quarta-feira, 7 de setembro de 2016

UM DIVÃ PARA DOIS

NOTA 8,0

Comédia romântica para maduros
diverte a todas as idades e ainda
traz reflexões pertinentes, questões
que podem atingir certos espectadores
As comédias românticas tendem a privilegiar os amores adolescentes ou as neuroses de jovens adultos que teimam em não crescer ou lutam o quanto podem para se adequar ao perfil das pessoas de sua faixa etária, o que implica muitas vezes em busca desesperadas por um parceiro só para dizer que tem alguém para amar e ser amado. Quando o foco é voltado a conflitos envolvendo casais maduros, automaticamente sentimos um diferencial, mesmo que no fundo as situações clichês se façam presentes e o final feliz esteja garantido. Um Divã Para Dois é um ótimo e raro exemplo de filme que aposta em humor de bom gosto para agradar um público que geralmente sente não ter opção para rir, a não ser que deixe seu espírito teen aflorar e embarque em baboseiras que são lançadas as baciadas mensalmente nos cinemas e locadoras. É certo que a turma de meia ou terceira idade hoje em dia está bem mais animadinha e aceitando certos modernismos, mas ainda privilegiam certas tradições como a manutenção da instituição que é o matrimônio. Isso não significa apenas manter respeito mútuo ou aparentar perante a sociedade que o casal está feliz mesmo após tantos anos de união. Sexo é vital, mas anda em falta em muita união e em alguns casos mais graves nem o amor dá mais sinais de vida, faltando até aquela palavra de carinho diária tão necessária. O diretor David Frankel, de O Diabo Veste Prada, conseguiu realizar uma obra extremamente divertida, sem um pingo de vulgaridade e ainda por cima incômoda. Sim, isso mesmo. Muitos espectadores podem se identificar com o conflito do casal protagonista, até mesmo jovens, e podem se aborrecer ou optar por assistir o longa até o fim e tirar algum proveito dele em benefício próprio. Mirando mais especificamente no público americano mais maduro e de classe média, o roteiro de Vanessa Taylor consegue a proeza de se comunicar com diferentes faixas etárias e nacionalidades, afinal em praticamente todo o mundo quem tem mais idade se sente rejeitado e privado de fazer certas coisas. Qual filho já crescidinho nunca teve a curiosidade de saber se seus pais ainda mantêm uma vida sexual ativa? O problema é descobrir que eles podem gastar suas energias fora de casa e com outros parceiros, o que não é o caso de kay (Meryl Streep) e Arnold Soames (Tommy Lee Jones), casados há pouco mais de trinta anos e cujo inimigo é a rotina que os fez se acostumar com a monotonia.

