segunda-feira, 17 de outubro de 2016

DUMBO (1941)

NOTA 8,5

Com orçamento limitado, mas
muita criatividade, desenho é
delicado, divertido e emociona
com um tema sempre atual
A história dos estúdios Disney e dos bastidores acerca de cada produção saída de lá até hoje despertam muita curiosidade e torna-se ainda mais especial revermos ou apresentarmos as novas gerações tais clássicos quando temos em mente o contexto histórico da época de seus lançamentos e percebemos que suas lições de moral ainda têm validade. Hoje em dia, as humilhações vividas por qualquer um em seu ambiente escolar, profissional, familiar ou até mesmo na rua estão no foco dos noticiários e debates em diversas instituições. Qualquer deslize ou algo diferente em seu aspecto físico pode virar alvo de chacota. Inicialmente pode até ser divertida a brincadeira, mas conforme ela se torna constante e ofensiva pode se transformar em um ato criminoso, o popular bullying, palavra estrangeira empregada para denominar tais práticas provenientes de pessoas sem o mínimo de respeito ao seu semelhante. Porém, o problema não é uma novidade do mundo moderno. Sem o título americano, esse inconveniente já ocorre há muitos anos, talvez desde os primórdios do homem na Terra, e é um conflito muito explorado pelo cinema, enfocando na maioria das vezes o público infantil, faixa etária em que a discriminação acontece em proporções assustadoras. Tal tema foi utilizado com sucesso, por exemplo, em uma inteligente metáfora na animação Dumbouma produção Disney lançada em 1941 e baseada na obra homônima de Helen Aberson e Harold Perl. Este é o quarto longa de animação do estúdio e é considerado um dos maiores clássicos do gênero de todos os tempos, tanto é que foi relançado em cinemas e em home vídeo diversas vezes, já que seu conteúdo é universal e atemporal, afinal é impossível encontrar alguém que pelo menos uma vez na vida não se sentiu excluído ou inseguro mesmo quando adulto. A história gira em torno de um elefantinho chamado Jumbo Jr. que, além de nascer com orelhas desproporcionais ao seu corpo, tem a fama de ser desengonçado, por isso ele recebeu o apelido de Dumbo, palavra que em inglês significa estúpido. Vivendo desde pequeno em um circo, ele sempre foi ridicularizado pelos outros elefantes que levavam a sério a frase da canção "um elefante incomoda muita gente", mas tudo por pura maldade. Dumbo só contava com o amor e carinho de sua mãe até que ele faz amizade com o prestativo ratinho Timóteo que vai ajudá-lo a enfrentar esses problemas e mostrar seu valor. Essa amizade, um dos pontos altos do filme, é uma clara paródia ao medo que esses grandes mamíferos têm de roedores.

Desde seus primeiros minutos esta animação conquista o espectador pegando fundo em seu emocional. É cheia de simplicidade e ingenuidade a entrega dos bebês feitas pelas famosas cegonhas. Depois não há como não se entristecer ao ver a mãe do elefantinho sendo mantida em cativeiro após se revoltar contra as outras elefantas, ocupando a vaga de madames fofoqueiras, e até mesmo contra os humanos que ridicularizaram seu filhote ou ao vê-lo sozinho em seu alojamento. Ainda somos brindados, graças a uma bebedeira acidental por champanhe, com uma belíssima e surreal sequência em que imagem e trilha sonora formam um casamento perfeito no melhor estilo Fantasia lançado um ano antes. Aliás, os projetos anteriores do senhor Walt Disney no campo das animações tiveram uma trajetória bem diferente ao longa em questão. Após o estrondoso sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões, as duas produções seguintes do estúdio, entre elas Pinóquio, foram obras que consumiram muito tempo e dinheiro, mas que ofereceram resultados que colocaram a empresa em difícil situação financeira o que obrigou o mestre das animações a repensar os caminhos a serem seguidos. Disposto a colocar o lado comercial acima do artístico, ele optou em sua quarta inserção no gênero por realizar um desenho bem mais simplório em todos os aspectos, mas talvez jamais imaginasse que com um orçamento minúsculo poderia realizar um verdadeiro clássico, embora na época de seu lançamento os rendimentos não terem chegado a superar os seus custos, mas devido as contenções de despesas empregadas um fracasso retumbante não foi consolidado. Embora tenha colhido críticas positivas, há justificativas para que as mesmas não tenham tido reflexos nos resultados financeiros imediatos do longa. A animação foi lançada em pleno ápice da Segunda Guerra Mundial, época em que as pessoas não estavam obviamente no clima de alegria, portanto, não fazia lógica alguma refugiar-se por algumas horas na magia contida no escurinho do cinema para logo depois enfrentar a triste realidade. O longa estreou bem, mas quando os americanos entraram nos conflitos armados literalmente, período dos famosos ataques a Pearl Harbor, o público sumiu pouco a pouco e até a capa de uma famosa revista destinada a festejar o aparente sucesso do elefantinho teve que ser trocada às pressas para destacar a guerra. Contudo, é claro que depois a obra acabou arrecadando muito mais com suas diversas reestreias e lançamentos em home vídeo, além dos produtos licenciados que estampam os personagens, dividendos recolhidos até hoje. É curioso que este desenho não foi um projeto concebido como algo grandioso. Simplesmente Walt Disney ganhou de um produtor um simplório livro com algumas poucas páginas e uma trama muito singela, mas não deu muita bola em um primeiro momento. Para chamar sua atenção os escritores Joe Grant, Otto Englander e Dick Huemer escreveram um roteiro que foi divido em partes e entregues aos poucos ao chefão de forma a instigá-lo até que um dia o próprio entrou em contato com eles muito entusiasmado perguntando como a história continuaria. O aval para o início dos trabalhos estava dado e a direção foi entregue à Ben Sharpsteen, o mesmo responsável por animar as aventuras e desventuras do já citado boneco de maneira que queria ser gente (o senhor Disney só palpitava nas produções do início ao fim, mas o cargo de diretor sempre era ocupado por outro).

