NOTA 4,0 Drama enfoca a vida de personagens após sofrerem um trauma, mas roteiro frouxo não prende atenção |
Quando somos crianças é comum termos medo
de muitas coisas, afinal de contas estamos conhecendo o mundo. Observando dessa
forma, ter medo de fantasmas é algo normal até para um adulto já que a vida
após a morte é e provavelmente continuará sendo uma eterna incógnita. Porém,
nos dias atuais nada deve causar mais medo do que o próprio homem e a violência
que ele instiga no seu dia-a-dia nos mais diversos ambientes e contra pessoas
conhecidas ou não. Já pensou você sair para jantar com a família em um
restaurante e não ter a certeza se voltará são e salvo com todos? Isso poderia
ser ficção, mas infelizmente tornou-se uma realidade frequente provocada pela
maldade de algumas pessoas que cometem assaltos, sequestros e até mesmo
assassinatos em troca de dinheiro, jóias, carros ou ainda pelo motivo de não
satisfeitos com suas vidas alguns indivíduos decidirem se matar, mas não sem
antes provocar o sofrimento de outras pessoas, como se fosse uma maneira de
extravasar a raiva que sentem da vida por inúmeras razões. Roy Freirich optou
pela segunda opção para desenvolver o roteiro de O Efeito da Fúria, um
drama irregular que não joga o foco no “vilão”, mas centra suas atenções nos
personagens que sobreviveram aos seus atos irracionais. Adotando uma linha
narrativa fragmentada e com muitos flashbacks, ao longo do filme ficamos
sabendo o que realmente aconteceu em uma tarde ensolarada dentro de uma
lanchonete, o que houve com as pessoas que saíram com vida de lá e como tal fatalidade
atingiu as pessoas que convivem com os sobreviventes. Todavia, esse vai e vem
do tempo e algumas ações dos personagens acabam tornando este filme cansativo e
por vezes confuso. Se a intenção era emocionar com o drama destas pessoas, o
diretor Rowan Woods, do drama Sob o
Efeito da Água, não conseguiu alcançar seus objetivos plenamente, no máximo
causar certo desconforto no espectador que pode até julgar as ações de quem
está em cena, mas como ele próprio reagiria se sobrevivesse a uma tragédia? É
essa inquietação que o filme consegue provocar, uma sensação que
corriqueiramente vivenciamos acompanhando a cobertura da mídia sobre episódios
tristes e marcantes, como um tiroteio em uma sala de cinema, uma explosão em
uma boate ou um sequestro que termina com morte. Indiferente, amedrontado,
sensibilizado, desamparado, crítico, são várias as formas que um ser humano
pode reagir a episódios do tipo.
Adotando um estilo parecido com Crash – No Limite, obviamente guardadas
as devidas proporções, e tantos outros filmes menores ou pretensiosos que
trabalham com várias histórias paralelas que encontram um ponto de encontro ou
ainda aqueles que mostram vários pontos de vista sobre um mesmo fato, a
narrativa começa apresentando aquele que era para ser mais um dia comum de
trabalho em uma lanchonete, porém, a entrada de um indivíduo aparentemente
normal transformou completamente o ambiente e as pessoas que lá estavam. Do
nada esse homem saca um revólver e começa a atirar para tudo quanto é lado,
assim matando muitas pessoas e depois ele tirou sua própria vida. Agora os
sobreviventes da tragédia precisam tentar reagir a esse episódio traumático,
cada qual da melhor maneira que encontrar. A garçonete Carla (Kate Beckinsale)
é uma mãe solteira e desnaturada que acaba vendo com maus olhos a ação de
grupos de ajuda às vítimas e cria certa obsessão pelo médico Bruce (Guy Pearce)
que também estava no local na hora do tiroteio, um homem empenhado em realizar
novas experiências na área de saúde, mesmo que precise usar a esposa doente
como cobaia. O doutor fica obcecado pela ideia de salvar vidas, pois carrega
sentimentos de culpa. Quando saia da lanchonete coincidentemente o assassino
estava entrando e ele lhe abriu a porta, além do médico se ressentir por não
ter salvado um dos baleados. Já Charlie (Forest Whitaker) está tão confiante
que a sorte está do seu lado após o incidente que começa a apostar em jogos de
azar, uma prática que trará altos e baixos para sua vida, mas também
atrapalhará a de sua filha Kathy (Jennifer Hudson), que passa a ser importunada
por detetives devido aos problemas do pai, o qual ela desconhece o paradeiro.
