![]() |
NOTA 8,0 Refilmagem de longa argentino perde impacto ao recriar praticamente cena por cena, mas compensa com o carisma e química entre atores veteranos |
Nos últimos anos, a turma na
faixa dos 30 ou 40 e poucos anos tem se identificado com comédias feitas sob
medida, principalmente o público masculino, mas a terceira idade ainda sente
falta de se ver retratada no gênero. Geralmente os maduros e idosos são
retratados de forma estereotipada. Deprimidos, ensandecidos ou assanhados são
os tipos mais comuns. Produções como Alguém
Tem Que Ceder ou Garotas do
Calendário são raras exceções à regra mostrando de forma digna que o
pessoal mais vivido tem direito a ter objetivos, se divertir e se relacionar
amorosamente, afinal enquanto ainda existem sonhos e planos a serem
concretizados há vida para ser aproveitada. Em 2005, um singelo filme argentino
apresentou uma cativante história envolvendo dois vizinhos idosos de
temperamentos e comportamentos completamente opostos, mas que viriam a
descobrir que se completavam. É sabido que os americanos não gostam de ler
legendas e tampouco são adeptos de dublagens e esta seria a principal
justificativa para a existência Elsa e Fred - Um Amor de Paixão,
homônimo ao original. O remake revisita a história de Elsa Hayes (Shirley MacLaine),
uma senhora extrovertida e de bem com a vida, apesar dos problemas de saúde, e
que mora sozinha em seu apartamento. Sua rotina ganha novos ares com a chegada
de um novo vizinho, o também velhinho Fred Barcroft (Christopher Plummer), um
senhor rabugento que faz a mudança a contragosto após ficar viúvo há alguns
meses. Ela é uma contadora de causos e vive cada dia intensamente como se fosse
o último enquanto ele passa os dias deitado na cama ou no sofá como se lhe
restasse apenas esperar por seu derradeiro suspiro. Quando se conhecem, as
rusgas são o cartão de visitas, mas com o tempo uma admiração muito grande e
uma improvável paixão surge. O diretor Michael Radford oferece uma revisão
quase literal de cena por cena do longa argentino fazendo apenas pequenos
ajustes quanto a personalidade dos personagens. A principal mudança fica a
cargo do temperamento de Fred que nesta versão acentua o tom ranheta e de mal
com a vida, enquanto no longa argentino seu comportamento era marcado mais pela
melancolia por conta da solidão imposta.
Salvo raras exceções, as
adaptações de filmes geralmente fracassam por simplesmente copiarem o que já
foi feito e ter o ônus de perderem o impacto oferecido pelo original, além de
sofrerem com o estigma das inevitáveis comparações. Dificilmente a naturalidade
e a emoção conquistados em um primeiro momento conseguirão ser repetidos. Se
fosse pelo roteiro de Anna Pavignano, em parceria com o próprio Radford
repetindo a dobradinha do premiado O
Carteiro e o Poeta, esta adaptação, apesar de não ter erros incômodos ou
grosseiros, seria apenas mais um filme, mas não se pode ignorar a atuação de
seus protagonistas. MacLaine e Plummer são carismáticos e não precisam provar
seus talentos, mas fica a incômoda sensação de que ofereceram algo aquém de
suas capacidades. O problema não é a atuação da dupla especificamente, mas sim
a inevitável comparação com as interpretações de China Zorrilla e Manuel
Alexandre no longa original que se beneficiaram do até então material inédito.
Por mais que se esforcem, o casal de atores americanos fica à sombra do que foi
apresentado pelo argentino. Prejudica também o fato de que embora a refilmagem
faça cópia até mesmo de falas e gestuais, ela parece não respeitar a mesma
cadência de emoções. Os protagonistas se aproximam e desenvolvem intimidade com
certa rapidez, o que invalida o argumento de que suas personalidades são
completamente diferentes. Diz o ditado que os opostos se atraem, mas
convenhamos que pessoas de idade se habituam a rotinas e dificilmente aceitam
mudanças. Nesta relação, implica Elsa ter paciência para lidar com a sisudez de
Fred e este, por sua vez, ter boa vontade para conviver com o entusiasmo da
vizinha. O equilíbrio entre eles é encontrado muito facilmente e as situações
de atritos propostas são resolvidas como em um passe de mágica. Não é algo
impossível de acontecer, mas com tal rapidez fica difícil o convencimento. É
nesse ponto que podemos dizer que esta refilmagem é um típico filme de ator. Se
o roteiro e a direção oferecem brechas para críticas, o trabalho dos
intérpretes consegue envolver a tal ponto das falhas serem relevadas.
Assiste-se pelo deleite de vê-los em cena e no caso o interesse é ainda maior
por se tratar de duas lendas de Hollywood agindo como adolescentes apaixonados,
mas cientes de que estão aproveitando seus últimos momentos de felicidade.
Contudo, o filme não tem apenas
os veteranos em cena. Elsa não faz cerimônia para usufruir do dinheiro do
primogênito Raymond (Scott Bakula) e ainda aproveita para investir nas ambições
artísticas do caçula Alec (Reg Rogers). Já Fred tem a proteção exagerada da
filha Lydia (Marcia Gay Harden) que ainda o perturba com os constantes pedidos
para investir financeiramente nas invenções absurdas de seu marido Jack (Chris
Noth) e também para que aceite a ajuda de Laverne (Erika Alexander), a
empregada que contratou. Fica também à margem da trama Max (James Brolin), que
surge momentaneamente para aconselhar o velhinho quanto as loucuras de sua
vizinha, explicando também o arrependimento de tê-la deixado para trás. Os
coadjuvantes são totalmente desperdiçados e na maioria das vezes entram em cena
apenas para os idosos reafirmarem que podem viver sozinhos. Elsa e Fred - Um Amor de Paixão tem como único objetivo iluminar
personagens frequentemente relegados a papeis estereotipados ou até mesmo sem
função. Mostra que o representante da terceira idade está tão vivo quanto uma
criança e dessa forma pode e deve se divertir, ter livre arbítrio e por que não
viver um romance? Quem não assistiu à fita argentina certamente irá se encantar
por esta experiência que, embora seja classificada como uma comédia romântica, na
verdade mais parece uma condensação de momentos alegres vividos por duas
pessoas maduras que não se aproximam por interesse sexual, talvez nem mesmo
amor de verdade, mas sim por companheirismo. Quem conferir as duas versões não
irá criticar severamente o remake, mas certamente concordará que não havia
necessidade. De qualquer forma, além da história leve e inspiradora, a produção
oferece um bônus, principalmente aos nostálgicos. Elsa é apaixonada pelo
clássico filme italiano A Doce Vida e
nutre um incrível desejo de reviver uma das cenas rodadas na famosa Fontana di
Trevi. E de fato ela consegue, com direito ao figuro idêntico ao da mocinha
quando se declarou ao seu grade amor. A sequência, especialmente fotografada em
preto e branco, ao mesmo tempo que diverte é também carregada de emoção fazendo
alusão ao fato de que sem sonhos não há porque viver.
-->
Nenhum comentário:
Postar um comentário