NOTA 9,0 Clássico animado conquista com história simples, mas repleta de boas mensagens e animação primorosa |
Para alguns filmes quanto mais o tempo passa melhores eles
ficam e as animações da Disney se beneficiam muito disso. Muitos trabalhos
orientados de perto ou apenas idealizados por Walt Disney entre as décadas de
1930 e 1960 hoje em dia são verdadeiros clássicos, mas quando lançados foram
considerados verdadeiras loucuras e não fizeram sucesso. Depois da boa recepção
e repercussão de Branca de Neve e os Sete Anões, projeto desacreditado por
muitos que surpreendeu a todos por sua qualidade, avanços em termos de técnicas
cinematográficas e rendimento nas bilheterias, o estúdio recebeu carta branca
do chefão para investir ainda mais na próxima animação. Em 1940 a equipe de
desenhistas do estúdio deu mais um grande salto no campo da criação investindo
em cenários e personagens bem detalhados e tomando maiores liberdades para
contar a história de Pinóquio, baseado no livro clássico “As Aventuras de Pinocchio”
de Carlo Collodi. A trama é bem popular em todo o mundo, mas não custa
relembrar. O velho artesão Geppetto consegue adquirir um pedaço de madeira que
considera muito especial e decide fazer algo inesquecível: um boneco que fosse
o mais próximo possível de um ser humano, como se fosse a idealização do filho
que ele nunca teve. Sua criação foi tão perfeita que nem ele próprio podia
acreditava no que fez. O senhor que vivia sozinho nem desconfiava que assim ganharia
um companheiro de verdade, mas as estrelas atenderam seu pedido. Graças a Fada
Azul, Pinóquio, como o boneco foi batizado por seu criador, poderia se tornar
um menino de verdade, desde que provasse sua lealdade e coragem, virtudes que
ele deveria compreender por conta própria. Todavia, sempre que mentisse
automaticamente seu nariz cresceria denunciando sua desobediência e diminuindo
as chances de se tornar uma pessoa de carne e osso. Nessa jornada de
aprendizados, o garoto conta com a ajuda do esperto Grilo Falante, mas nem
assim ele deixa de arrumar confusão ou cair em armadilhas. O mascote da vez, um
dos grandes estereótipos das produções Disney, é um dos grandes trunfos desde
desenho, um personagem tão interessante e cativante quanto o próprio
protagonista. Na realidade, o inseto-conselheiro foi uma liberdade dos
criadores, visto que ele não existe no conto original, diga-se de passagem, bem
mais soturno que esta sua versão animada. A ideia é que o personagem ensinasse ao
garoto noções práticas do que é certo ou errado já que o boneco teria a
personalidade parecida com a de um bebê que precisava ser educado passo a
passo. A inserção deste mentor foi bem-vinda, dando mais credibilidade à trama,
e o sucesso dele foi tão grande que lhe rendeu a participação em mais um
longa-metragem futuramente, Como é Bom se Divertir, além de várias aparições em
curtas e programas de TV.
É óbvio que Pinóquio conseguirá entrar nos eixos,
demonstrando sua bravura no clímax do conto em um fatídico acidente em alto mar
no qual demonstra seu amor por Geppetto. A sequência do ataque de uma baleia é
mais um dos pontos relevantes da obra. São cenas difíceis para a realização na
época que realçam a coloração obtida através das pinturas das cenas realizadas
a base de tinta a óleo e muitas técnicas inovadoras foram utilizadas para fazer
o efeito da água do mar revolto. Aliás, investir no que podia haver de mais
moderno era a ordem. Foram desenvolvidas novas técnicas a fim de utilizar ao
máximo todo o potencial da câmera multiplano, equipamento que sobrepunha
diversas camadas de desenhos para gerar a ilusão de profundidade, por isso é
possível, por exemplo, ter a sensação de aconchego do lar do artesão, efeito
potencializado pelo fato dos personagens ou elementos cênicos em destaque
parecerem iluminados e se destacarem em meio ao fundo de cores sóbrias. Também
foi usada a técnica de rotoscópia (animação sobreposta a uma filmagem prévia)
para a criação da Fada Azul e recorreram a trucagens sonoras para dar mais
naturalidade às cenas quando necessária a entrada de personagens em sequências
já iniciadas. Até a ousadia de mostrar o Grilo Falante em cenas-solo
dirigindo-se diretamente ao espectador como se quisesse fazer confidências foi
uma forma que encontraram para deixar as tomadas mais fluídas. Mesmo com todas
as inovações técnicas e artísticas, é óbvio que esta obra não teria o mesmo
valor se não tivesse uma boa narrativa. O enredo hoje pode ser considerado um
tanto simplório e ingênuo se comparado a produções mais modernas, porém, leva
vantagem pelo fato dos personagens serem extremamente bem desenvolvidos e
carismáticos, inclusive os mascotes Fígaro e Cléo, respectivamente um gato e um
peixe. Ambientado na Itália, o enredo construído por uma equipe de seis
roteiristas levou três anos para conseguir o script definitivo, tudo para
conseguir um resultado impecável atendendo as exigências do Sr. Disney.