O casal não tem planos para o futuro e sabe que o amor entre eles ainda existe, mas não conseguem demonstrar. Ou melhor, Kay até tenta se aproximar do marido de forma mais íntima, mas é gentilmente repelida por ele que se aproveita da desculpa de que cada um dorme em um quarto próprio por conta de suas manias, como o controle diferenciado da temperatura do ambiente. No entanto, eles não brigam e são nulas as suspeitas de traições de ambas as partes. Para serem felizes, basta ele saber que a esposa está cuidando dos afazeres da cozinha e ela, por sua vez, que o marido está na sala assistindo tediosos programas esportivos. Aliás, um super pacote de canal pago é o presente que Arnold deu à mulher no último aniversário de casamento, algo que ele irá aproveitar bastante tanto quanto o aquecedor de água com o qual a presenteou em outra ocasião para terem um banho mais relaxante (individualmente, é claro). E onde fica o romantismo dos primeiros anos de convivência? Onde estão as flores, as jóias e os chocolates? Com os filhos já criados e fora de casa, os Soames se acostumaram a levar o cotidiano na base do piloto automático e assim como para a maioria dos casais já a algum tempo juntos a necessidade dos agrados individuais tornou-se obsoleta, sendo mais vantajoso um presente para o lar, algo que será compartilhado entre os dois. Será que todos concordam com isso ou é apenas comodismo de alguns? Kay não se conforma mais com essa situação e resolve tomar uma séria decisão: recorrer a terapia de casal. Ao tomar conhecimento do conceituado Dr. Feld (Steve Carell – surpreendendo ao viver um papel sério), ela resolve investir as economias em uma viagem de uma semana para a simpática cidadezinha de Hope Springs onde iniciarão um tratamento psicológico que pode salvar ou terminar de destruir esse casamento definitivamente. Obviamente, Arnold reluta inicialmente negando que existam problemas entre eles para serem resolvidos em um divã, embora no fundo o que pese contra a viagem seja o fato de sair da rotina e, o pior de tudo, gastar dinheiro com o que julga desnecessário. Ele reclama de pagar pela comida em restaurantes, do preço do hotel, mas nada supera o baque que sofre no consultório do terapeuta. A razão de ele estar lá é seu “não comparecimento”, ou seja, a falta de sexo. Já sabia disso, mas não imaginava que a esposa teria coragem de expor esse detalhe íntimo na frente de um estranho com direito a pormenores que o colocam em uma tremenda sai justa. Kay anseia não especificamente por alguns minutos de sexo, mas sim de um toque delicado em seu ombro ou uma bela palavra que exprima que ainda existe amor por parte de seu marido, mas ele muito durão há anos se nega a demonstrar o mínimo de carinho, ou melhor, acredita que dando os já citados presentes para o lar esta demonstrando que ainda se preocupa com a esposa.

Na realidade, o que prende este casal é o constrangimento, é pensar que as pessoas podem comentar qualquer gesto mais íntimo, mesmo que seja um simples entrelaçar de mãos ou troca de beijo-selinho durante um passeio por um parque, preocupação remanescente de gerações anteriores quando era comum casais serem desfeitos ainda muito jovens por conta da morte de uma das partes. Ver a pessoa viúva em companhia de outra em situações “comprometedoras” era dar assunto para os fofoqueiros de plantão. Não é o caso, mas os protagonistas parecem relutar a aceitar que os tempos mudaram e que os casais de mais idade têm todo o direito de viverem as mesmas emoções que os jovens. Até Kay que tem a iniciativa do tratamento sente-se incomodada no fundo, como demonstra as várias vezes que leva sua mão a boca dando um leve tapinha como uma espécie de auto-penitência. Até o livro recomendado pelo doutor ela busca na livraria como se fosse algo proibido. O longa deixa subentendido tal medo em várias cenas, mas o palco é armado para perguntas e respostas objetivas rondando o comportamento sexual e afetivo dos protagonistas, mas jamais de forma agressiva, pelo contrário. Quase que oferecendo uma sessão de terapia também aos espectadores, Um Divã Para Dois aborda o sexo sem constranger, principalmente pela opção intimista de desenvolver a trama. Com ritmo lento e privilegiando planos fechados, o espectador é convidado a fazer parte da intimidade do casal, algo que fica ainda mais latente pelo visual dos cenários que inspiram aconchego. O roteiro poderia facilmente descambar para o humor pastelão, cabendo até a fantasia do terapeuta se aproveitar da fragilidade de sua paciente e assim comprar briga com o maridão dela que com o orgulho ferido finalmente demonstraria amá-la de verdade. Felizmente a abordagem é madura e respeitosa propondo o acompanhamento das fases de reestruturação de um relacionamento combalido, desde o evidente distanciamento captado quando os cônjuges se sentam no sofá do consultório de terapia até a reaproximação na cama, também podendo ser no chão duro desde que o clima favoreça o romantismo. Por isso é justificável as várias tentativas frustradas de Kay em reaquecer a relação, não soando repetitivas. Jones e Streep demonstram uma química perfeita em interpretações totalmente críveis que flertam com o humor e o drama, transformando esta produção não apenas em um mero passatempo, mas sim em uma obra a ser lembrada pelo frescor que carrega consigo a um gênero tão saturado e que não raramente esquece-se de divertir o público, preferindo entediá-lo ou constrangê-lo.

Comédia romântica - 100 min - 2012

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