Como uma variação da fábula do patinho feio, o tema preconceito é abordado de forma muito delicada e tocante apostando todas as fichas em gags visuais e em um protagonista que mesmo sem pronunciar uma única palavra conquista o público com seu carisma e inocência. Neste projeto a equipe de desenhistas estava bem reduzida, mas o volume de trabalho aumentou acima das expectativas. O grande desafio era como conduzir uma narrativa cujo personagem principal não travava diálogos e precisava de alguma forma se expressar como uma criança pequena. O jeito era concentrar todos os esforços na construção visual do elefantinho dando atenção especial aos seus movimentos corporais, olhares e expressões faciais. E dessa forma Dumbo conseguiu e ainda consegue alegrar e também emocionar milhares de pessoas. Com um colorido estarrecedor, fruto de uma coloração feita a base de aquarela, personagens cativantes e história enxuta e eficiente, o longa prova que não é preciso gastar milhões para conseguir um resultado digno, mesmo quando se trata de uma animação. Quando o dinheiro é escasso, o jeito é procurar realizar o melhor trabalho possível mesmo que adotando o estilo dos curtas-metragens, tanto é que esta obra dura 65 minutos aproximadamente. A distribuidora, na época a RKO, pediu para que o senhor Disney revisse seus planos e transformasse o desenho realmente em um curta, criasse sequências novas para aumentar a duração ou ainda o lançasse como um filme B, assim entrando em cartaz em circuito reduzido. As ideias foram recusadas e Dumbo foi lançado em sua versão original como um filme normal. Como sempre existem pessoas que não tem o que fazer e ficam procurando pêlo em ovo, muitos afirmam e propagam a ideia de que o longa é prejudicial às crianças por incentivá-las a revidar quando são ridicularizadas, racismo implícito na presença dos corvos em uma importante sequência e até mesmo pelo fato do elefante poder voar, mas convenhamos, se levarmos tudo a ferro e fogo assim não existiria cinema infantil. Conflitos e uma boa dose de fantasia são ingredientes essenciais. Aliás, certamente uma das sequências mais lembradas é a que se inicia após inexplicavelmente Dumbo acordar pendurado em galhos de uma árvore muito alta e ser arremessado por um bando de corvos, estes vistos por algumas mentes mirabolantes como uma metáfora desfavorável aos negros. É assim que o elefantinho descobre que suas enormes orelhas, até então motivo de vergonha, eram seu diferencial. Com elas poderia voar e assim é incentivado por Timóteo a voltar ao circo para participar de um número inédito: ele pularia de uma altura considerável e deveria cair em cima de uma cama elástica, porém, o espetáculo envolvia fogo, como se fosse um prédio em chamas, e o resultado final poderia ser catastrófico se o elefantinho não usasse sua coragem para evitar uma tragédia e ainda de quebra dar uma lição naqueles que um dia riram dele. Em tempos em que aparência é tudo, vale a pena reforçar o pensamento de que cada um tem seu valor individual e que primeiro precisa encontrá-lo para depois exigir ser aceito pelos outros. Fazendo um infame trocadilho, literalmente abaixar as orelhas e aceitar provocações não adianta nada.

Vencedor do Oscar de trilha sonora

Animação - 64 min - 1941

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1 – 2 Ruim, uma perda de tempo
3 – 4 Regular, serve para passar o tempo
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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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