NOTA 6,0 Refilmagem de terror asiático tem boa premissa, mas peca por sustos manjados e má exploração do excelente cenário |
O início da primeira década do século 21 foi marcada pela invasão dos
terrores e suspenses orientais pelo mundo todo. Primeiro foi Hollywood que foi
buscar inspiração no Oriente e acabou optando pelas refilmagens de sucessos de
lá. Logo cineastas de olhinhos puxados foram importados para terras americanas
e não demorou muito para as próprias produções originais asiáticas encontrarem
espaço no Ocidente, mais especificamente no mercado de vídeo. Resultado:
saturação do estilo. Assim não é de se espantar o fraco desempenho em
bilheterias e de repercussão de Espelhos do Medo, refilmagem
do terror sul-coreano Espelho. Apesar das críticas negativas
que recebe honestamente esta produção não é de todo ruim e consegue ser mais
palatável que sua versão oriental. A
trama gira em torno de Ben Carson (Kiefer Sutherland), um ex-detetive
que foi suspenso do Departamento de Polícia de Nova York há cerca de um ano por
uma ação desastrosa que comandou e culminou na morte de um colega de trabalho.
O caso fez com que ele se tornasse alcoólatra e dependente de remédios, o que o
afastou também de sua família. Tentando retomar sua vida, ele aceita o emprego
de vigia noturno das ruínas de uma loja de departamentos depois que o outro
funcionário se suicidou. O local sofreu com um incêndio há alguns anos, mas o
que sobrou precisa ser mantido intacto por razões de resgate de seguros e
brigas judiciais. Sem eletricidade e silêncio amedrontador, o espaço é perfeito
para qualquer um deixar sua imaginação criar imagens e sons assustadores, mas
certa noite, enquanto patrulha o local, Carson se assusta com algo inusitado e
que sabe que não é fruto de sua mente perturbada. Mesmo após o incêndio, os
espelhos da loja continuam intactos e parecem refletir imagens horripilantes de
acontecimentos do passado e manipular a realidade. As coisas complicam quando
eventos inexplicáveis passam a ocorrer com pessoas próximas a ele, como sua
irmã Angela (Amy Smart). Assim, o seu lado de detetive fala mais alto e ele
busca respostas para os estranhos episódios que passam a assombrar sua vida e para
proteger sua ex-mulher, Amy (Paula Patton), e os filhos, Michael (Cameron
Boyce) e Daisy (Erica Gluck).
A premissa é até interessante e calcada nos mistérios que envolvem os
espelhos na vida real, porém, o roteiro do francês Grégory Levasseur, de Entre Cães e Lobos, cai nos clichês
fantasiosos e chega a colocar na posição de vilão qualquer coisa que possa
refletir imagens, inclusive poças de água que ganham destaque próximo da
conclusão. Para quem curte um susto atrás do outro ou se sentir instigado a
brincar de detetive, a fita não deve agradar muito. O cineasta francês
Alexandre Aja, das refilmagens Viagem Maldita e Piranha, não perde
tempo tentando confundir o espectador em relação ao que enxerga o protagonista.
Um profundo corte em uma das mãos de Carson e o vermelho vivo de seu sangue
destoando na escuridão do cenário principal é o bastante para descartarmos
qualquer hipótese de que suas visões sejam alucinações. Sejá lá o que for é
perigoso e disposto a perseguir o segurança e aqueles que convivem com ele. Desde
a primeira noite de vigia ele já havia notado algo estranho nos espelhos e
passou a dar crédito ao que viu, afinal ele melhor do que ninguém sabe que não
está louco e que vivenciou algo surpreendentemente real. O problema é que com
seu histórico perturbado nos últimos meses, dificilmente alguém acredita em
seus relatos, mas graças as ligações que ainda mantém com a polícia local e
suas experiências ele pode partir para uma investigação particular que de
quebra pode servir como uma espécie de terapia para superar os traumas do
passado. Sutherland, depois de anos fazendo sucesso no seriado de TV “24 Horas”,
tentava achar novamente seu lugar no mundo do cinema, se é que algum dia ele já
o teve. Não está excepcional, mas ao menos sua interpretação não compromete a
fita. O problema é que muitas pessoas não conseguem mais desassociar a imagem
do ator do astuto Jack Bauer, o grande fantasma dos intérpretes que topam
passar anos e anos defendendo o mesmo personagem e depois encontram
dificuldades para se recolocar no mercado. Há quem diga que o filme poderia ser
protagonizado pelo próprio agente do seriado tentando reinventar seu estilo e
encarando desafios sobrenaturais, mas isso é mais por conta dos fãs aficionados
da telinha. Sutherland se esforça para criar um novo perfil de personagem e a
atmosfera criada por Aja ajuda a não confundir as bolas. Quem se sai mal é Paula
Patton que não tem um currículo com bons trabalhos, mas também parece não se
esforçar e aceita qualquer coisa para estar em cena, até mesmo aparecer aqui
semi-nua em certo momento, uma cena totalmente desnecessária. Nem o fato de ser
uma médica legista ajuda a personagem a crescer na história, embora corpos
dilacerados não faltem para ela analisar.
Como já dito, Aja economiza nos sustos e quando os oferece eles são
previsíveis e acompanhados para variar de um som altíssimo para colaborar no
impacto. Talvez a única cena mais chocante, porém, também possível de causar
risos, seja a sequência protagonizada por Smart na qual ela simplesmente
dilacera seu próprio maxilar. Literalmente um banho de sangue que destoa no
conjunto, pois é perceptível as boas intenções iniciais do diretor em trabalhar
paralelamente e com seriedade o lado sobrenatural e o psicológico do enredo,
mas ele acaba caindo no lugar comum do gênero. Além de sangue e mortes captados
com destaque, o diretor recorre ao manjado recurso de procurar no passado as
respostas para os problemas do presente e repetindo o gancho do espírito
maligno que rege todo o circo do infortúnio que se transforma a vida do protagonista.
Felizmente ele dispensou a garota de cabelos compridos e escorridos que
escondem sua face, marca das fitas de horror asiáticas. O que há de mais
relevante nesta produção na realidade é a parte da direção de arte que
infelizmente não foi bem explorada pelas câmeras. O cenário da loja incendiada
é de arrepiar, perfeito em seus detalhes e iluminação, um palco e tanto para
uma mente criativa arquitetar boas cenas de sustos, mas no caso Aja não soube
usar o que tinha em mãos e preferiu transferir muitas cenas de tensão para
ambientes externos a loja o que cria uma desagradável quebra de clima. Todavia
as cenas noturnas no interior da loja conseguem inserir o espectador em um
ambiente claustrofóbico, embora espaçoso e que transmita a sensação de um clima
gélido. Os manequins e a decoração semi-destruídos dão o toque macabro
necessário. O prólogo também merece destaque apresentando o segurança que
ocupava anteriormente a vaga de Carson tendo alucinações e perdendo a razão,
cena que prepara o terreno para o calvário do protagonista. Com falhas
explícitas e implícitas, roteiro que flerta com o drama familiar, o terror
sobrenatural e o suspense psicológico, Espelhos do Medo é um produto
irregular, mas que para passar o tempo e sem ser muito crítico é bem tolerável.
Em tempo: a última cena já é um gancho para uma sequência que realmente existe,
mas revela-se um tremendo caça-níqueis do qual Sutherland se esquivou e nem
mesmo aparece para uma ponta para fazer um link entre as duas produções. Cara
esperto.
Terror - 110 min - 2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário