NOTA 8,5 Com orçamento limitado, mas muita criatividade, desenho é delicado, divertido e emociona com um tema sempre atual |
A história dos estúdios Disney e
dos bastidores acerca de cada produção saída de lá até hoje despertam muita
curiosidade e torna-se ainda mais especial revermos ou apresentarmos as novas
gerações tais clássicos quando temos em mente o contexto histórico da época de
seus lançamentos e percebemos que suas lições de moral ainda têm validade. Hoje em dia, as humilhações
vividas por qualquer um em seu ambiente escolar, profissional, familiar ou até
mesmo na rua estão no foco dos noticiários e debates em diversas instituições.
Qualquer deslize ou algo diferente em seu aspecto físico pode virar alvo de
chacota. Inicialmente pode até ser divertida a brincadeira, mas conforme ela se
torna constante e ofensiva pode se transformar em um ato criminoso, o popular
bullying, palavra estrangeira empregada para denominar tais práticas
provenientes de pessoas sem o mínimo de respeito ao seu semelhante. Porém, o
problema não é uma novidade do mundo moderno. Sem o título americano, esse
inconveniente já ocorre há muitos anos, talvez desde os primórdios do homem na
Terra, e é um conflito muito explorado pelo cinema, enfocando na maioria das
vezes o público infantil, faixa etária em que a discriminação acontece em
proporções assustadoras. Tal tema foi utilizado com sucesso, por exemplo, em
uma inteligente metáfora na animação Dumbo, uma
produção Disney lançada em 1941 e baseada na obra homônima de Helen Aberson e
Harold Perl. Este é o quarto longa de animação do estúdio e é considerado um
dos maiores clássicos do gênero de todos os tempos, tanto é que foi relançado
em cinemas e em home vídeo diversas vezes, já que seu conteúdo é universal e
atemporal, afinal é impossível encontrar alguém que pelo menos uma vez na vida
não se sentiu excluído ou inseguro mesmo quando adulto. A história gira em
torno de um elefantinho chamado Jumbo Jr. que, além de nascer com orelhas
desproporcionais ao seu corpo, tem a fama de ser desengonçado, por isso ele
recebeu o apelido de Dumbo, palavra que em inglês significa estúpido. Vivendo
desde pequeno em um circo, ele sempre foi ridicularizado pelos outros elefantes
que levavam a sério a frase da canção "um elefante incomoda muita
gente", mas tudo por pura maldade. Dumbo só contava com o amor e carinho
de sua mãe até que ele faz amizade com o prestativo ratinho Timóteo que vai
ajudá-lo a enfrentar esses problemas e mostrar seu valor. Essa amizade, um dos
pontos altos do filme, é uma clara paródia ao medo que esses grandes mamíferos
têm de roedores.
Desde seus primeiros minutos
esta animação conquista o espectador pegando fundo em seu emocional. É cheia de
simplicidade e ingenuidade a entrega dos bebês feitas pelas famosas cegonhas.
Depois não há como não se entristecer ao ver a mãe do elefantinho sendo mantida
em cativeiro após se revoltar contra as outras elefantas, ocupando a vaga de
madames fofoqueiras, e até mesmo contra os humanos que ridicularizaram seu
filhote ou ao vê-lo sozinho em seu alojamento. Ainda somos brindados, graças a
uma bebedeira acidental por champanhe, com uma belíssima e surreal sequência em
que imagem e trilha sonora formam um casamento perfeito no melhor estilo Fantasia lançado
um ano antes. Aliás, os projetos anteriores do senhor Walt Disney no campo das
animações tiveram uma trajetória bem diferente ao longa em questão. Após o
estrondoso sucesso de Branca de Neve e os
Sete Anões, as duas produções seguintes do estúdio, entre elas Pinóquio, foram obras que consumiram
muito tempo e dinheiro, mas que ofereceram resultados que colocaram a empresa
em difícil situação financeira o que obrigou o mestre das animações a repensar
os caminhos a serem seguidos. Disposto a colocar o lado comercial acima do
artístico, ele optou em sua quarta inserção no gênero por realizar um desenho
bem mais simplório em todos os aspectos, mas talvez jamais imaginasse que com
um orçamento minúsculo poderia realizar um verdadeiro clássico, embora na época
de seu lançamento os rendimentos não terem chegado a superar os seus custos,
mas devido as contenções de despesas empregadas um fracasso retumbante não foi
consolidado. Embora tenha colhido críticas positivas, há justificativas para
que as mesmas não tenham tido reflexos nos resultados financeiros imediatos do
longa. A animação foi lançada em pleno ápice da Segunda Guerra Mundial, época
em que as pessoas não estavam obviamente no clima de alegria, portanto, não
fazia lógica alguma refugiar-se por algumas horas na magia contida no escurinho
do cinema para logo depois enfrentar a triste realidade. O longa estreou bem,
