NOTA 7,5 Com diálogos envolventes e conflitos de fácil identificação, longa discute o desgaste do casamento e o valor da amizade |
O relacionamento de um casal
é como uma receita que precisa de certos ingredientes para dar certo, mas o
problema é que é muito difícil manter a pimenta do início e evitar que a rotina
não agregue um insosso sabor de água com açúcar à relação. Tem casais que se
acostumam ao cotidiano com pouco sabor de paixão, mas outros precisam de um
tempero a mais para se manterem unidos. Sem dúvidas a receita da felicidade de
um casal é singular, cada um tem a sua própria e é essa a grande lição de Jantar
com Amigos, erroneamente vendido como uma comédia romântica quando na
realidade é um drama leve que explora a reação de um casal perfeito em relação
a separação dos seus melhores amigos. Baseado na peça teatral homônima de
Donald Marguiles, que também assina o roteiro, a trama começa com Gabe (Dennis
Quaid) e Karen (Andie MacDowell) preparando mais um de seus famosos jantares
cheios de iguarias para receber os amigos Beth (Toni Collette) e Tom (Greg
Kinnear). Os anfitriões voltaram a pouco tempo da Itália e estão na expectativa
quanto ao lançamento de mais um livro sobre gastronomia e como sempre querem
dividir este momento feliz com aqueles que consideram extensão de sua família.
Ambos os casais estão juntos a cerca de doze anos, tem dois filhos cada e as
estruturas sólidas destes relacionamentos, tanto íntimo dos cônjuges quanto de
amizade entre as famílias, pareciam inabaláveis isso até que uma noite de
intensa chuva prenunciava que algo ruim estava para acontecer. Beth chega ao
jantar acompanhada apenas dos filhos e justifica que o marido, um advogado de
sucesso, precisou fazer uma viagem de trabalho às pressas. Enquanto discursam
sobre as belezas e sabores italianos, a convidada demonstra um pouco de
incômodo e entediada, mas educada esforça-se para parecer interessada na
conversa. Os amigos já sabiam que ela tinha uma tendência desde a juventude
para problemas emocionais, porém, não imaginavam que desta vez o problema tinha
razões bem sérias. Ela revela que o marido confessou declaradamente que está
apaixonado por outra e decidido a se separar, inclusive acusando a esposa de
ter destruído sua vida. Beth julgava que o mau humor constante do rapaz era por
conta dos problemas com o trabalho, mas assume que sabe que ele desejava mais
intimidade na relação e ela negava.
Quando Beth vai embora é a
hora do casal perfeito discutir o problema que para eles soa como uma refeição
indigesta, uma situação que inevitavelmente cada um acaba tomando partido de um
lado. Gabe tenta defender o amigo, mas a defesa de Karen à amiga parece contar
com mais pontos a favor, pois da maneira como a notícia foi dada Beth seria a
parte lesada da situação e Tom uma pessoa que não inspira confiança, afinal de
contas qual homem íntegro seria capaz de jogar para o alto mais de uma década
de relacionamento e ainda por cima correndo o risco de traumatizar os filhos?
Bem, um homem com orgulho ferido seria capaz de tudo. Tom regressa para sua
casa na mesma noite evidenciando que a viagem era apenas uma desculpa para mais
um encontro com sua amante, figura cuja existência ele não faz questão alguma
de esconder da futura ex-mulher, inclusive ratificando que ela não é uma
simples aeromoça, mas sim uma comissária de bordo jovem, bonita e que o faz se
sentir viril novamente. Ao saber que Beth contou aos amigos sobre a separação,
entre a preocupação em saber se os filhos ouviram a conversa e o que foi
servido no jantar, ele se enfurece. Ouvindo apenas um lado do conflito o casal
aficionado por gastronomia poderia considerar ele a maçã podre da cesta. Tom e
Beth então discutem verbalmente, há troca de violência física, mas por fim
acabam transando. Depois disso, ele resolve ir até a casa dos amigos para
contar a sua versão dos fatos e os encontra no calor de uma discussão.
