terça-feira, 16 de março de 2021

ELSA E FRED


Nota 8 Refilmagem não traz novidades, mas compensa com talento e carisma dos protagonistas

Nos últimos anos, a turma na faixa dos 30 ou 40 e poucos anos tem se identificado com comédias feitas sob medida, principalmente o público masculino, mas a terceira idade ainda sente falta de se ver representada no gênero. Geralmente os maduros e idosos são retratados de forma estereotipada. Deprimidos, ensandecidos ou assanhados são os tipos mais comuns. Produções como Alguém Tem Que Ceder ou Garotas do Calendário são raras exceções à regra mostrando de forma digna que o pessoal mais vivido tem direito a ter objetivos, se divertir e se relacionar amorosamente, afinal enquanto ainda existem sonhos e planos a serem concretizados há vida para ser aproveitada. Em 2005, um singelo filme argentino apresentou uma cativante história envolvendo dois vizinhos idosos de temperamentos e comportamentos completamente opostos, mas que viriam a descobrir que se completavam. É sabido que os americanos não gostam de ler legendas e tampouco são adeptos de dublagens e esta seria a principal justificativa para a existência Elsa e Fred, homônimo ao original, mas descartando o subtítulo "um amor de paixão". O remake revisita a história de Elsa Hayes (Shirley MacLaine), uma senhora extrovertida e de bem com a vida, apesar dos problemas de saúde, e que mora sozinha em seu apartamento. Sua rotina ganha novos ares com a chegada de um novo vizinho, o também velhinho Fred Barcroft (Christopher Plummer), um senhor rabugento que faz a mudança a contragosto após ficar viúvo há alguns meses.

Elsa é uma contadora de causos e vive cada dia intensamente como se fosse o último enquanto Fred passa os dias deitado na cama ou no sofá como se lhe restasse apenas esperar por seu derradeiro suspiro. Quando se conhecem, as rusgas são o cartão de visitas, mas com o tempo uma admiração muito grande e uma improvável paixão surge. O diretor Michael Radford oferece uma revisão quase literal de cena por cena do longa argentino fazendo apenas pequenos ajustes quanto a personalidade dos personagens. A principal mudança fica a cargo do temperamento de Fred que nesta versão acentua o tom ranheta e de mal com a vida. Salvo raras exceções, as adaptações de filmes geralmente fracassam por simplesmente copiarem o que já foi feito e ter o ônus de perderem o impacto oferecido pelo original, além de sofrerem com o estigma das inevitáveis comparações. Dificilmente a naturalidade e a emoção conquistados em um primeiro momento conseguirão ser repetidos. Se fosse pelo roteiro de Anna Pavignano, em parceria com o próprio Radford repetindo a dobradinha do premiado O Carteiro e o Poeta, esta adaptação, apesar de não ter erros incômodos ou grosseiros, seria apenas mais um filme, mas não se pode ignorar a atuação de seus protagonistas. MacLaine e Plummer são carismáticos e não precisam provar seus talentos, mas fica a incômoda sensação de que ofereceram algo aquém de suas capacidades.

O problema não é a atuação da dupla veterana especificamente, mas sim a inevitável comparação com as interpretações de China Zorrilla e Manuel Alexandre no longa original que se beneficiaram do até então material inédito. Por mais que se esforcem, o casal de atores americanos fica à sombra do que foi apresentado pelo argentino. Prejudica também o fato de que embora a refilmagem faça cópia até mesmo de falas e gestuais, ela parece não respeitar a mesma cadência de emoções. Os protagonistas se aproximam e desenvolvem intimidade com certa rapidez, o que invalida o argumento de que suas personalidades são completamente diferentes. Diz o ditado que os opostos se atraem, mas convenhamos que pessoas de idade se habituam a rotinas e dificilmente aceitam mudanças. Nesta relação, implica Elsa ter paciência para lidar com a sisudez de Fred e este, por sua vez, ter boa vontade para conviver com o entusiasmo da vizinha. O equilíbrio entre eles é encontrado muito facilmente e as situações de atritos propostas são resolvidas como em um passe de mágica. Não é algo impossível de acontecer, mas com tal rapidez fica difícil o convencimento. É nesse ponto que podemos dizer que esta refilmagem é um típico filme de ator. Se o roteiro e a direção oferecem brechas para críticas, o trabalho dos intérpretes consegue envolver a tal ponto das falhas serem relevadas. Assiste-se pelo deleite de vê-los em cena e no caso o interesse é ainda maior por se tratar de duas lendas de Hollywood agindo como adolescentes apaixonados, mas cientes de que estão aproveitando seus últimos momentos de felicidade. 

Contudo, o filme não tem apenas os veteranos em cena. Elsa não faz cerimônia para usufruir do dinheiro do primogênito Raymond (Scott Bakula) e ainda aproveita para investir nas ambições artísticas do caçula Alec (Reg Rogers). Já Fred tem a proteção exagerada da filha Lydia (Marcia Gay Harden) que ainda o perturba com os constantes pedidos para investir financeiramente nas invenções absurdas de seu marido Jack (Chris Noth) e também para que aceite a ajuda de Laverne (Erika Alexander), a empregada que contratou. Fica também à margem da trama Max (James Brolin), que surge momentaneamente para aconselhar o velhinho quanto as loucuras de sua vizinha, explicando também o arrependimento de tê-la deixado para trás. Os coadjuvantes são totalmente desperdiçados e na maioria das vezes entram em cena apenas para os idosos reafirmarem que podem viver sozinhos. Elsa e Fred tem como único objetivo iluminar personagens frequentemente relegados a papeis estereotipados ou até mesmo sem função. Mostra que o representante da terceira idade está tão vivo quanto uma criança e dessa forma pode e deve se divertir, ter livre arbítrio e por que não viver um romance?

Quem não assistiu à fita argentina certamente irá se encantar por esta experiência que, embora seja classificada como uma comédia romântica, na verdade mais parece uma condensação de momentos alegres vividos por duas pessoas maduras que não se aproximam por interesse sexual, talvez nem mesmo amor de verdade, mas sim por companheirismo. Quem conferir as duas versões não poderá criticar severamente o remake, mas certamente concordará que não havia necessidade. De qualquer forma, além da história leve e inspiradora, a produção oferece um bônus, principalmente aos nostálgicos. Elsa é apaixonada pelo clássico filme italiano A Doce Vida e nutre um incrível desejo de reviver uma das cenas rodadas na famosa Fontana di Trevi. E de fato ela consegue, com direito ao figuro idêntico ao da mocinha quando se declarou ao seu grade amor. A sequência, especialmente fotografada em preto e branco, ao mesmo tempo que diverte é também carregada de emoção fazendo alusão ao fato de que sem sonhos não há porque viver.

Comédia romântica - 94 min - 2014


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