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NOTA 8,5 Mesmo envelhecida, comédia romântica com toques de fantasia conquista com sua inocência, humor leve e simpatia dos atores |
Qualquer adulto tem guardada a
memória de alguns filmes que marcaram sua infância ou adolescência e o pessoal
que está na casa dos 20, 30 e poucos anos tem o bônus de ter vivido o período
áureo das videolocadoras e da combalida “Sessão da Tarde” da Rede Globo, isso
sem falar no finado “Cinema em Casa” do SBT. Para o pessoal vidrado hoje em dia
nas facilidades de canais pagos e serviços de download pode parecer loucura que
teve uma época em que a centésima reexibição de um filme na TV aberta ou a
locação repetida de uma fita tornavam-se um evento e tanto. Pode parecer mais
doido ainda que os títulos mais famosos da época transbordem uma ingenuidade
que não é compatível com os dias atuais, mas ainda bem que continuam existindo
nostálgicos para manterem vivo esse espírito e pessoas das novas gerações com
vontade de descobrir qual o segredo do sucesso de tais produções como a famosa
comédia romântica com toques de fantasia Splash – Uma Sereia em Minha Vida,
produção que se tornou tão popular que o nome da protagonista, Madison,
tornou-se um dos mais escolhidos pelos pais norte-americanos para batizar as
garotas que nasceram na segunda metade da década de 1980. Com direção de Ron
Howard, que anos mais tarde viria a conquistar o Oscar com o sério Uma Mente Brilhante, o início pode não
soar muito interessante, principalmente porque já existe uma natural repulsa ao
áudio e imagem que por mais que passem por remasterizações ainda guardarão
resquícios que revelam sua idade, o que para muitos felizmente não são
empecilhos, pelo contrário, tornam o programa ainda mais especial, um respiro à
perfeição contemporânea que por vezes escamoteia a total falta de conteúdo.
Desabafos quanto a mediocridade de nossos tempos à parte, quem quiser mergulhar
nesta opção já deve estar ciente de sua previsibilidade e reunião de clichês. O
filme começa com cenas em tom sépia mostrando um garoto que durante uma viagem
de navio com a família acaba caindo no mar e é salvo por uma sereia
adolescente, mas provavelmente ninguém acreditou no que seus olhos viram. Allan
Bauer (Tom Hanks), 25 anos depois, é um responsável homem de negócios que
trabalha com o irmão Freddie (John Candy), mas está estressado com o trabalho,
o abandono repentino da namorada e então decide tirar um dia de folga e ir para
o litoral. Mesmo com o acidente na infância, este era o único lugar que julgava
lhe tranquilizar.
Allan não sabe nadar, mas mesmo
assim resolve pegar carona no decadente barco de um trabalhador local.
Obviamente a embarcação terá problemas na travessia e quando se vê em alto-mar
o rapaz se desespera e cai na água. Quando acorda ele está à salvo na beira da
praia e vê de longe uma bela moça loira (Daryl Hannah) que repentinamente surge
em sua frente, lhe dá um beijo e mergulha no mar. A garota encontra perdida na
água a carteira de documentos do rapaz e resolve devolvê-la, ainda mais por se
recordar que ele é justamente o menino que ela salvou da morte muitos anos
antes, porém, antes que saia da água e suas nadadeiras deem lugar a um belo par
de pernas, ela é vista por Walter Kombluth (Eugene Levy), um pesquisador que
atua a serviço do governo e que fica obceceado pela ideia de estudar o mito das
sereias. Mesmo sabendo dos riscos que correria, ela vai até Nova York e mesmo
sem conseguir se expressar verbalmente consegue ajuda da polícia para localizar
Allan que imediatamente vai ao seu encontro. Ele não faz ideia de quem ela é,
mas a leva para sua casa pedindo para que ela fique quietinha até que ele volte
do trabalho. Já era de se esperar que a curiosa sereia não ia resistir dar um
passeio pelas ruas chamando a atenção por onde passa por conta de seu traje
(apenas um roupão masculino), seus olhos arregalados diante das novidades e seu
corpo esguio. Allan a encontra horas mais tarde em uma loja de eletrodomésticos
