quarta-feira, 18 de outubro de 2023

O DESAFIO DE DARWIN


Nota 4 Polêmica sobre estudos de Darwin são expostos em longa que esquece da dramaticidade


Filmes que fazem questão de destacar que são baseados em fatos reais já carregam a difícil tarefa de procurar não fugir muito das histórias que os inspiraram, mas quando os acontecimentos e os personagens fazem parte da História mundial os cuidados precisam ser redobrados. Quem se habilita a realizar produções que enfocam a vida e as realizações de pesquisadores, personalidades históricas e afins provavelmente não sonha com o sucesso, mas visa primeiramente realizar trabalhos que satisfaçam seus próprios desejos e que com o tempo podem acabar ganhando visibilidade no meio acadêmico. Sim, existem centenas de filmes que involuntariamente ou não tornaram-se opções que dificilmente um espectador de fim de semana se interessaria em ver, porém, são importantes materiais de apoio para estudantes, professores e para alguns curiosos em determinados assuntos. O problema é que essa rotulagem passa a ideia de que produtos do tipo são chatos e extremamente didáticos, embora muitos sejam verdadeiras superproduções (ou pelo menos eram para os padrões de suas épocas). O Desafio de Darwin é um produto atípico nesta linhagem. 

Com direção de John Bradshaw, esta é uma produção de época caprichada nos detalhes visuais e técnicos produzida pela National Geographic Television associada a outras produtoras menores, o que explica seu aspecto documentário realçado, visto que em termos de dramaturgia o longa deixa muito a desejar. A trama se desenvolve a partir de meados de 1858, quando as vidas pessoal e profissional do pesquisador Charles Darwin (Henry Ian Cusick) pareciam estar desmoronando. Na Inglaterra vitoriana, sua revolucionária teoria da evolução das espécies está sendo contestada pela comunidade religiosa e até mesmo pela científica visto que outro pesquisador teria publicado ideias parecidas com a de seus estudos. Sua esposa Emma (Frances O’Connor), uma devota cristã, o surpreende com a ajuda que ela lhe oferece fazendo-o perceber que aquilo que ele chamava de mistérios da vida é afinal a verdade escondida há milhares de anos sobre a evolução das espécies e com provas científicas, não apenas palavras vagas. Paralelo a esse problema, alguns dos filhos de Darwin ficam gravemente doentes, o que traz a tona as lembranças da filha que ele perdeu alguns anos antes.


O filme tenta compilar como ocorreram os estudos, observações e experimentos que levaram Darwin a criar sua tão famosa teoria e a discursar sobre a seleção natural, inclusive uma expedição pelo Brasil, mais especificamente na região da Amazônia. Outro local que lhe chamou a atenção foi a Ilha de Galápagos, onde percebeu que as condições climáticas e ambientais pouco variavam de outros locais semelhantes, porém, a vegetação local poderia ser um fator determinante para modificar a estrutura física de variadas espécies de pássaros, como o tamanho de seus bicos, que foram passando por transformações naturais dependendo do que se alimentavam. A partir de observações e estudos do tipo, Darwin pretendia publicar suas conclusões em um único livro, o seu legado de toda uma vida de dedicação à ciência, mas por suas verdades conflitarem com os valores religiosos da época relutou muito até decidir publicá-las, mas então surge um novo entrave. 

Eis que interpela em seu caminho Alfred Wallace (Rhys Bevan-John), outro pesquisador que havia redigido um material extremamente parecido com seus estudos. Caso Darwin decidisse publicar agora seu livro poderia ser acusado de plagiador e o próprio não se dava o direito de negar ou contestar estes escritos posteriores. Tal gancho do roteiro de John Goldsmith é bem interessante e claramente o principal interesse da obra, contudo, a inserção de problemas de ordem pessoal do cientista acaba por enfraquecer a trama que, além de um tanto lenta, em algumas partes é didática demais ou até mesmo superficial. Nem mesmo os apontamentos religiosos contra os estudos sobre as espécies, outra grande polêmica do enredo, ganham uma representação digna. O desenrolar da trama é feito por lembranças que Darwin e sua esposa tecem em longas conversas diárias, o que acaba por comprometer o ritmo da obra.


Os intérpretes de Darwin e sua esposa infelizmente não conseguem imprimir dinamismo em suas criações, papeis que acabam tornando-se enfadonhos e não conseguindo envolver o espectador, o que compromete intimamente a apreciação do filme como um todo. É curioso que justamente as cenas mais questionadas pelo seu apelo documental são as que no final das contas salva O Desafio de Darwin do ostracismo total e traz certa visibilidade entre estudantes e professores. É uma pena, afinal a trajetória do cientista deve conter muitas passagens interessantes a serem exploradas. De qualquer forma, um título que pode plantar dentro do espectador a sementinha da curiosidade para este e outros assuntos. Bradshaw deu sua visão dos fatos acerca dos estudos que foram um divisor de águas na História da humanidade. Com a internet hoje em dia não há desculpas para não se aprofundar nos temas. 

Drama - 102 min - 2009 

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