sexta-feira, 9 de outubro de 2020

MONSTER - DESEJO ASSASSINO


Nota 8,0 Drama conta a história de prostituta que viu nos assassinatos uma forma de sobrevivência


Em 2003, Nicole Kidman ganhou o Oscar por As Horas no qual interpretou a escritora Virginia Woolf e precisou usar uma prótese de nariz para chegar o mais próximo possível da imagem da homenageada e a repercussão na mídia sobre a transformação física foi grande. Um ano depois, Charlize Theron ficou irreconhecível para Monster - Desejo Assassino que também lhe rendeu o prêmio da Academia de Cinema entre dezenas de outros, mas o fato de aparecer completamente desprovida de vaidade ou de sua característica beleza não gerou muitos comentários, ficando restritos a mídia especializada. Até então, Theron não tinha um terço da popularidade e prestígio de Kidman, mas felizmente a atriz foi reconhecida merecida e exclusivamente por seu talento e entrega ao papel de Aileen Wuornos, uma personagem real, a primeira serial killer dos EUA acusada de assassinar sete homens, todos no ano de 1989 no qual também foi presa. Conhecida como "Donzela da Morte", ela se prostituia desde a adolescência em beiras de estradas, era compulsiva usuária de drogas e desenvolveu um comportamento bastante masculinizado, consequências de traumas devido a abusos sexuais e psicológicos vividos desde a infância.  A escolha de Theron para o papel parecia equivocada, mas atriz aceitou engordar e passar por um processo de caracterização que incluía o uso de prótese dentária, lentes escuras, sobrancelhas depiladas, cabelos maltratados e manchas avermelhadas pelo corpo, além de agir em cena como uma completa boçal. 

A imagem da protagonista pode parecer contraditória à sua profissão, mas os tipos de clientes que atraía provavelmente eram tão rudimentares quanto ela, embora o filme os retrate como homens comuns e a maioria casado. De qualquer forma, fica latente a repulsa que Aileen sente nos atendimentos. Antes de começar sua saga como assassina, ela conhece Selby Wall (Christina Ricci), uma jovem de família de classe média, mas que se sente incompreendida e sem um mínimo de vaidade. Os perfis semelhantes fazem com que as duas se identifiquem e logo engatem um conturbado romance. Inicialmente, o relacionamento parece apontar um novo rumo para a vida da prostituta que decide procurar um emprego decente para bancar uma moradia digna para a companheira que apostando no sucesso da união aceita abandonar o conforto da casa de seus pais para viver em quartos de hotéis baratos. Sem estudo, mal arrumada e não conseguindo disfarçar o jeito rude de se comportar, Wuornos não consegue trabalho e frustrada volta para as estradas, mas quando é violentada por um cliente acaba o matando em legítima defesa. Contudo, o incidente acaba funcionando como uma válvula de escape, como se a partir desse momento os atendimentos fossem uma forma dela compensar toda a raiva e repúdio que sente de si mesma descontando com violência em cima dos homens que a procuram para utilizá-la como simples objeto sexual. Mais que aliviar suas tensões, os assassinatos também servem para alimentar uma vida de fantasia, pois ela passa a roubar dinheiro e até os automóveis das vítimas entrando num perturbador círculo vicioso que a obriga a sempre estar de mudança com a namorada para fugir da polícia. 


Embora vendido como a história de uma assassina, o longa tem em seu cerne uma história de amor entre duas pessoas carentes, antissociais e profundamente machucadas emocionalmente. Ao longo da narrativa percebe-se que a carência suprimida transforma-se em fardo para ambas. Wuornos sente-se na obrigação de dar uma vida minimamente confortável para Selby enquanto para esta bate o arrependimento de ter virado as costas para os pais em busca, talvez, do direito de apenas experimentar uma utópica liberdade. A namorada da protagonista é uma personagem fictícia, mas inspirada na mulher que realmente dividiu alguns poucos momentos felizes e outros tantos de tensão e amargura ao lado da garota de programa. O perfil sofreu algumas modificações, inclusive mudança de nome, porque a companheira real já havia processado os realizadores de um documentário sobre a assassina por não ter gostado da forma negativa que foi retratada. Todavia, não há como narrar essa história de forma suave ou positiva. O material é pesado, incômodo e pede o retrato de uma triste e repugnante realidade. Também produtora, Theron estava empenhada em provar seu potencial como intérprete e literalmente afastar a imagem de apenas mais um rostinho bonito em Hollywood. Sem dúvidas ela carrega o filme nas costas e mesmo interpretando uma lésbica completamente masculinizada a atriz consegue tornar a personagem crível e extremamente humana, passando longe da caricatura. Seu desempenho ajuda a imprimir um tom seco ao filme e ressaltar o aspecto amoral da protagonista quanto a ausência de culpas por seus atos.

Patty Jenkins, então debutando como diretora de longas-metragens e também assinando o roteiro, realiza um trabalho bastante singular. Tem a coragem de explorar um clima denso, uma realidade suja, características adoradas por produções independentes e de baixo orçamento, mas ao conseguir ter no elenco Ricci e, principalmente, Theron, arriscando-se em um personagem que possivelmente surge apenas uma única vez na carreira de uma atriz, a cineasta consegue dar certo toque hollywoodiano à produção. Ainda assim, Monster - Desejo Assassino encontrou espaço apenas no circuito alternativo de exibição e raramente é exibido na TV. De fato, é uma obra que para apreciar é preciso estar com o espírito e o psicológico preparados. Por outro lado, Jenkins exagera ao colocar a criminosa na posição de vítima de sua condição social e traumas do passado, o que acaba romantizando demais sua trajetória, fator que ajuda a colocar o espectador, senão a favor de Wuornos, ao menos a sentir compaixão. A cineasta conta a história sob o ponto de vista da protagonista, assim a todo instante tenta justificar as suas atitudes, mas o roteiro deixa de lado vários fatos decisivos para  compor tal perfil psicopata. Ignora-se, por exemplo, que ela já foi casada e chegou a ser presa por espancar o marido que sequer é citado na trama. Mãe de duas crianças, tal fato é jogado na narrativa de forma que toda vez que as menciona parece um truque para amolecer o coração de seus clientes. 


A própria relação homossexual retratada não parece tão doentia quanto realmente foi. Selby tem um perfil extremamente complexo, mas temos um acesso restrito a sua personalidade. Mimada e comodista, pode não ficar claro que de certa forma a garota estimula a companheira a se embrenhar cada vez mais no mundo da prostituição a ponto de se fazer de cega para os crimes que tem por finalidade lhe oferecer um pouco de conforto. Wuornos, por sua vez, em nenhum momento deixa latente estar apaixonada de verdade. Ela fica dependente do carinho que recebia da namorada, já que nunca recebera de outro alguém, mas aos poucos tal sentimento vai minguando até a criminosa ter seu triste destino traçado com a ajuda de Selby que testemunha a favor das acusações que levam a criminosa a ser executada em 09 de outubro de 2002. Um ano antes, prevendo o desfecho desta história, já circulava a ideia de levar a triste sina de Wuornos para os cinemas acentuando a crueldade que marcou a breve vida da prostituta que, ao entendimento de Jerkins, só desejava ser feliz.

Vencedor do Oscar de atriz (Charlize Theron)

Drama - 109 min - 2003

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