Claramente irritada, Karen é ríspida e se recusa a ouvir qualquer tipo de
explicação. Gabe, mais paciente, tenta compreender o amigo e se surpreende ao
saber que ele e a esposa ainda transavam com certa frequência mesmo após tantos
anos de união. O problema é que a raiva era o afrodisíaco desta relação. O
advogado ficou um tempo sem tocar a esposa carinhosamente com beijos ou um
simples entrelaçar de mãos para ver quanto tempo ela demoraria a ter a
iniciativa de acariciá-lo, mas simplesmente ela o deixou de lado limitando-se a
lhe dirigir a palavra apenas quando extremamente necessário. Tal desprezo abriu
as portas para que ele procurasse afeto nos braços de outra, mas no calor das
brigas eles acabavam na cama vivenciando uma relação de puro prazer carnal. Tom
tentou manter o casamento por consideração aos filhos, mas chegou a um ponto
que não suportava mais a sensação de solidão e de ser humilhado pela esposa.
Exposto o conflito de Beth e
Tom e deixando latente o desconforto que tal separação provocaria entre Gabe e
Karen, que chegam a discutir sobre como reagiriam a uma suposta traição, o
longa volta no tempo para mostrar o início do relacionamento do quarteto,
período evidenciado por uma fotografia com coloração mais amarelada. No final
dos anos 80, o casal gastronômico vivia o entusiasmo de seus primeiros meses de
casados e convidaram seus melhores amigos para um fim de semana no litoral. A
intenção era aproximar a temperamental Beth e o brincalhão Tom e imediatamente a
ideia parece ter sucesso comprovando que os opostos se atraem. Diante de um
belo pôr-do-sol, fica registrada a imagem de união do quarteto, uma amizade que
parecia para sempre. O diretor Norman Jewison demonstra extrema competência
para manter certa essência teatral em sua obra conseguindo envolver o
espectador com diálogos longos, porém, interessantes e realistas. Somos
convidados a participar da intimidade dos protagonistas descobrindo aos poucos
peculiaridades da vida de cada um sendo perfeitamente possível se imaginar
vivendo situações semelhantes, afinal idealizar o futuro é fácil, mas colocar
os planos em prática são outros quinhentos. Gabe e Karen no dia do casamento
fizeram um pacto com os amigos de envelhecerem todos mantendo a amizade, mas
Tom e Beth tiveram a coragem de mudar os rumos de suas vidas. O último ato do
longa mostra o reencontro dos amigos e das amigas separadamente após meses de
afastamento. Os recém-separados já estão mergulhados em novos relacionamentos e
exalando o frescor inerente ao recomeço da busca pela felicidade. Entre
diálogos entrecortados, Gabe e Karen parecem não reconhecer mais seus amigos e
estão dispostos a colocar um ponto final nestas amizades, mas mesmo assim a
troca de experiências continua mexendo com o cotidiano do casal perfeitinho.
Eles percebem que a velhice está chegando e passam a ponderar se ainda valeria
a pena manter uma união baseada apenas em respeito e confiança. O fogo da
paixão ficou no passado, mas será que revivê-lo é realmente uma necessidade?
Pior, para recordá-lo é necessário buscar novas aventuras com parceiros
eventuais e romper com as convenções? Telefilme produzido pela HBO, Jantar
com Amigos é um prato agridoce para ser degustado com atenção para seus
ingredientes serem um a um reconhecidos e saboreados com perfeição e por fim
ter material suficiente para uma boa reflexão durante o cafezinho. O elenco
competente é um show a parte que ajuda a afastar qualquer resquício de teatro
filmado, efeito obviamente atingido pela excelente adaptação do texto original
e uma direção sensível e segura.
Drama - 90 min - 2001
Nenhum comentário:
Postar um comentário