onde todos estão boquiabertos admirando a desinibição da jovem diante dos
aparelhos de TV acompanhando uma aula de ginástica (algo bem característico dos
anos 80, Jane Fonda que o diga com a fortuna que fez com suas fitas de malhação
caseira). Fazendo alusão ao fascínio que a televisão exerce sobre as massas, a
sereia em pouco tempo aprendeu a falar fluentemente o idioma graças a tal
veículo de comunicação, o que faz Allan ficar ainda mais apaixonado por esta
estonteante mulher que passa a chamar de Madison. Ela terá apenas seis dias
para ficar na cidade caso contrário jamais poderá voltar para o mar como
sereia, mas o rapaz acredita que ela está a passeio e sem levar em consideração
alguns pormenores a pede em casamento apressadamente. Dizem que as sereias
atraem os homens com seu canto, mas neste caso não foi necessária uma nota
musical sequer. Enquanto tenta falar a verdade sobre suas origens, Madison
corre o risco de ser desmascarada da pior maneira possível por Walter que
desacreditado por seus colegas de trabalho está disposto a tudo para provar que
sereias existem. A jovem virou capa de jornal quando foi fotografada nua em
frente a Estátua da Liberdade e agora ficou mais fácil do pesquisador a
encontrá-la e dar um jeito de molhar suas pernas para que suas nadadeiras
apareçam diante de todos.
Baseado no argumento de Brian
Grazer, a trama roteirizada por Lowell Ganz, Babaloo Mandel e Bruce Jay
Friedman não parecia necessitar de tantas cabeças para sair do papel, mas
talvez para a época o projeto fosse levemente ousado. Sabemos que as novidades
(de antigamente) do mundo dos humanos vai atiçar a curiosidade de Madison, que
ela vai pagar micos em lugares públicos por não saber se comportar e que o
casal de pombinhos vai ter seu momento de rusga quando o segredo dela vir a
tona, mas mesmo assim a diversão está garantida graças a química e simpatia dos
protagonistas. Hanks, bem novinho e quando parecia atuar sem a pressão pública
para colher elogios e prêmios, traz uma leveza singular para o papel assim como
sua parceira que cativa com sua personagem que mescla a inocência de uma
criança ao poder de sedução de uma mulher que sabe reconhecer seus atributos
físicos. Depois das recusas de grandes estrelas da época, Hannah, que ainda
colhia os frutos do revolucionário Blade
Runner, conquistou mais um papel que ajudou a torná-la um símbolo dos anos
80, mas sua fama declinou a partir da década seguinte. São fatos do tipo que
fomentam a curiosidades de cinéfilos das antigas e mais novos. Como uma pessoa
que já teve tanto sucesso hoje vive praticamente no ostracismo dedicando a
filmes e produções de TV menores? Por outro lado, Eugene Levy só veio a ter seu
reconhecimento anos mais tarde graças a série American Pie, ainda que seu nome dificilmente venha a cabeça e seja
lembrado apenas como o pai do protagonista. Outra curiosidade é que a sereia
recorre a um mapa para encontrar onde vive Allan, um artefato que guarda em um
local onde armazena pertences perdidos dos humanos tal qual a protagonista do
desenho A Pequena Sereia. A gigante
dos desenhos plagiou? Não, pois Splash – Uma Sereia em Minha Vida foi
o primeiro de muitos títulos lançados pela Touchstone Pictures, braço
cinematográfico da Disney para produção de filmes live-action voltados para um
público mais adulto. Contudo, embora de forma bem mais superficial, é nítido
que Howard buscou inspiração em E. T. – O
Extraterrestre para conduzir o clímax da produção quando a identidade da
sereia é revelada e torna-se alvo de pesquisas científicas, mas todos sabem que
o happy end está garantido. Em tempos em que os filhos com menos de 6 anos
podem já dizer aos pais que sereias não existem é tudo fantasia, a história de
amor contada aqui pode parecer açucarada demais e sem atrativos, mas é muito
bom olhar dados antigos e ver que até os críticos se renderam a essa magia e o
roteiro bobinho, e na época original, chegou a ser indicado ao Oscar.
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