terça-feira, 19 de outubro de 2021

PAIXÕES PARALELAS


Nota 4 Demi Moore divide-se em dois papeis em filme de Hollywood com jeitinho europeu


Mais cedo ou mais tarde todos têm ao menos uma vez na vida um momento em que se pegam questionando: e se eu tivesse feito outras escolhas, como seria meu futuro? O tema abre caminho para várias discussões, mas o escolhido pelo diretor Alain Berliner para desenvolver o drama romântico Paixões Paralelas não foi dos melhores. De origem belga, este profissional despontou com o elogiado e premiado Minha Vida em Cor-de-Rosa e rapidamente Hollywood o seduziu, mas sua estreia no cinema americano não foi bem avaliada. A atriz Demi Moore, na época ainda queimada pelos resultados do polêmico Striptease lançado três anos antes, tentava novamente impor seu nome como de uma atriz séria e disposta a desafios, tanto que aceitou interpretar dois papeis. Marie é uma jovem viúva que ganha a vida fazendo críticas literárias e mora em uma bucólica cidade na França na companhia de duas filhas pequenas. Todas as noites ela sonha ser outra mulher e com uma rotina completamente diferente. 

Em seus sonhos ela vive o dia-a-dia de Marty, uma executiva bem-sucedida, moradora de Nova York, solteira e sem filhos, mas que sonha com a vida simples e tranquila de Marie. Qual delas é real? Conforme ambas investigam e recorrem a ajuda de conversas de cunho psicológico, vão sendo dadas dicas para o público participar da narrativa, mas o ritmo lento compromete o envolvimento total. Todavia a primeira parte consegue deixar o espectador inquieto (no bom sentido) e as dúvidas aumentam quando surgem os interesses amorosos das personagens. Marie envolve-se com o escritor William Leeds (Stellan Skarsgard) enquanto Marty finalmente deixa de lado o estereótipo da mulher independente e deixa o amor entrar em sua vida ao se sentir atraída pelo homem de negócios Aaron Reilly (William Fichtner), mas obviamente um deles é pura fantasia. 


O roteiro criado por Ron Bass e David Field narra as duas tramas de forma paralela. A vida de uma começa ao adormecer da outra num ciclo contínuo. Seus pretendentes sabem que algum mistério as envolve, mas reagem de formas distintas ao problema. Leeds parece sentir ciúmes do possível rival e Reilly, por sua vez, encara a situação com mais seriedade e está disposto a ajudar a mulher que ama a encontrar uma resposta. Assim que as duas protagonistas são apresentadas fica claro que o filme aborda a questão da dupla personalidade. É comum tramas em que personagens perturbados possuam personalidades opostas e que se manifestam repentinamente, mas neste caso a diferença é que a outra vida, com direito a todo um contexto próprio, só surge quando uma delas dorme, mas as lembranças dos sonho com Marty são extremamente nítidas e passam a influenciar no cotidiano de Marie. 

O interessante é justamente que uma sabe da existência da outra e a falsa mulher não é uma simples válvula de escape para algum tipo de distúrbio ou trauma, também está sendo atingida pela dúvida. Ambas têm consciência de que não estão mais conseguindo distinguir o que é realidade, mas têm dificuldades em buscar respostas justamente porque tanto a versão mulher de sucesso em uma grande metrópole quanto a de simples dona-de-casa em um tranquilo reduto europeu agradam e existe o medo que a anulação do delírio possa trazer a insatisfação a quem seja verdadeiramente esta mulher. Marie e Marty se completam, mas ao mesmo tempo a coexistência é impossível. Pode parecer confuso, mas argumento do tipo já havia sido utilizado com sucesso (ao menos a crítica até hoje faz elogios rasgados) em A Dupla Vida de Véronique, mas infelizmente Berliner não soube reciclá-lo.


Ainda que segure o mistério até o fim, o diretor, talvez por medo de confundir o público, caminhou a passos lentos, mas baseados em diálogos insossos travados por um elenco que não desperta empatia. Simplesmente temos em cena quatro personagens, e mais alguns secundários, filosofando sobre crises existenciais adornados por uma boa trilha sonora, fotografia e cenários. Embora invoque o estilo europeu tradicional de se fazer cinema, beleza aliada à trama com conteúdo, Paixões Paralelas não tem charme para envolver mentes e corações mais evoluídos e fica muito aquém do nível exigido para quem curte um filme-pipoca temperado com lágrimas. De qualquer forma, para quem tem um pé atrás com Moore, a obra serve para redimir um pouco sua imagem de fracassada. Sua interpretação, de longe, é o que há de melhor conseguindo dotar suas personagens de características distintas que ajudam a compreender melhor o conflito psicológico.

Drama - 105 min - 1999 

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