sexta-feira, 21 de maio de 2021

PERFUME - A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO


Nota 9 Suspense de época revela-se uma grata surpresa que recicla o perfil do assassino em série


As qualidades técnicas dos filmes avançaram tanto que pensar no cinema como mera atividade visual ou auditiva é quase coisa do passado. Câmeras de alta definição tratam de captar com perfeição as imagens de tal forma a transmitir a sensação do toque em um tecido ou sentir a textura de uma parede, por exemplo. Com o apuro visual e capricho da direção de arte, também é possível buscar em nossas memórias gustativas o sabor que teria as iguarias servidas em banquetes e festas. E quanto aos cheiros? Bem, dependendo da produção, hoje temos salas de cinema que até oferecem borrifada de essências em momentos estratégicos para perfumar o espaço. Não duvide que logo surja alguma engenhoca para reproduzir as mesmas sensações no aconchego do seu lar. Bem, tomara que as coisas não cheguem a tal ponto, caso contrário produções como Perfume – A História de um Assassino perderão boa parte de seu charme e qualidades. A obra é baseada no romance "Das Parfum", do alemão Patrick Süskind, lançado em 1985 e que rapidamente tornou-se um best seller, mas a demora para ser adaptado para o audiovisual se deve as negativas do próprio autor. Tim Burton, Martin Scorsese, Ridley Scott e Milos Forman foram alguns dos diretores interessados, mas o escritor afirmava que só tinha interesse em ceder sua obra à Stanley Kubrick que chegou a se negociar, mas concluiu que a transposição do conteúdo para as telonas era algo impossível por um claríssimo detalhe: cinema não tem cheiro. 

Anos mais tarde, Süskind conscientizou-se que seu sonho teria que ser esquecido ou entregue a outro realizador. O diretor Tom Tykwer então assumiu a difícil missão de surpreender o público tal qual fez com o cultuado Corra, Lola, Corra. Com narração pontual do início ao fim como uma fábula, a adaptação feita pelo próprio cineasta em parceria com Andrew Birkin e Bernd Eichinger nos transporta para a Paris de meados do século 18 para narrar a trajetória de Jean-Baptiste Grenouille (Ben Winshaw) desde seu difícil nascimento. Sua mãe vendia peixes em uma fétida feira e pariu o filho ali mesmo, mas estava decidida a abandoná-lo. Delatada por outros comerciantes, ela acabou sendo executada. Esse detalhe é importante porque a morte sempre rondou a vida do rapaz que cresceu em um orfanato, mas foi vendido para trabalhar em um curtume. Sempre que se separava de alguém esta pessoa vinha a falecer, no entanto, Grenouille parecia ser dotado de características especiais que lhe ajudavam a vencer adversidades como a dura vida na fábrica de couros cujas químicas empregadas limitavam a vida de um trabalhador para no máximo cinco anos, mas ele quebrou tal paradigma e se tornou um exemplo de superação. O rapaz logo descobre um dom incomum, sendo capaz de diferenciar os mais variados odores e tratou de aperfeiçoar tal característica a tal ponto de distinguir cheiros distantes ou de objetos aparentemente inodoros. Esses primeiros anos de sua vida são resumidos de forma rápida, mas realçando o essencial para compreendermos a sua trajetória.


 Já adulto, Grenouille torna-se aprendiz do italiano Giuseppe Baldino (Dustin Hoffman), um alquimista cujas misturas já não atraem freguesia como antes, mas logo ele supera seu mestre na arte de manipular essências e revitaliza seu comércio. Apesar das constantes discussões para medir quem sabe mais, é com o veterano que o jovem aprende uma importante lição sobre as essências imprescindíveis para a composição de um perfume de qualidade, mas o mestre afirma não saber como bloquear o processo de envelhecimento das mesmas. Assim, ao dominar os cheiros mais comuns, o aprendiz decide partir para a cidade de Grasse, a capital mundial da perfumaria, onde buscava se aperfeiçoar, mas estranhamente seu objetivo acaba se tornando uma doentia obsessão. Quando atraído pelo odor natural de uma garota, ele acaba instintivamente a matando-a na esperança de preservar o seu cheiro, porém, logo percebeu que seria necessária uma técnica especial para não deixá-lo se esvair. Assim nasce seu desejo de criar uma fragrância inédita e duradoura a partir da mistura das essências capturadas de mulheres cujos cheiros lhe atraiam por algum motivo. Através de banha de porco aplicada aos corpos seria possível absorver aromas, mas obviamente não haveria voluntárias e matar era a única forma de saciar o desejo do rapaz que guardava cuidadosamente em pequenos frascos o material extraído. Após algumas mortes misteriosas, e sempre de mulheres virgens, é outorgado o toque de recolher para as damas, mas mesmo com todos os cuidados Antoine Richis (Alan Rickman) teme que sua filha Laura (Rachel Hurd-Wood) seja uma das próximas vítimas e automaticamente este homem torna-se um potencial rival de Grenouille. 

Winshaw surpreende com uma atuação segura e que tinha tudo para beirar o ridículo, afinal de contas não é fácil convencer alguém que o vidro tem odor característico, por exemplo. Seu personagem foi criado sem bases morais ou que lhe ensinassem a distinguir as consequências de atos brutais, mas ainda assim consegue transmitir com perfeição inocência e perigo simultaneamente, o que coloca o público a seu favor. Mesmo cientes de que ele está matando para satisfazer um capricho pessoal, nos custa apontá-lo como um frio assassino quando estamos embriagados por seu narcisismo. Ele não é masoquista e tampouco pervertido, simplesmente tornou-se vítima da insanidade e do ego. Quando saiu de Paris percebeu estar fadado a solidão eterna e que não significava nada para ninguém, assim só um grande feito poderia tornar sua passagem pela vida válida e memorável. É então que o personagem assume sua porção maligna capaz de cegá-lo e transformá-lo em sum serial killer. O tema obsessão em si já não é fácil por conta de sua natureza (patologias e ansiedades de ordem pessoal), mas é ainda mais complicado de ser abordado quando acarreta problemas sociais e para desenvolvê-lo com perfeição é preciso ter talento e muito conhecimento a respeito. 


Muitos reclamam da excessiva duração da fita, mas o que poderia ser limado do conjunto seria uma quantidade mínima de cenas que pouca diferença faria. Cada detalhe narrativo ou visual parece ser de suma importância e resumir o enredo à uma simples trama sobre assassinatos é um erro gravíssimo, a começar pelo fato de ser uma história que envolve todo um contexto histórico e psicológico para fazer sentido, o que agrega à obra certo valor intelectual. Perfume – A História de um Assassino exige sensibilidade apuradíssima a quem se dispor a assisti-lo. Repleto de qualidades visuais, sonoras, interpretativas e um texto original, esta é uma obra atípica e que merecia estudos aprofundados tanto por seu conteúdo quanto pelo que representado como cinema. Tal qual uma fragrância que agrada e desagrada em proporções semelhantes, não se espante com a quantidade de elogios e críticas negativas à produção. Só experimentando para ter sua opinião definitiva. Embora coprodução entre a França, a Espanha e a Alemanha, para conseguir capital para bancar uma das produções mais caras de todos os tempos da Europa, foi preciso recorrer ao apoio de investidores norte-americanos que exigiram que o filme fosse falado em inglês, parte do elenco composto por rostos famosos e tivesse um pouco de nudez feminina para acentuar a aura de conto de fadas para adultos, tudo para ajudar nas vendas internacionais. Tykwer deu seu jeitinho de fazer concessões, mas sem vender grotescamente o projeto felizmente.

Suspense - 147 min - 2006 

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