quinta-feira, 20 de outubro de 2016

ESPELHOS DO MEDO

NOTA 6,0

Refilmagem de terror asiático
tem boa premissa, mas peca
por sustos manjados e má
exploração do excelente cenário
O início da primeira década do século 21 foi marcada pela invasão dos terrores e suspenses orientais pelo mundo todo. Primeiro foi Hollywood que foi buscar inspiração no Oriente e acabou optando pelas refilmagens de sucessos de lá. Logo cineastas de olhinhos puxados foram importados para terras americanas e não demorou muito para as próprias produções originais asiáticas encontrarem espaço no Ocidente, mais especificamente no mercado de vídeo. Resultado: saturação do estilo. Assim não é de se espantar o fraco desempenho em bilheterias e de repercussão de Espelhos do Medo, refilmagem do terror sul-coreano Espelho. Apesar das críticas negativas que recebe honestamente esta produção não é de todo ruim e consegue ser mais palatável que sua versão oriental. A trama gira em torno de Ben Carson (Kiefer Sutherland), um ex-detetive que foi suspenso do Departamento de Polícia de Nova York há cerca de um ano por uma ação desastrosa que comandou e culminou na morte de um colega de trabalho. O caso fez com que ele se tornasse alcoólatra e dependente de remédios, o que o afastou também de sua família. Tentando retomar sua vida, ele aceita o emprego de vigia noturno das ruínas de uma loja de departamentos depois que o outro funcionário se suicidou. O local sofreu com um incêndio há alguns anos, mas o que sobrou precisa ser mantido intacto por razões de resgate de seguros e brigas judiciais. Sem eletricidade e silêncio amedrontador, o espaço é perfeito para qualquer um deixar sua imaginação criar imagens e sons assustadores, mas certa noite, enquanto patrulha o local, Carson se assusta com algo inusitado e que sabe que não é fruto de sua mente perturbada. Mesmo após o incêndio, os espelhos da loja continuam intactos e parecem refletir imagens horripilantes de acontecimentos do passado e manipular a realidade. As coisas complicam quando eventos inexplicáveis passam a ocorrer com pessoas próximas a ele, como sua irmã Angela (Amy Smart). Assim, o seu lado de detetive fala mais alto e ele busca respostas para os estranhos episódios que passam a assombrar sua vida e para proteger sua ex-mulher, Amy (Paula Patton), e os filhos, Michael (Cameron Boyce) e Daisy (Erica Gluck).

A premissa é até interessante e calcada nos mistérios que envolvem os espelhos na vida real, porém, o roteiro do francês Grégory Levasseur, de Entre Cães e Lobos, cai nos clichês fantasiosos e chega a colocar na posição de vilão qualquer coisa que possa refletir imagens, inclusive poças de água que ganham destaque próximo da conclusão. Para quem curte um susto atrás do outro ou se sentir instigado a brincar de detetive, a fita não deve agradar muito. O cineasta francês Alexandre Aja, das refilmagens Viagem Maldita e Piranha, não perde tempo tentando confundir o espectador em relação ao que enxerga o protagonista. Um profundo corte em uma das mãos de Carson e o vermelho vivo de seu sangue destoando na escuridão do cenário principal é o bastante para descartarmos qualquer hipótese de que suas visões sejam alucinações. Sejá lá o que for é perigoso e disposto a perseguir o segurança e aqueles que convivem com ele. Desde a primeira noite de vigia ele já havia notado algo estranho nos espelhos e passou a dar crédito ao que viu, afinal ele melhor do que ninguém sabe que não está louco e que vivenciou algo surpreendentemente real. O problema é que com seu histórico perturbado nos últimos meses, dificilmente alguém acredita em seus relatos, mas graças as ligações que ainda mantém com a polícia local e suas experiências ele pode partir para uma investigação particular que de quebra pode servir como uma espécie de terapia para superar os traumas do passado. Sutherland, depois de anos fazendo sucesso no seriado de TV “24 Horas”, tentava achar novamente seu lugar no mundo do cinema, se é que algum dia ele já o teve. Não está excepcional, mas ao menos sua interpretação não compromete a fita. O problema é que muitas pessoas não conseguem mais desassociar a imagem do ator do astuto Jack Bauer, o grande fantasma dos intérpretes que topam passar anos e anos defendendo o mesmo personagem e depois encontram dificuldades para se recolocar no mercado. Há quem diga que o filme poderia ser protagonizado pelo próprio agente do seriado tentando reinventar seu estilo e encarando desafios sobrenaturais, mas isso é mais por conta dos fãs aficionados da telinha. Sutherland se esforça para criar um novo perfil de personagem e a atmosfera criada por Aja ajuda a não confundir as bolas. Quem se sai mal é Paula Patton que não tem um currículo com bons trabalhos, mas também parece não se esforçar e aceita qualquer coisa para estar em cena, até mesmo aparecer aqui semi-nua em certo momento, uma cena totalmente desnecessária. Nem o fato de ser uma médica legista ajuda a personagem a crescer na história, embora corpos dilacerados não faltem para ela analisar.

Como já dito, Aja economiza nos sustos e quando os oferece eles são previsíveis e acompanhados para variar de um som altíssimo para colaborar no impacto. Talvez a única cena mais chocante, porém, também possível de causar risos, seja a sequência protagonizada por Smart na qual ela simplesmente dilacera seu próprio maxilar. Literalmente um banho de sangue que destoa no conjunto, pois é perceptível as boas intenções iniciais do diretor em trabalhar paralelamente e com seriedade o lado sobrenatural e o psicológico do enredo, mas ele acaba caindo no lugar comum do gênero. Além de sangue e mortes captados com destaque, o diretor recorre ao manjado recurso de procurar no passado as respostas para os problemas do presente e repetindo o gancho do espírito maligno que rege todo o circo do infortúnio que se transforma a vida do protagonista. Felizmente ele dispensou a garota de cabelos compridos e escorridos que escondem sua face, marca das fitas de horror asiáticas. O que há de mais relevante nesta produção na realidade é a parte da direção de arte que infelizmente não foi bem explorada pelas câmeras. O cenário da loja incendiada é de arrepiar, perfeito em seus detalhes e iluminação, um palco e tanto para uma mente criativa arquitetar boas cenas de sustos, mas no caso Aja não soube usar o que tinha em mãos e preferiu transferir muitas cenas de tensão para ambientes externos a loja o que cria uma desagradável quebra de clima. Todavia as cenas noturnas no interior da loja conseguem inserir o espectador em um ambiente claustrofóbico, embora espaçoso e que transmita a sensação de um clima gélido. Os manequins e a decoração semi-destruídos dão o toque macabro necessário. O prólogo também merece destaque apresentando o segurança que ocupava anteriormente a vaga de Carson tendo alucinações e perdendo a razão, cena que prepara o terreno para o calvário do protagonista. Com falhas explícitas e implícitas, roteiro que flerta com o drama familiar, o terror sobrenatural e o suspense psicológico, Espelhos do Medo é um produto irregular, mas que para passar o tempo e sem ser muito crítico é bem tolerável. Em tempo: a última cena já é um gancho para uma sequência que realmente existe, mas revela-se um tremendo caça-níqueis do qual Sutherland se esquivou e nem mesmo aparece para uma ponta para fazer um link entre as duas produções. Cara esperto.

Terror - 110 min - 2008

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