NOTA 7,0 Dois homens de classes sociais distintas se aproximam por um problema em comum: suas esposas só querem o dinheiro deles |
O que é uma mulher dondoca? Tal rótulo geralmente é dado às
esposas que não trabalham e vivem de luxos conquistados às custas do marido. Em
tempos em que o valor de uma pessoa é medido primeiramente pela etiqueta de sua
roupa, pessoas do tipo são cada vez mais comuns e nada melhor que o cinema
francês para fazer uma crítica irônica a esse respeito, afinal a França é
conhecida por suas grifes famosas que vão dos sapatos ao perfume que as madames
usam. Em O Preço a Pagar, a diretora e roteirista Alexandra Leclère aborda este
tema por um viés sarcástico, mas no fundo ele tem potencial para despertar
polêmicas. No entanto, ela mostra os dois lados da moeda, também apresentando
uma personagem que busca justamente sua independência financeira através do
trabalho. São dois casais protagonistas em situações financeiras opostas, mas
conflitos semelhantes. Curiosamente, os personagens menos abastados não têm
sobrenome enquanto os burgueses são chamados constantemente pelo sobrenome. Todavia,
na hora do aperto todos são iguais e da identificação com problemas conjugais é
que nasce a amizade entre Jean-Pierre Ménard (Christian Clavier) e Richard
(Gérard Lanvin), respectivamente patrão e motorista. Ambos com idades próximas,
em torno de 50 anos, eles estão insatisfeitos com seus casamentos. Monsieur
Ménard é um empresário muito rico que está triste com o aparente desprezo da
esposa Odile (Nathalie Baye), não havendo demonstrações de carinho entre o
casal e nem mesmo com a filha adolescente que entra em cena apenas para
figuração, assim como a empregada da família. Sem ter com o que ocupar seu
tempo, Madame Ménard se dedica diariamente às compras de roupas, futilidades e
idas a salões de beleza. Vez ou outra ela se lembra de comprar algo para o
marido, como se fosse para se livrar de um peso que a atormentasse, mas na
verdade é ele mesmo quem está pagando e, o pior, geralmente ela erra seu número
de vestimenta, o que mostra o quanto ela se interessa por ele. O casal chegou
ao ponto de até dormir em quartos separados com ela justificando a medida como
algo necessário por conta dos hábitos noturnos diferenciados de cada um deles.
Richard, por sua vez, está casado, ou melhor, se juntou há
cerca de cinco anos com Caroline (Géraldine Pailhas) e ganhou de presente dois
filhos que acolheu como se fossem seus. Tentando dar tudo o que a família
necessitava, ele só pedia em troca amor da esposa, mas há uns seis meses ela
cismou que tinha talento para ser escritora e tem dedicado todo seu tempo a
essa atividade, assim deixando o marido de lado. Talvez impulsionado por sua
própria situação, quando Monsieur Ménard lhe dá brecha Richard fala o que pensa
da maneira como a madame trata o marido. Não acha que ela deve trabalhar para
pagar seus luxos, mas considera um absurdo ela se aproveitar de um dinheiro
alheio sem oferecer nada em troca. Assim ele propõe ao patrão que cancele
cartões de crédito e não dê mais dinheiro à esposa até que ela aceite a ter
novamente uma vida sexual ativa com o marido. O problema é que Ménard nesta
tentativa vai descobrir que Odile nunca o amou de verdade, deixando no ar que a
filha do casal foi fruto da ambição da mulher que não queria perder sua mina de
ouro. Mesmo praticamente dizendo que se sentiria um pedaço de carne prestes a ser
devorado, a dondoca vai para a cama e cede ao desejo do marido que no dia
seguinte retribui o favor com um polpudo pagamento. Nesta excêntrica relação na
base da chantagem, o executivo se sente insatisfeito e estreita laços de
amizade com o motorista, que se torna seu confidente, chegando a convidá-lo e a
sua esposa para um jantar em sua casa, um evento que se transforma em uma
