domingo, 26 de novembro de 2023

NA SUA CASA OU NA MINHA?

 

Nota 6 Carisma dos protagonistas é o que salva obra que deixa o casal separado boa parte do tempo

É possível manter uma amizade depois que você fez planos para o futuro e dividiu a cama com alguém e tudo deu errado? É muito difícil tal relação e demanda maturidade e generosidade para suportar ver a pessoa amada com outra ou realizando sonhos que eram planejados em conjunto. É sobre isso a comédia romântica Na Sua Casa ou na Minha?, projeto que reúne duas figuras carimbadas do gênero. Ashton Kutcher e Reese Witherspoon trazem carisma e leveza a uma obra que vai além de suas possibilidades. É preciso muito talento para segurar quase duas horas de uma trama romântica que enrola com uma gracinha aqui e outra ali, mas a roteirista e diretora Aline Brosh McKenna não consegue chegar nem perto do resultado de um de seus trabalhos de maior destaque, O Diabo Veste Prada, marcado pelo humor refinado e ácido, mas sem deixar de contar uma história de amor e até mesmo de superação. Debbie (Witherspoon) e Peter (Kutcher) dormiram uma única noite juntos, mas apesar da química optaram por continuar apenas como amigos. Aliás, grandes amigos. 

Logo nos primeiros minutos temos uma boa sacada de edição dando a entender que o casal ficou junto e ainda com admiração mútua e de invejar. É aniversário do rapaz e o diálogo travado indica que o casal está dividindo a cama e ainda muito apaixonado. Todavia, logo é revelado que ela está sozinha em uma cama e o rapaz em outra e ainda por cima acompanhado. Eles não estão dividindo o mesmo quarto, cada um está numa cidade, mas a conexão entre eles os faz sentir sempre próximos. Cada um deles seguiu um caminho diferente na vida, mas mantiveram um vínculo de amizade marcado pela sinceridade. Será mesmo? Mãe solteira, Debbie leva uma vida pacata em Los Angeles junto com Jack (Wesley Kimmel), seu filho pré-adolescente que tem alergia a diversos tipos de alimentos e foi criado com muito zelo. Já Peter deixou para trás seus sonhos de ser escritor e agora vive em meio ao agito de Nova York onde trabalha como consultor de marketing para grandes empresas. Quis o destino que certa vez a moça tivesse um curso a ser realizado justamente na cidade do amigo, este que prontamente lhe oferece seu apartamento para estadia e se prontifica a passar uns dias cuidando de Jack. 


Em virtude da ligeira mudança de residência, ambos acabam descobrindo que, apesar de se falarem diariamente, nem tudo sobre suas vidas contavam um ao outro, assim pequenas e grandes revelações íntimas os farão reavaliar a longeva amizade e até libertar sentimentos que reprimiam. Ainda que se sintam decepcionados, ambos aproveitam estes dias de sair da rotina para se divertirem. Enquanto Peter faz as vezes de pai para Jack o incentivando a vencer barreiras e a fazer amigos, Debbie se envolve com Theo (Jesse Williams), um editor de livros bonitão que conhece por acaso. Não há flerte, nem conquista e tampouco charme. Mesmo com poucas cenas juntos, ainda assim o carisma e empatia Witherspoon e Kutcher sem dúvida alguma é o que segura o interesse pelo longa que inerentemente acaba tendo um argumento semelhante a de outro produto da seara, O Amor Não Tira Férias. Em ambas as produções, os protagonistas saem da rotina, tem contato com outra realidade e pessoas, assim passam a repensar suas atitudes. Witherspoon mostra-se completamente confortável no papel de mãe coruja que lida com suas desavenças internas ao se descobrir apaixonada pelo amigo de longa data. Já Kutcher tem seu personagem mais engessado por não querer se envolver romanticamente, mas ganha destaque fazendo uma boa dupla com o adolescente Kimmel. 

É claro que o filme não escapa de inserir forçosamente os principais tropeços das comédias românticas. A diretora peca por supor que o espectador ainda acha graça em estereótipos repetitivos sem qualquer pingo de originalidade. Replicando formatos como o do alívio cômico, os coadjuvantes entram em cena sem vida própria, apenas com o intuito de servir como ombro amigo ou ser o gatilho de conflitos aos protagonistas. Todavia, as situações que se envolvem são ligeiramente mais atraentes que o conflito amoroso principal. Zen (Steve Zahn) é o vizinho que nutre uma paixão platônica por Debbie e faz questão de estar sempre por perto, despertando ciúmes em Peter, gancho que poderia ser melhor explorado; o pai temporário e inexperiente recebe os conselhos da amiga de longa Alicia (Tig Notaro), que desperta a atenção por sua aparência andrógena, mas o roteiro não aposta em críticas e polêmicas quanto a tal perfil; por fim, Minka (Zoë Chao), a vizinha curiosa, patricinha e uma das ex do rapaz, recebe Debbie com entusiasmo no endereço provisório e oferece cenas bem divertidas com seu alto astral. 


McKenna infelizmente estica o roteiro muito além do necessário e a certa altura o argumento romântico perde força, tornando mais interessante acompanhar as sequências em que Peter pouco a pouco se assume como uma figura paternal para Jack que também ganha uma história própria, ao longo do filme. De qualquer forma, tal relação é importante para um maior desenvolvimento da relação romântica do rapaz com Debbie, talvez o empurrãozinho que faltava para a moça enxergar o amigo como o companheiro ideal. Ao acompanhar a dinâmica dos personagens, é quase impossível acreditar que eles nutriram um sentimento amoroso durante tantos anos sem nunca deixar transparecer qualquer indício. Com seus dois primeiros atos bem medianos, o longa engrossa o seu caldo já no final, quando a essência do roteiro finalmente ganha vida em um clímax agradável e realista. O longa termina como deveria ter começado e nos deixa intrigados com todas as possibilidades positivas que foram descartadas. Um desperdício o filme não é, mas infelizmente, Na Sua Casa ou na Minha? é um tanto insosso para proporcionar aquele encantamento natural que todo bom produto do gênero deveria proporcionar.

Comédia romântica - 151 min - 2023

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