Realmente o material original é de um conteúdo universal e atemporal, tanto que
ainda inspira outros trabalhos, como A. I. – Inteligência Artificial, de Steven
Spielberg. Fora a explícita mensagem de honestidade e amor ao próximo, a certa
altura Geppetto diz ao filho que ele deve ir para a escola, deixando implícito
que é saindo de casa que um ser humano aprende realmente o que é viver e isso
implica em saber lidar com os “gatunos” de plantão prontos para se aproveitar
da ingenuidade das pessoas de bem. Não é a toa que um dos vilões é o gato João Honesto,
nome contraditório ao seu caráter. Stromboli também é outra figura duvidosa que
atravessa o caminho de Pinóquio e o convence a participar de um show de
marionetes, prendendo-o em uma jaula para impedir sua fuga quando percebe a
mina de ouro que tem em mãos. Não fale com estranho, eis mais um
conselho-clichê da obra, mas sempre bem-vindo.
Muito elogiado pela crítica, o longa assinado
pelos diretores Hamilton Luske e Ben Sharpsteen na época de seu lançamento foi
considerada um fracasso. Não se tornou popular imediatamente e o público que
vivia o pavor da Segunda Guerra Mundial não se interessou em vivenciar uma
mágica experiência por alguns minutos no escurinho do cinema e logo em seguida
embarcar novamente no pesadelo sem fim da vida real. E essa situação se repetiu
no mundo todo, assim a renda das bilheterias não cobriu os altos gastos da
produção. No entanto, a situação se reverteu ao longo dos anos com os diversos
relançamentos que o desenho teve para as telas grandes a partir de 1945 quando
os ânimos começaram a esfriar com o declínio da guerra. A partir da década de
1980, o longa passou a acumular renda com o estouro de vendas de VHS. Os
especialistas até hoje dizem que esta animação é a melhor do catálogo Disney e
a própria empresa reconhece a importância do título tendo o escolhido como o
primeiro a ser lançado no mercado de DVDS. Pinóquio, cujo papel-título teve seu visual
criado sem a necessidade de um modelo vivo para inspiração, sintetiza todos os
elementos básicos de um verdadeiro clássico infantil ou em outras palavras
reúne as características primordiais de um legítimo e tradicional longa animado
da casa do Mickey Mouse e companhia bela, com as lições de moral e de vida que
se já eram necessárias há décadas atrás imagine atualmente em que as sociedade
parecem viver sem regras ou almeja tal liberdade sem pensar nas consequências.
Entretanto, é triste constatar que apesar de ainda ser encantador dificilmente
as crianças de hoje em dia se deixam envolver por essa mágica experiência, só
mesmo as bem pequenas ou as “disneymaníacas”. É preciso que os pais não se
deixem seduzir completamente pelas animações modernas e abram caminho para que
seus filhos conheçam belos trabalhos do passado e tenham com o que sonhar,
assim como um dia o Sr. Disney sonhou em construir um mundo encantado e
certamente o conto do menino de madeira que queria ser gente foi muito
importante para essa concretização. Apesar de cenas antológicas como as de
Pinóquio com seu longo nariz de mentiroso ou o citado conflito com uma baleia,
apresentando os personagens em apuros no interior do corpo do animal, a mais
marcante sem dúvidas é a do toque que a Fada Azul dá com sua varinha de condão
na marionete, momento que acabou se transformando em um símbolo da Disney,
assim como a música que acompanha esta sequência, “When You Wish Upon a Star”,
canção que traduz o espírito dos tempos antigos e áureos do estúdio com
perfeição. Assistir a este clássico deveria ser uma obrigação de todas as
crianças, mas a recomendação também vale para os adultos de tempos em tempos.
Vencedor do Oscar de trilha sonora e canção
Vencedor do Oscar de trilha sonora e canção
Animação - 89 min - 1940
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