quinta-feira, 15 de setembro de 2016

PUTZ! A COISA TÁ FEIA

NOTA 5,0

Falta humor, criatividade, apuro
visual e personagens carismáticos
à releitura de conto clássico, mas ao
menos a lição de moral é preservada
Um desenho animado destinado ao público infantil não pode ser apenas divertido, também precisa necessariamente de uma mensagem edificante para o programa ter algum valor, algo que possa auxiliar na educação dos pequenos. Com o tema bullying em evidência nos primeiros anos do novo milênio, cada vez mais os temas a respeito de beleza e aparência física tem sido inseridos no universo infantil e consequentemente o cinema segue tal tendência, mas não para idolatrá-la, mas sim para provar que imagem não é tudo, o que importa é o seu conteúdo, ou seja, os valores morais e o caráter dos indivíduos. Shrek é um dos exemplares mais evidentes desta corrente. Podemos voltar no tempo e relembrar o caso de A Bela e Fera. E por que não citar Putz! A Coisa Tá Feia? O quê? Realmente, esse título é doer, mas esta é uma produção dinamarquesa que faz uma releitura do conto clássico “O Patinho Feio”, de Hans Christian Andersen. Com direção de Karsten Kiilerich e Michael Hegner, o longa não fez sucesso, pelo contrário, angariou uma quantidade surpreendentes de críticas negativas. É certo que não é um trabalho excepcional e conta com vários equívocos, a começar por sua terrível nomeação no Brasil, mas é triste ver como vários comentários insistem em compará-lo com produções da Pixar ou Dreamworks. Isso é uma covardia e tanto, afinal basta observar sua curta duração e país de origem para perceber que o projeto é de porte pequeno, porém, os recursos escassos não justificam a falta de criatividade, principalmente quanto ao texto redigido pelos próprios cineastas em parceria com Mark Hodkinson. Ratso é um rato da cidade grande obcecado pela ideia de ganhar dinheiro como artista e seu grande sonho é realizar um show em um parque de diversões, porém, ele vai parar em uma região mais campestre e a forma que encontra para sobreviver é explorando o trabalho da minhoca Wesley, a quem apresenta como sendo o maior de sua espécie graças a trucagens ordinárias. Raramente alguém os aplaude, mas depois que já pagaram o ingresso nada mais importa. Certa vez, a apresentação é interrompida por Phyllis, uma ratinha literalmente topetuda e acompanhada de dois capangas que começam a persegui-los. A dupla acaba conseguindo escapar, mas a rata parece ter razões para sua raiva e promete caçar Ratso onde quer que ele esteja.

No meio da fuga, Ratso é obrigado a se separar de Wesley que acabou ficando preso dentro de uma garrafa de vidro, mas o ganancioso empresário logo encontra uma nova atração. Caindo de gaiato em uma fazenda, ele tenta convencer os patos e galinhas locais de que também é uma ave só que um pouquinho diferente, mentira absurda defendida pela patinha Daphne, sabe-se lá por que. Para quem gosta de historinhas com tudo no lugar esses primeiros minutos já começam a lhe custar a paciência pela rapidez que se desenrolam e alguns fatos mal explicados, mas a quem interessar o plano de Ratso acaba dando certo quando ele se depara com um ovo que se rompe em seus braços e de dentro surge uma estranha criatura, um filhote de pato diferente de todos os outros que automaticamente passa a ser chamado de Feio e considera o rato embromador o seu pai. Inicialmente, o bebê seria apenas uma desculpa para o roedor escapar ileso da situação, mas não demora muito e ele enxerga a oportunidade de ganhar dinheiro com a feiúra de seu filho adotivo apresentado-o em shows como uma espécie de aberração, contudo, não esperava que conforme o tempo passasse o patinho passaria por grandes transformações e que realmente surgiria um sentimento fraterno entre eles. Embora atrapalhado e longe de ser um exemplo de boa índole, Ratso procura dividir com seu filhote os seus conhecimentos sobre o mundo a fim de prepará-lo para futuramente ele viver sozinho e saber enfrentar as críticas quanto a sua aparência. No entanto, Feio aceita a afirmação de que é uma aberração sem contestar por não ter parâmetros de comparação. Sem ver seu reflexo e sem contato com outros de sua espécie, ele se acostuma a viver a margem da sociedade, ainda mais com um pai que tentando fazer o bem acaba sempre enfiando os pés pelas mãos lembrando-o de sua aparência diferenciada. Conforme vai crescendo, o corpo e a voz do patinho vão mudando drasticamente, revelando que ele na verdade pode fazer parte de uma família de cisnes, contudo, a mudança do personagem é muito rápida, descartando assim momentos de convivência entre ele e seu pai que seriam importantes para mais a frente dar credibilidade à redenção da ratazana.

Ratos na vida real são criaturas que causam repúdio a muita gente, mas o cinema várias vezes procurou retratá-los de forma mais amigável, como em O Pequeno Stuart Little e Ratatouille, mas no caso desta animação a ideia falhou. Ratso não consegue ser carismático e em alguns momentos chega a ser um pouco irritante, ao contrário de Feio que causa empatia com o espectador, muito pela piedade que instiga com seu visual atípico, mas também pode cansar com seu excesso de ingenuidade que acabam colocando-o como um ser frágil em praticamente todas as situações, assim não funcionando o gancho romântico da trama. Jessie, uma patinha que é salva do ataque de uma raposa, acaba reencontrando Feio quando ele se torna um adulto de uma hora para a outra. Além de não demonstrar espanto pela drástica mudança, não se sabe o que a levou a se apaixonar pelo pato, parecendo que foi uma personagem criada de última hora para gerar um providencial desfecho para aquele que deveria ser o protagonista da trama, mas é o roedor quem rouba a cena, até porque fala pelos cotovelos. Os demais personagens secundários também não têm muito que dizer, não se destacando como tem se tornado frequente nas animações mais moderninhas. Até a minhoca Wesley, com seu jeito revoltado e o acidente com uma garrafa de bebida, poderia ter sido mais bem explorada dando brecha para diálogos divertidos. O pior, no entanto, é na reta final forçar um relacionamento amigável entre Ratso e o primo Emmy, um gato (!), este que incentiva a exploração de Feio em shows assumindo tardiamente a posição de vilão da trama, visto que a ameaça de Phyllis revela-se uma tremenda piada. Putz! A Coisa Tá Feia no final das contas só tem o mérito de apresentar um conto clássico a novas gerações, já que não existe a sua versão Disney, mantendo a moral de que a aparência não é o mais importante e que ser diferente não é anormal, pelo contrário, pode se revelar algo positivo. Com texto sem inovações e devendo em humor, contudo, o que mais trabalha contra a produção é seu visual que peca pelo excesso de cores escuras nas ambientações e personagens com visuais pouco inspirados. Pensado primeiramente como um filme com animais de verdade, para diminuir custos e tempo de produção optou-se pela animação, inclusive com a aplicação de técnicas 3D, mas o resultado estético e narrativo infelizmente ficou parecendo datado como aqueles desenhos antigos que lotavam prateleiras de locadoras tentando servirem de substitutos aos produtos Disney. Uma pena.

Animação - 78 min - 2006 

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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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