quarta-feira, 20 de abril de 2016

UM LUGAR CHAMADO NOTTING HILL

NOTA 9,0

Embora previsível, longa é
agradável, diverte e
emociona justamente por
sua aura despretenciosa
Alguns artistas podem até experimentar diversos gêneros ao longo da carreira, mas sempre tem um que marca mais e do qual o intérprete pode acabar se tornando um símbolo. Nos anos 90 aconteceu um aumento significativo na procura por comédias e dramas com pitadas generosas de romance e duas atrizes despontaram nessa onda, Julia Roberts e Meg Ryan. A primeira é quem se deu melhor conquistando altos cachês, diversos prêmios e se mantendo em evidência até hoje. Tudo bem, atualmente ela vive mais das glórias do passado do que de novos e bem sucedidos projetos, mas ainda assim atrai atenções. Para muitos seu ápice na profissão foi a conquista do Oscar pelo papel-título de Erin Brokovich – Uma Mulher de Talento, mas ela já acumulava antes disso êxitos comerciais que a crítica hesitava em elogiar. Por exemplo, qual o problema em dizer que Um Lugar Chamado Notting Hill é um excelente filme? Embora quando alguém quer dar uma de esperto a tendência seja menosprezar as obras românticas e clichês, não há como negar que esta produção é extremamente agradável e atende com folga as expectativas geradas pela proposta e que se vale do recurso da metalinguagem. Julia interpreta praticamente ela mesma ora sob os holofotes, ora tentando levar uma vida normal, ainda que os produtores na época tentassem desmentir que o enredo foi parcialmente inspirado na vida da estrela. Ela interpreta Anna Scott, uma celebridade hollywoodiana que vive cercada de fotógrafos e repórteres tentando descobrir seus novos projetos de trabalho, mas principalmente desvendar detalhes sobre sua vida pessoal. Durante uma viagem a Londres, a atriz decide fazer um passeio pelo subúrbio (que nem de longe nos remete ao que a palavra representa para os brasileiros) e entra em uma simplória livraria especializada em livros de viagem onde é atendida pelo próprio dono, o pacato William Thacker (Hugh Grant), cuja vida mudará completamente após este dia. Anna fica fascinada com o jeito tranquilo e nada fanático do rapaz, que aparentemente desconhece a fama dela. A partir desse dia, eles passam a ter alguns encontros e iniciam um relacionamento cheio de idas e vindas, mas repleto de bons momentos, afinal essa é a grande chance da diva vivenciar plenamente a simplicidade que existe em um passeio no parque ou em um jantar em família com direito a gafes e rusgas leves. 

