NOTA 7,0 Drama independente aborda as consequências de uma tragédia sobre uma família, porém, evita momentos de conflitos explosivos |
Um dos temas prediletos do cinema
americano independente é falar sobre famílias desestruturadas, mas o que era
visto com olhares de novidade outrora já faz algum tempo que perdeu o espírito
de novidade. Contudo, quem gosta de dramas e histórias mais realistas e humanas
certamente deleita-se com produções desse tipo, embora seja uma pena que a
maioria só ganhe projeção quando indicada ou vencedora de prêmios importantes,
o que infelizmente não é o caso de A Guerra dos Winters, filme simples
que aposta em temáticas batidas, mas que de qualquer forma mostra-se um belo
trabalho de estreia do diretor e roteirista Josh Sternfeld. Lançado nos cinemas
com o nome Sobre Pais e Filhos e sem
grande projeção, é justificável seu esquecimento quando lançado em DVD, erro
não corrigido até hoje por parte do público. Por conta de uma mudança de
distribuidora para comercialização do longa em home vídeo, a troca de título
foi infeliz, pois vende a ideia de uma comédia, quando na verdade é um drama
leve, porém, sem a mínima dose de humor. O foco da trama é falar sobre as
dificuldades de comunicação entre as pessoas e a falta de perspectivas para
quem vive em cidades interioranas. Contemporâneo, o enredo faz um paradoxo
interessante a vida nas grandes metrópoles, visto que nelas as opções de
ascensão parecem não faltar e é propagada aos quatro ventos a ilusão de que a
comunicação via meios eletrônicos aproxima as pessoas. Sternfeld, no entanto,
só deixa subentendida essa diferença, o que deixa sua obra com um irresistível
clima bucólico, como se a cidade em que a trama se passe tivesse parado no
tempo. Tal tranquilidade só é quebrada quando nos lembramos do episódio que
abalou as estruturas da família Winter. Há cinco anos a matriarca do clã faleceu
em um acidente de carro quando buscava o filho caçula no treino de beisebol na
região central da cidade (cujo nome não é mencionado). Tal informação só é dada
na reta final, mas não configura surpresa alguma, contudo, essa revelação serve
para confirmar tudo aquilo que absorvemos ao longo da projeção a respeito da
família protagonista. De classe média, procuraram viver e educar os filhos
longe dos agitos e vícios das metrópoles, mas a tragédia acabou provocando
reações adversas nos filhos e no marido, cada um tentando superá-la de uma
forma, mas todos coincidentemente procurando a introspecção como escudo.
Jim (Anthony La Paglia), o pai,
toca sozinho uma pequena empresa de jardinagem e paisagismo. Mais que um
trabalho, tal atividade é a forma com que ele encontrou para se manter ocupado
e evitar contato com os filhos Gabe (Aaron Stanford) e o caçula Pete (Mark
Webber). Na realidade, eles não vivem aparentemente brigando, tentam até manter
um relacionamento cordial, mas qualquer pequeno motivo pode se tornar o pontapé
de uma discussão. Seguindo os passos do pai, o filho mais velho também
mergulhou no trabalho para superar a dor. Bem, isso é o que Jim pensa. Na
verdade, mesmo desqualificado para a função que exerce em uma estufa, Gabe
tenta pegar até o máximo de horas extras que pode, pois quer juntar dinheiro
para ir embora de casa e ir dividir uma casa com um amigo na Flórida, talvez
iludido pela ideia de que na cidade grande basta ser esforçado para vencer na
vida. Já Pete no momento só estuda ou pelo menos tenta fazer isso. Talvez se
sentindo responsável pela morte da mãe, o adolescente entrou em uma maré de
autodestruição, desenvolvendo um estilo ora agressivo ora displicente. Mesmo
demonstrando inteligência, na escola seu comportamento preocupa os professores,
mas o próprio pai se nega a reconhecer que ele repetiu um ano, preferindo se
enganar que o jovem apenas perdeu alguns meses de aula. Sternfeld alicerça sua
obra procurando mostrar os efeitos negativos do acidente com a Sra. Winters
para esses três homens. A tragédia nem chega a ser mostrada e embora só
explicada nos minutos finais desde o início é possível compreender o que
aconteceu, isso porque o roteiro é um emaranhado de clichês. Contudo, a
previsibilidade é essencial para nos envolvermos com os dilemas da família
Winter, nos sentirmos atraídos a participar de seu desconfortável cotidiano.
