NOTA 6,0 Longa acompanha os tropeços da vida de um homem comum por três décadas em busca do amor pleno, mas trama por vezes é tediosa |
Todos
fazem planos para o futuro, sejam eles de qualquer espécie, e é ótimo
alimentá-los diariamente, mas é duro reconhecer quando eles não se concretizam
na época em que deveriam, porém, isso não quer dizer que seja preciso os
abandonar, tampouco fechar os olhos para o presente. Esse é o grande foco de A Minha
Versão do Amor, drama com toques de humor adaptado do romance “Barney’s
Version”, do canadense Mordechai Richler que se baseou em suas próprias
memórias de vida para escrever uma de suas últimas obras antes vir a falecer em
2001. O projeto de adaptação para o cinema demorou doze anos para se tornar
realidade, talvez pela dificuldade em encontrar o tom certo para equilibrar
comédia e drama, afinal de contas o essencial deveria ser preservado: a lição
de vida de um homem apaixonado e sonhador. O roteiro de Michael Konyves
acompanha três décadas da vida de Barney Panofsky (Paul Giamatti), empresário
judeu do ramo televisivo no Canadá, mais especificamente ele é produtor de
novelas. Aliás, sua vida renderia um belo folhetim. Aos 65 anos de idade ele se
vê sozinho, doente e obrigado a relembrar seu passado cheio de tropeços,
característica que acaba aproximando o espectador de seu universo, afinal ele é
um homem comum com qualidades e defeitos que tentou sempre buscar a plena
felicidade, mas descobriu que a vida perfeita é um sonho impossível. Suas
memórias são relatadas sob seu próprio ponto de vista, assim o personagem fica
livre de julgamentos dos demais, o que também justifica o título nacional. Ele
se casou três vezes e em cada relacionamento teve uma versão diferenciada a
respeito do amor. A viagem no tempo começa quanto ele tinha seus 30 e poucos
anos e vivia na Itália sonhando em fazer sucesso no meio cultural, mas ele
acabou indo parar no ramo do comércio. O trabalho em si não era ruim, pelo
contrário, uma ocupação digna e que lhe dava um rendimento financeiro razoável,
mas a inquietação em ver o seu sonho ficar cada vez mais distante o deixava
tristonho as vezes. Se acostumar com tal situação tornou-se ainda mais essencial
quando descobriu que sua namorada Clara (Rachelle Lefevre) estava grávida.
Muito íntegro, ele não pensou duas vezes antes de pedi-la em casamento e
assumir suas responsabilidades, ainda que seus amigos o tivessem alertado que a
noiva não era nenhuma santa, aliás, seu comportamento esfuziante já dava dicas
de seu real caráter, mas na época seguir convenções da sociedade era primordial
para um homem de verdade.
A
união com Clara não chegou a durar um ano, sendo que o casamento foi desfeito
assim que o bebê nasceu e não havia justificativas para a jovem tentar enrolar
o marido nem rezando para tudo quanto é santo. A partir deste fato, Panofsky
passou a ver a vida de maneira diferente e que devia se acostumar com aquilo
que ela poderia lhe oferecer, não necessariamente que seriam coisas boas. No
entanto, ele se muda para Montreal por conta de uma nova proposta de emprego,
ainda que mais uma vez não fosse o trabalho de seus sonhos. No novo endereço
ele conhece a sua segunda esposa (Minnie Driver, cujo personagem não tem nome
mencionado), uma solteirona meio enojada, mas que parecia gostar do judeu de
verdade. Por uma brincadeira do destino, Panofsky acaba conhecendo a verdadeira
sensação de amar alguém justamente no dia de seu casamento, mas não um
sentimento despertado por sua noiva, mas sim um inesperado apreço que passa a
nutrir por uma das convidadas da festa, Miriam (Rosamund Pike), a quem ele
paquera e no mesmo dia propõe que fujam juntos. Diante da recusa da moça, o
frustrado recém-casado procura conviver bem com a esposa, mas não consegue
esquecer seu verdadeiro amor e está disposto a conquistá-la a todo custo. A
certeza que a mulher da sua vida surgiu no momento errado poderia romancear
demais a história, mas o diretor Richard J. Lewis prefere seguir outro caminho.
