NOTA 7,5 Mesmo abordando as possessões demoníacas por uma ótica mais realista, longa não deixa de fazer uso dos clichês |
Filmes inspirados em fatos reais têm um forte apelo junto ao
público, mas também podem despertar desconfianças. Quando os tais
acontecimentos envolvem assuntos do além, as dúvidas quanto a veracidade dos
fatos são ainda maiores, embora o número de curiosos pelo tema seja grande.
Produções do tipo foram e continuam sendo lançadas aos montes diretamente em DVD
e muitas são produzidas exclusivamente para canais de TV, o que já sugere que
os argumentos não são dos melhores assim como os produtos também não inspiram
confiança em suas partes técnicas, tanto que o subgênero dos longas sobrenaturais
vira e mexe está em crise, mas ainda bem que sempre algum produto do tipo ao menos
razoável pode ser encontrado em meio ao lixo e dar certo ânimo para confiarmos em
sua recuperação. O Ritual é um bom exemplo disso, embora a primeira vista
pareça algo descartável. Tendo como grande chamariz o nome do ator Anthony
Hopkins nos créditos, a obra é baseada no livro homônimo de Matt Baglio,
jornalista que conviveu alguns anos com padres exorcistas, entre eles Gary
Thomas, protagonista da trama cujo nome foi trocado. Com tal experiência, o
escritor aprendeu a distinguir uma possessão de uma doença mental e acompanhou
dezenas de exorcismos. A trama roteirizada por Michael Petroni nos apresenta a Michael
Kovak (Colin O’Donoghue), um rapaz que cresceu acompanhando de perto o fim da
vida de dezenas pessoas em uma maca sendo arrumados para o enterro pelo seu pai
Istvan (Rutger Hauer). Isso o fez crescer sem acreditar que existe algo depois
da morte, assim ele se tornou um seminarista cético e decidido a abandonar seus
trabalhos na igreja, mesmo após ter aulas sobre os sinais de possessão. Para
não se arrepender mais tarde, seu superior o orienta então a passar um período
no Vaticano para estudar rituais de exorcismo e quem sabe mudar de ideia e
recuperar sua fé. Porém, suas dúvidas e questionamentos só aumentam na medida
em que estreita seu contato com o Padre Lucas (Anthony Hopkins), um famoso
jesuíta exorcista, e este o apresenta ao lado mais obscuro da religião. É
quando Michael conhece a jornalista Angeline (Alice Braga), que investiga as
atividades do religioso e as suas reflexões sobre a crença no Diabo e em Deus
não param de crescer. Juntos, os dois jovens vão acompanhar os duros trabalhos
do padre para tentar tirar o demônio do corpo de Rosaria (Marta Gastini), mas
os conhecimentos de psicologia do rapaz o impedem de acreditar no que vê.
O palco está armado para discussões a respeito de fé,
crenças, religião e razão. Os diálogos provocativos e cheios de significados
tratam de segurar a atenção do espectador, embora a produção não seja
excepcional e utilize os diversos clichês desse tipo de filme como, por
exemplo, uma pessoa ligada a religião que é reticente quando o assunto envolve
espiritismo ou então um religioso com belos e esclarecedores discursos, uma
alma tão boa que é uma tentação para os espíritos do mal. O que diferencia este
filme de tantos outros que já requentaram o tema exorcismo é que ele não se
propõe a assustar com imagens explícitas e escatológicas, mas sim amedrontar
com sua atmosfera que se beneficia de uma fotografia e iluminação que enaltecem
o clima de mistério, além dos cenários instigantes que passam a ideia de frieza
e de que algo inesperado pode acontecer a qualquer instante. O próprio
personagem de Hopkins em certo momento dispara um cutucão ao clássico O
Exorcista dizendo a seu pupilo que ele não deve esperar cabeças girando ou
sopa de ervilha jorrando durante um ritual. Quem espera ver isso parta para
outra opção. As intenções do diretor Mikael Hafström, que já havia lidado com
as forças sobrenaturais em 1408, era tratar do tema exorcismo da forma
mais madura e humanizada possível e de repente fazer os espectadores esquecerem
o conceito de que tal tema deve sempre estar atrelado a um show de horrores.
Bem, até certo ponto ele consegue manter a seriedade na narrativa, mas no final
acaba descambando para cenas apoteóticas cheias de gritos e deformações nas
quais se destaca o eterno Hannibal Lecter. Hopkins encarna literalmente o
demônio e dá um show de interpretação amedrontando e até zombando dos pobres
mortais. Ele se entrega totalmente ao papel e chega a ficar irreconhecível no
auge da possessão. Apesar dos minutos finais investirem no inevitável embate
entre o bem e o mal repetindo velhos clichês, no conjunto tudo funciona
direitinho e traz certa sensação de frescor.
O início do longa tem um clima sombrio e lança mão de
recursos interessantes para conectar o espectador a narrativa. De quebra a
introdução desenterra das profundezas do ostracismo o ator Rutger Hauer. Ele e
seu filho Michael, ainda criança, estão preparando um cadáver para o enterro.
As lembranças de sua infância vira e mexe entram em cena como se fosse para
lembrar que a morte sempre esteve presente em sua vida e que para ele não
existe continuidade após o falecimento. O fim é estar em uma mesa sendo
minuciosamente limpo e maquiado para ser depositado em um caixão. Com o
convívio com o padre, o jovem tem a chance de acreditar em algo além da vida,
mas em tudo ele tenta encontrar explicações racionais com base na psicologia. O
ceticismo do personagem vai de encontro direto às dúvidas de boa parte do
público que acaba se identificando e procurando saná-las com o auxílio do
longa. Porém, as discussões que são geradas a partir do contato do rapaz com um
especialista em exorcismo acabam diluídas em uma narrativa por vezes arrastada
que ao menos inova ao enfocar o cotidiano dos profissionais da esconjuração. Hafström
tentou deixar sua obra tão realista que acabou derrapando em suas próprias
obsessões. A atmosfera inquietante acaba sendo quebrada literalmente pela
tecnologia. Um toque de celular interrompe um exorcismo e mais a frente o
aparelho volta à cena trazendo uma mensagem em alto e bom som do pai já
falecido do jovem seminarista, duas situações ridículas que destoam no conjunto.
Fora isso, as boas intenções do cineasta em tratar do assunto possessão se não
chegam a ser concretizadas pelo menos não destroem o longa. O Ritual é
recomendável para quem procura mais teoria do que sustos gratuitos. Para os
brasileiros há a curiosidade de ver a atriz Alice Braga em cena, mas ela está
tão insossa quanto seu colega Colin O’Donoghue. De qualquer forma, um título
curioso e que vale uma espiada, ainda que a procura de um novo ocupante para a
vaga de melhor filme sobre possessão não tenha nenhum candidato a altura. Pelo
jeito o trono continuará sendo de O Exorcista por várias décadas.
Terror - 113 min - 2011
Um comentário:
Achei razoável.
Melhor que os últimos lançamentos do gênero.
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