Basicamente masculina, a trama poderia render um pouco mais se tivesse suas
poucas personagens femininas melhor desenvolvidas. Molly Ripken (Allison Janey)
é uma vizinha temporária que está cuidando da casa de um amigo. Sozinha, ela
tenta se aproximar de Jim e esta amizade parece ser um alívio para o viúvo que
pode enfim dividir suas emoções e pensamentos com alguém, porém, seus filhos
obviamente se mostram avessos a essa aproximação. Inteligentemente, o roteiro
foge do maniqueísmo dos irmãos se unirem para arruinar um provável namoro do
pai, ainda que ambos se mostrem frios no contato com Molly. Já Stacey (Michelle
Monaghan), namorada de Gabe, surge mais como uma amiga próxima da família. A
sensação é que eles vivem um amor platônico, desses que começam na infância,
mas a introspecção do rapaz impede que ele demonstre afeto pela moça, ainda
mais por sua decisão de se mudar não levar o relacionamento em consideração.
De um filme classificado como
drama o que podemos esperar são conflitos, situações que provoquem brigas,
discussões ou ressentimentos e que envolvam os espectadores a ponto de torcer
pela reaproximação dos personagens. No entanto, Sternfeld não busca momentos
explosivos de emoção com direito a choros, gritos e barracos. Aparentemente
nada de anormal acontece com os Winters, família que vive em uma bela casa com
jardim bem tratado e que parece ter superado uma tragédia através da união. Na
realidade, eles vivem a desconstrução do chamado sonho americano. Cada um
desses personagens está passando em silêncio por grandes transformações na
tentativa de seguirem suas vidas com dignidade e essas mudanças são captadas
com sutileza em alguns diálogos, gestos e olhares. O trio de protagonistas se
sai muito bem na árdua tarefa de viverem “vidas duplas”, ou seja, deixarem
transparecer para a sociedade que está tudo bem quando na realidade por dentro
estão corroendo mágoas e ansiedades, ainda que o jovem Pete vez ou outra
extravasasse sua raiva em brigas de ruas ou desrespeitando os professores na
escola. Curiosamente, o Sr. Winter que poderia ser um personagem chato e durão
mostra-se um ser humano cativante, aquele paizão que prefere engolir sapos o
quanto pudesse ao invés de brigar com os filhos. A certa altura ele passa uma
mensagem memorável. Basicamente ele diz que montar um belo jardim é fácil, o
complicado é mantê-lo bonito, uma metáfora que se aplica a manutenção de uma
família. É muito fácil constituir uma, mas difícil manter unida e feliz. Neste
caso, o clã sofreu com uma ação inesperada, mas quantas famílias por aí já se
formam de maneira errada e por vezes seus membros preferem viver infelizes, mas
ainda sob o mesmo teto, a assumir o fracasso perante a sociedade? Jim adoraria
manter seus filhos junto com ele, mas precisa aceitar que eles precisam achar
suas próprias identidades e os rumos que querem dar às suas vidas, assim como
ele mesmo que parece ter estagnado após enviuvar. O estado inerte dos
protagonistas é acentuado pela fotografia pálida, o pouco uso de cores em
cenários e figurinos e a trilha sonora que remete a sensação de solidão,
pequenos detalhes que demonstram a sensibilidade e o perfeccionismo de
Sternfeld logo em seu primeiro trabalho. Em suma, A Guerra dos Winters é
aquele tipo de filme que pode não ser arrebatador, mas de certa forma capta a
atenção de pessoas mais sensíveis e que já estão predispostas a aceitar um
final mais realista, um desfecho que simplesmente opta por encerrar a obra em
um determinado momento de harmonia dos personagens principais, não excluindo a
possibilidade de na cabeça dos espectadores suas histórias terem continuidade,
quem sabe até mesmo imaginando os possíveis conflitos que os poucos
coadjuvantes existentes poderiam deflagrar.
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