajuda de uma parapsicóloga para solucionar o caso quando
Laura finalmente percebe que seu filho sumiu, mas ela acusa de sequestro Maligna
(Teresa Lozano), sugestivo nome para uma velha senhora que esteve em sua casa com
a desculpa de ser uma especialista em doenças estranhas. Ramira, por sua vez,
alimenta a desconfiança obviamente.
Nesse caldeirão de citações
sobram ainda piadas para títulos como Segunda-feira
ao Sol, fazendo graça com os filmes ditos de arte que ganham prêmios em
estranhos festivais, e não poderia faltar uma lembrança para Rec que de quebra faz troça com uma cena
do próprio Todo Mundo em Pânico. Aliás,
é óbvio que há alfinetadas ao cinema hollywoodiano, principalmente no ato final
que manda às favas o senso mínimo que guiava à obra fazendo uma farofada para
concluir toda essa loucura, resgatando inclusive a altivez do Superman dos
tempos do saudoso Christopher Reeve. Falando nisso, também temos em uma pequena
ponta a participação de Leslie Nielsen cuja carreira foi marcada pelo humor
escrachado e suas últimas atuações se deram em tom de homenagem em paródias,
uma forma de reverenciar seu talento e legado. Escrito por Eneko Lizarraga e
Paco Cabezas, Todo Mundo Hispânico segue
fielmente o estilo que procurou copiar. A amarração das citações
cinematográficas segue a fragilidade já conhecida e a falta de conexão de
muitas delas acabam sendo a graça da produção que começa em um bom ritmo, mas
da metade para o final cai um pouco o interesse por conta das referências a
fitas mais restritas ao território espanhol. O clímax chupado do drama Abra os Olhos, quando Pedro precisa
escolher entre o amor e a vaidade, é divertido na medida do possível, mas
certamente não causa o impacto esperado por sua inspiração não ser uma obra de
sucesso mundial. Nem sua versão americana Vanilla
Sky conseguiu cair no gosto popular. E o que dizer do elenco? Bem, ninguém
espera atuações dignas de Oscar, mas até que o improvável casal Ramira e Pedro
funciona graças a simpatia dos intérpretes. Aliás, a sensualidade da protagonista
seria quase imperceptível, isso se não fossem as piadas envolvendo seu decote e
as visões libidinosas de seu interesse romântico que a endeusa. Abril também se
sai bem como uma matriarca neurótica e deve ter tido que se esforçar para não
cair na gargalhada muitas vezes. Só é de se lamentar que o Fauno (Joaquín
Reyes) tenha tido uma participação pequena, ainda que importante para o desfecho.
O enigmático personagem poderia render muito mais assim como muitas cenas de
seu filme-base poderiam ter ganhado uma versão escracho. Apesar de bem realizado
dentro daquilo a que se propõe, com direito a uma trilha sonora que flerta com
o caliente e o brega para ajudar no humor, é claro que esta comédia passa longe
de ser algo para orgulhar a filmografia espanhola e agrada e desagrada em
iguais proporções tanto quanto um similar americano. O negócio é desligar o
senso de ridículo e embarcar na viagem.
Comédia - 83 min - 2009
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