Seguindo a lógica da frase “mentira tem perna curta”, é óbvio que o romance logo será descoberto e a imprensa estará ansiosa por fotos e declarações. É nesse ponto que a realidade se sobrepõe a fantasia. Se até então Anna estava vivenciando um sonho, um dia ela coloca os pés no chão e percebe que há diferenças gritantes entre o mundo da fama e o da simplicidade. Tentando conviver com os dois universos contrastantes, os protagonistas vão amadurecendo pouco a pouco a idéia se realmente vale a pena insistirem na relação. Provavelmente chegaria um ponto em que um deles teria que se anular em detrimento do outro, ou seja, Anna abdicando da carreira ou Thacker aceitando a alcunha Sr. Scott e ter como profissão ser marido de uma estrela. O gênero romântico, seja ele puro ou suavizado pelo humor, se vale muito da idéia do momento improvável que pode mudar vidas. Já vimos inúmeras histórias de amor no cinema começar por causa de um esbarrão no colégio ou um encontro de dois desconhecidos em uma viagem. O cardápio das variações do estilo é gigantesco e aqui temos mais um que foi adicionado e testado posteriormente. Por exemplo, o encontro em uma livraria também é o ponto de partida de Eu, Meu Irmão e Nosso Namorado. O roteirista Richard Curtis, do elogiadíssimo Quatro Casamentos e Um Funeral, teceu uma deliciosa narrativa que recicla os clichês do gênero apostando no carisma dos protagonistas para levar aos espectadores mensagens simples e diretas sobre como o amor é importante até mesmo para que uma pessoa reflita sobre suas condutas e opiniões e se aprimore para se tornar um ser humano melhor. E o recado não vale só para os casais apaixonados, mas também para repensarmos relações familiares e de amizades. É essa simplicidade e honestidade que transforma esta produção em algo marcante e de valor. O diretor Roger Mitchell em nenhum momento tentou fazer algo revolucionário, somente contar uma belíssima história de amor com início, meio e fim e sem dar lugar a firulas. Podem tachar de piegas o roteiro, mas é inegável que a brincadeira de colocar Julia como uma protagonista que vive do cinema foi uma boa sacada. Aliás, vale destacar a bonita apresentação dos créditos iniciais com as cenas em que aparecem os fictícios filmes da personagem acompanhadas pela belíssima e romântica canção “She”, na voz de Elvis Costello, que é impossível esquecer mesmo após anos se passarem. Tudo isso ajuda a reforçar o status de Anna como deusa do cinema e, de quebra, fazer um agradinho a sua própria intérprete.
O interessante desta obra é que ela não se limita a ficar na superfície do assunto e explora de forma eficiente o outro lado do mundo da fama. As revistas, jornais e a internet vendem o glamour e por vezes os escândalos dos famosos, mas o que é diversão para o público para os artistas pode ser torturante. Vendo por esse lado, a história torna-se ainda mais envolvente, pois é quase impossível não imaginar que a própria Julia já deve ter vivido situações parecidas com as do enredo, ou melhor, ela está tão natural no papel que talvez pela primeira vez a enxergamos como um ser humano de verdade, lembrando que na época ela vivia sob a aura de uma pessoa inalcançável. A química da atriz com Grant, um legítimo inglês e diplomado no gênero romântico, é perfeita. O ator se sente em casa já que a história se passa em seu país natal e até porque ele interpreta mais uma vez o sujeito boa praça que não tem pressa em viver e opta por deixar a vida ditar a sua trajetória. O currículo do ator praticamente é formado por identidades desse tipo, mas de certa forma ele consegue injetar alguma coisa nova em seu vendedor de livros que o torna interessante e cativante. Talvez seja a ironia do fato do personagem fugir dos flashes uma vez que o próprio intérprete já esteve na mira deles para ser exposto nas páginas de escândalos de celebridades quando se envolveu com uma garota de programa mesmo sendo comprometido. A adaptação de Anna a um cotidiano simples e familiar e a de Thacker em lidar com a imprensa provocam divertidas e envolventes situações que fisgam em cheio o espectador. As piadas leves intercaladas com as cenas mais românticas e até dramáticas ajudam as duas horas de duração passarem em um estalar de dedos, ainda mais com o auxílio da bela trilha sonora. No elenco também vale destacar o galego Rhys Ifans no papel de Spike, um cara muito fora do normal que divide a casa com o personagem de Grant. São deles algumas das cenas mais divertidas, mesmo que curtas. Investindo muito mais no realismo e levemente na crítica ao trabalho da imprensa e ao culto da fama, Um Lugar Chamado Notting Hill é um programa agradabilíssimo e que pode ser curtido com toda a família sem constrangimentos. Só por isso ele já se destaca, mas ele está envelhecendo tão bem que sem dúvida deve ocupar uma posição de destaque em qualquer listagem de melhores títulos românticos de todos os tempos. Só para terminar: Alec Baldwin faz uma ponta como um affair de Anna que confunde Thacker com um simples empregado de hotel e fã da estrela. Ah, se ele soubesse o que rola nos bastidores da vida real da atriz...

Romance - 122 min - 1999 
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1 – 2 Ruim, uma perda de tempo
3 – 4 Regular, serve para passar o tempo
5 – 6 Bom, cumpre o que promete
7 – 8 Ótimo, tem mais pontos positivos que negativos
9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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