Desde o cortejo à sua nova pretendente até chegar a trair seus ideais para
vivenciar o desejo de pela primeira vez amar e ser amado de verdade, o longa se
apóia nas transformações pelas quais o protagonista passa, um amadurecimento
proporcionado por seus erros e decepções, algo visível não só pelo visual do
personagem, mas também pela intensidade da interpretação de Giamatti que
consegue dar a tônica certa para cada fase de seu papel, privilegiando o
entusiasmo da juventude e a melancolia da velhice. O ator, para variar, aparece
super natural em cena como se ele não se adaptasse para o trabalho, mas sim o
personagem é quem era enriquecido com as experiências de seu intérprete. Sua
atuação é ainda melhor quando ele está dialogando com Dustin Hoffman que vive o
Sr. Izzy, seu pai, travando diálogos sensacionais, cheios de ironia. O veterano
ator consegue arrancar risadas do espectador só com sua aparição em cena,
sempre com aquele sorrisinho sacana nos lábios como se estivesse debochando de
alguém ou alguma situação. E quando ele abre a boca quase sempre temos a
constatação que realmente não tem papas na língua.
Pela
forma que iniciou todos os seus relacionamentos amorosos, a premissa pode
vender a ideia de uma comédia romântica convencional, mas o viés dramático
adotado no ato final colabora para a obra fugir da obviedade. A proximidade da
velhice, os problemas que ela implica e a explicação do por que do último
relacionamento não ter sido eterno como prometia dão a tônica da reta final.
Uma relação a dois não se sustenta apenas com amor, até porque o cotidiano
ajuda a dissipá-lo e cobrar cada vez mais dedicação, respeito entre outras
coisas de ambos os lados. Panofsky é como um anti-herói. Embora faça tudo por
amor, suas ações contraditórias ou impulsivas o fazem meter os pés pelas mãos
inúmeras vezes e isso acabou, por exemplo, com seu segundo casamento, um dos
momentos mais cômicos da trama. A esposa descobriu que o marido estava mandando
presentinhos para uma moça em outra cidade e resolveu pagar a traição com a
mesma moeda. Boggie (Scott Speedman), melhor amigo do judeu, não tinha
intenções premeditadas para ajudá-lo a terminar esse casamento, mas deu uma
mãozinha e tanto. Aliás, a trama tem início justamente porque o protagonista
revê sua trajetória de vida a partir do momento em que toma conhecimento que um
policial aposentado escreveu um livro sobre o desaparecimento de Boogie há anos
atrás, mistério que perdura a quase três décadas. Paixões, traições, brigas, é
a soma desses eventos e tantos outros que resultou na figura do protagonista,
um idoso rancoroso, cheio de manias, irônico, mas que no fundo tem um bom
coração. O que o impede de ser feliz no momento é que ele próprio não se perdoa
por ter feito coisas erradas, principalmente ter estragado seu último
relacionamento, aquele que faria jus a frase “até que a morte nos separe”. Bem,
a cena final mostra que esse amor de certa forma cumpriu tal mandamento do
casamento e foi além do túmulo. A Minha Versão do Amor tinha todos
os ingredientes para ser uma boa comédia dramática, mas a mescla de gêneros,
incluindo uma desnecessária pitada de suspense, acabou deixando a obra com
ritmo irregular, algo acentuado pela longa duração. Uns 20 ou 30 minutos a
menos seriam benéficos ao conjunto. Apesar deste problema de ritmo, a grande
mensagem pode ser compreendida ao refletirmos sobre o conteúdo. Vale mais a
pena sonhar com uma vida repleta de felicidade ou aproveitar os bons momentos
reais, mesmo que eles sejam poucos? A segunda opção certamente.
Drama - 133 min - 2010
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