mas quando os americanos entraram nos conflitos armados literalmente, período
dos famosos ataques a Pearl Harbor, o público sumiu pouco a pouco e até a capa
de uma famosa revista destinada a festejar o aparente sucesso do elefantinho
teve que ser trocada às pressas para destacar a guerra. Contudo, é claro que
depois a obra acabou arrecadando muito mais com suas diversas reestreias e
lançamentos em home vídeo, além dos produtos licenciados que estampam os
personagens, dividendos recolhidos até hoje. É curioso que este desenho não foi
um projeto concebido como algo grandioso. Simplesmente Walt Disney ganhou de um
produtor um simplório livro com algumas poucas páginas e uma trama muito
singela, mas não deu muita bola em um primeiro momento. Para chamar sua atenção
os escritores Joe Grant, Otto Englander e Dick Huemer escreveram um roteiro que
foi divido em partes e entregues aos poucos ao chefão de forma a instigá-lo até
que um dia o próprio entrou em contato com eles muito entusiasmado perguntando
como a história continuaria. O aval para o início dos trabalhos estava dado e a
direção foi entregue à Ben Sharpsteen, o mesmo responsável por animar as
aventuras e desventuras do já citado boneco de maneira que queria ser gente (o
senhor Disney só palpitava nas produções do início ao fim, mas o cargo de
diretor sempre era ocupado por outro).
Como uma variação da fábula do
patinho feio, o tema preconceito é abordado de forma muito delicada e tocante
apostando todas as fichas em gags visuais e em um protagonista que mesmo sem
pronunciar uma única palavra conquista o público com seu carisma e inocência.
Neste projeto a equipe de desenhistas estava bem reduzida, mas o volume de
trabalho aumentou acima das expectativas. O grande desafio era como conduzir
uma narrativa cujo personagem principal não travava diálogos e precisava de
alguma forma se expressar como uma criança pequena. O jeito era concentrar
todos os esforços na construção visual do elefantinho dando atenção especial
aos seus movimentos corporais, olhares e expressões faciais. E dessa forma
Dumbo conseguiu e ainda consegue alegrar e também emocionar milhares de
pessoas. Com um colorido estarrecedor, fruto de uma coloração feita a base de
aquarela, personagens cativantes e história enxuta e eficiente, o longa prova
que não é preciso gastar milhões para conseguir um resultado digno, mesmo
quando se trata de uma animação. Quando o dinheiro é escasso, o jeito é
procurar realizar o melhor trabalho possível mesmo que adotando o estilo dos
curtas-metragens, tanto é que esta obra dura 65 minutos aproximadamente. A
distribuidora, na época a RKO, pediu para que o senhor Disney revisse seus
planos e transformasse o desenho realmente em um curta, criasse sequências
novas para aumentar a duração ou ainda o lançasse como um filme B, assim
entrando em cartaz em circuito reduzido. As ideias foram recusadas e Dumbo foi
lançado em sua versão original como um filme normal. Como sempre existem
pessoas que não tem o que fazer e ficam procurando pêlo em ovo, muitos afirmam
e propagam a ideia de que o longa é prejudicial às crianças por incentivá-las a
revidar quando são ridicularizadas, racismo implícito na presença dos corvos em
uma importante sequência e até mesmo pelo fato do elefante poder voar, mas
convenhamos, se levarmos tudo a ferro e fogo assim não existiria cinema
infantil. Conflitos e uma boa dose de fantasia são ingredientes essenciais.
Aliás, certamente uma das sequências mais lembradas é a que se inicia após
inexplicavelmente Dumbo acordar pendurado em galhos de uma árvore muito alta e
ser arremessado por um bando de corvos, estes vistos por algumas mentes
mirabolantes como uma metáfora desfavorável aos negros. É assim que o
elefantinho descobre que suas enormes orelhas, até então motivo de vergonha,
eram seu diferencial. Com elas poderia voar e assim é incentivado por Timóteo a
voltar ao circo para participar de um número inédito: ele pularia de uma altura
considerável e deveria cair em cima de uma cama elástica, porém, o espetáculo
envolvia fogo, como se fosse um prédio em chamas, e o resultado final poderia
ser catastrófico se o elefantinho não usasse sua coragem para evitar uma
tragédia e ainda de quebra dar uma lição naqueles que um dia riram dele. Em
tempos em que aparência é tudo, vale a pena reforçar o pensamento de que cada
um tem seu valor individual e que primeiro precisa encontrá-lo para depois
exigir ser aceito pelos outros. Fazendo um infame trocadilho, literalmente
abaixar as orelhas e aceitar provocações não adianta nada.
Vencedor do Oscar de trilha sonora
Animação - 64 min - 1941
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