Anne (Dakota Fanning), que teve seu pai assassinado, muda completamente seu
comportamento ao procurar auxílio em uma religião, incentivando a todos a terem
força e acreditarem nos poderes de Deus, mas na realidade ela omite o que
realmente aconteceu naquela fatídica tarde. Por fim, Jimmy (Josh Hutcherson)
presencia muitas discussões entre seus pais, torna-se amargurado e triste e
pensa constantemente na morte, embora ele já tenha quase vivido essa
experiência sem retorno. Emudecido após a chacina, ninguém sabe ao certo o que
ele viu, principalmente porque o garoto acata o pedido de sua amiga Anne para
não contar absolutamente nada. As reações de jovens e adultos são distintas,
cada um foi procurar forças para seguir em frente de uma forma diferente.
Religião, distração, trabalho, família ou o silêncio, seja qual for o caminho
seguido é certo que nada apagará definitivamente suas tristes memórias daquela
tarde.
Embora trabalhe com uma temática
interessante e aposte em uma estrutura diferenciada para alinhavar várias
histórias e adicionar certo suspense à trama, Woods no fundo entrega um drama convencional
e com muitos pontos falhos. O que era para ser a grande cartada do filme, a
narrativa fragmentada, acaba trabalhando contra. A introdução é bem realizada e
impactante. Logo de cara já somos apresentados à cena do crime que desencadeará
todos os conflitos posteriores dos personagens, porém, depois que vemos tal
cena ápice o que podemos esperar? Era preciso um roteiro bem mais apurado para
prender a atenção do espectador. Além das várias repetições da sequência da
chacina pela ótica dos sobreviventes, as reviravoltas nas vidas dos personagens
não são lá muito interessantes ou pelo menos foram desenvolvidas de forma
preguiçosa, um problema acentuado pela má edição que permitiu que as cenas
ficassem soltas. Estamos acompanhando a trajetória de um personagem e de
repente a vida de outro é destacada, mas não é criado um gancho entre essas
cenas. Em produções do tipo, é comum termos a expectativa de que em algum
momento da narrativa os núcleos irão se unir ou ao menos algum fato em comum
criará definitivamente um elo entre eles, mas no caso a única coisa que acaba
por reunir o elenco principal recheado de nomes famosos é mesmo o acidente do
início. A conclusão parece ter sido criada no limite do tempo para encerrar as
filmagens. A personagem Anne faz um meloso discurso em off para acompanhar um
amontoado de imagens que mostra que não importa o que passou a vida está ai
para ser vivida e cada um deve encontrar a melhor maneira possível de fazer
isso. O cinema, principalmente o de ação, usa muito a temática da violência e
da banalização da vida e dos valores morais, mas poucos filmes tratam essas
mazelas sociais com o respeito que merecem. A maioria utiliza tais temas apenas
alinhavar tramas desnecessárias para matar tempo livre. O drama é o gênero
ideal para aprofundar tais questões, mas é preciso ter coragem e inteligência
para tocar nestas feridas, coisa que nem o diretor e nem o roteirista de O
Efeito da Fúria tiveram. Jogaram a oportunidade de realizarem um
trabalho marcante e polêmico. É certo que falar sobre sentimentos e reações
humanas não é fácil, demanda inclusive uma pesquisa minuciosa tanto teórica
quanto prática, mas o material apresentado neste caso serve, como já dito, no
máximo para causar certo incômodo ao espectador. Pena que tal mal estar
provavelmente não seja pelas indagações e sensações que a temática do longa
pode despertar, mas sim pela vontade de que os créditos finais apareçam na tela
rapidamente. Todavia, para quem não gosta de tudo mastigadinho, vale a pena dar
uma conferida e criar em sua própria mente a sua versão melhorada desta obra de
acordo com sua compreensão. Um exercício interessante, mas infelizmente que
poucos aceitam por livre e espontânea vontade.
Drama - 95 min - 2007
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