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NOTA 8,0 Feito para dar sobrevida a popular personagem da TV nos EUA, longa virou uma pérola do cinema trash e da década de 1980 |
A herança não é em dinheiro vivo,
mas sim um velho casarão que com uma recauchutagem pode dar uns bons trocados
para Elvira que consegue convocar os jovens da cidade para ajudá-la na empreitada,
mas sua presença por lá encontra ferrenhos opositores, movimento liderado pela
intrometida Chastity Pariah (Edie McClurg). Outro empecilho é Vicent Talbot
(William Morgan Sheppard), um tio da apresentadora que não herdou nada, mas
deseja a todo custo obter um livro que também ficou para a sobrinha. Nele estão
anotadas centenas de receitas de feitiçaria que podem transformá-lo em um
poderoso bruxo, mas a herdeira não dá a menor bola para a relíquia e estaria
disposta a vende-la por uma ninharia, isso se não fosse a astúcia do cãozinho
que ela também herda que faz de tudo para esconder o manuscrito. Ao perceber
que tirar algum dinheiro de Elvira não vai ser fácil, Talbot une-se aos
conservadores da cidade engrossando o coro para que ela por bem ou por mal vá
embora, mesmo que seja preciso queimá-la em praça pública em uma fogueira como
se fosse uma bruxa nos tempos da inquisição. Do lado da morena está Bob Redding
(Daniel Greene), o dono de um decadente cinema que parece ser a única pessoa em
Fallwell a enxergá-la como uma mulher comum, mas que assim como os outros
moradores passará a ter uma nova visão da vida, algo bem diferente do cotidiano
quadrado e antiquado a que estava acostumado. Pelo enredo dá para perceber seu
potencial para clássico juvenil, porém, a produção não é lá tão inocente quanto
parece. Embora tenha sido reprisado a exaustão nas tardes da Rede Globo, o
longa conta com muitas piadas envolvendo erotismo, nada mais natural levando-se
em consideração o jeito de se vestir da protagonista, além do seu estilo de
vida livre de convenções e amarras. Cheia de carisma, alto astral e com um
visual um tanto extravagante, tais características ajudam a desviar
ligeiramente as atenções de sua volúpia evidenciada por um generosíssimo decote
que quase não esconde seu farto par de seios. Aliás, se já não fosse o bastante
eles saltitarem livremente dentro (ou seria fora?) do vestido negro e ajustado
no melhor estilo Mortícia Addams de sex shop, os peitos dela são responsáveis
por uma hilariante e icônica cena da produção quando Elvira se apresenta em um
número musical e literalmente os coloca para dançar. Só vendo para crer! Por
sequências como essa, hoje certamente se voltasse a ser exibido na “Sessão da
Tarde” esta comédia seria resumida a um curta-metragem praticamente devido aos
cortes que a censura iria impor. Éramos mais avançadinhos no passado ou vivemos
uma época de pura hipocrisia mesmo?
Como todo bom filme que marcou a
década de 1980, o trabalho do diretor James Signorelli, apesar de assumidamente
tosco, parece que já previa sua vocação para clássico e alimentar a nostalgia
da época, tanto que até homenageia um grande sucesso daqueles tempos, ou
melhor, até faz uma dupla homenagem. A certa altura Elvira faz uma apresentação
inspirada no musical Flashdance – Em Ritmo
de Embalo e recria uma das cenas icônicas do longa, mas ao invés da
performance ser coroada com um banho de água a artista termina coberta com uma
espécie de lama negra e de penugem, mais um plano da população local para
expulsá-la de Fallweell e que nos remete ao clássico de terror Carrie – A Estranha. Aliás, esta comédia
traz outras referências como o estilo da casa de Elvira que lembra os casarões
usados nas produções do lendário estúdio Hammer, especializado em fitas de
terror, e lembranças dos filmes de baixo orçamento do diretor Roger Corman,
como na cena em que a protagonista prepara um jantar para Bob e acaba criando
um monstrinho em sua cozinha seguindo o livro de receitas que herdou. Bizarro,
mas totalmente dentro do clima nonsense proposto. Outra referência bastante
óbvia aos cinéfilos é o nome dado ao tio malvado de Elvira, uma lembrança aos
atores Vincent Price, figurinha fácil em fitas de horror, e Lyle Talbot,
apreciador de fitas de baixo orçamento. Falando em homenagens, quem não gostou
e não se sentiu nem um pouco agraciada com o sucesso alheio foi a atriz Maila
Nurmi que ficou conhecida na década de 1950 interpretando Vampira, personagem
de uma série de TV. Após um ano no ar, o programa foi cancelado, mas a intérprete
ficou com os direitos de imagem de sua criação e até a levou para alguns filmes
do cineasta incompreendido Ed Wood. Ela abriu um processo contra Peterson
alegando plágio, mas foi derrotada. Lembrado no prêmio Framboesa de Ouro na
categoria de Pior Atriz, Elvira – A Rainha
das Trevas, ao que tudo indica, nunca teve pretensões de ir além
de uma diversão descompromissada em último grau, aquele tipo de filme que de tão
ruim acaba ficando ótimo. Justamente por assumir sem vergonha alguma que suas
partes técnicas e atuações são de gosto duvidoso é que a diversão é ímpar.
Claro que ninguém pode esperar acrescentar algo de intelectual à sua vida assistindo
a esta comédia, mas os momentos divertidos que ele proporciona compensam, ainda
mais com os aspectos e características típicos de produções oitentistas
acentuados pelo passar dos anos e que dão um charme irresistível à obra.
Comprovando sua importância, em 2001 foi rodado As Loucas Aventuras de Elvira que chegou a ser exibido dois anos
depois fora da competição do Festival de Cannes. Isso que é literalmente peitar
os intelectuais!
Comédia - 96 min - 1988
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