lavação de roupa suja e deflagra guerra entre os dois casais. Ménard então tem
certeza de que a esposa não o ama, afinal ela diz com todas as letras que
precisa se embebedar porque assim que os convidados forem embora é que sua
noite começa de verdade, uma referência a tortura que significa ter que dividir
a mesma cama com ele. Contudo, a frieza desta mulher parece ser só com o seu cônjuge,
afinal ela chega a dar em cima até do motorista elogiando sua boa forma. Já no
caso de Caroline, pelos diálogos, fica entendido que ela se uniu à Richard
realmente por interesse, para ter quem a sustentasse e a seus filhos, e no
momento ela está dividida entre jogar tudo para o alto e ir em busca da
realização do seu sonho ou se manter frustrada, mas ao menos ter a certeza de
que suas contas serão pagas. É interessante que a cena do jantar, pela maneira
como os protagonistas são disposto à mesa, passa a ideia que a diretora
apostaria na previsibilidade da troca de casais, mas felizmente ela não
envereda pelo caminho da obviedade, ainda que ensaie cair na mesmice ao criar
situações que buscam comparar o físico robusto do motorista ao corpo flácido de
seu patrão, o velho clichê da aparência é tudo.
A cineasta deixa bem exposta sua temática sem fazer muitos
rodeios logo nos primeiros minutos de projeção. Ainda que o cinema francês
sofra preconceito tolo por muitos ainda acharem suas produções sinônimos de
chatice, quem se aventurar deve se sentir instigado a acompanhar o desenrolar
destas duas histórias paralelas e semelhantes, pois é possível se identificar
com os personagens, seja por já ter vivido ou acompanhado situações semelhantes
ou até mesmo por a diretora investir em estereótipos e clichês já bastante
conhecidos em comédias. Além disso, o contexto social e as críticas envolvidas
no enredo são conexões universais, não temas restritos ao mundinho europeu,
inclusive algumas piadas já são até clichês de telenovelas, como a ricaça sem
dinheiro para o táxi ter que se conformar em pegar um metrô e se misturar com a
ralé, mas a sua cara de enojada prova que ela está disposta a qualquer coisa
para não viver novamente momento semelhante. Com raiva do marido que
aparentemente foi buscar diversão na rua, Odile vai encher a cara em um bar e
acaba sendo confundida com uma mulher de vida fácil e aceita ir para a cama com
um desconhecido, no entanto, ela não consegue se prostituir, mas aceita a
proposta de encontrá-lo outras vezes apenas fazer companhia ao tal homem na
cama em troca de dinheiro e um bom café da manhã, afinal Ménard dispensou a
empregada e comprava comida pronta só para ele. Enquanto a trama do casal
burguês vai seguindo um caminho mais cômico, talvez uma alfinetada que possa
ser interpretada como uma forma de dizer que os ricos não têm problemas sérios,
mas fazem uma tempestade em copo d’água por qualquer motivo, a história do
casal mais simples é marcada por contornos mais dramáticos. Caroline não se
uniu a Richard para ganhar jóias e roupas finas, sabia muito bem a quem estava
se ligando. Aproveitando-se de seu bom coração, o elegeu como tábua de
salvação, queria apenas alguém para sustentar a ela e seus filhos enquanto eles
eram pequenos. Quando crescidos, ela se sentiu pronta para trabalhar e tentou
fazer o que gostava, mas sem sucesso mostra-se disposta a aceitar qualquer
emprego, tudo para conseguir dinheiro e poder sair de casa. O Preço a Pagar traz
desfechos realistas aos dois casais, ainda que possam ser interpretados em um
primeiro momento como desleixo de Alexandra, mas se analisarmos bem eles são
totalmente críveis e acontecem com mais frequência que imaginamos. Filme
francês pode ser reflexivo e divertido ao mesmo tempo, eis a prova.
Comédia - 90 min - 2007
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