Nota 4,0 Insossa mescla de drama e romance serve apenas como publicidade para Jennifer Lopez
No final dos anos 1990, Jennifer Lopez despontava no mundo da música, mas tal qual Cher e Madonna, tal universo lhe era pequeno demais e sentia potencial para também ser atriz. Se aventurando pelos mais variados gêneros, as comédias românticas lhe abrigaram com maior conforto anos mais tarde, nos fazendo esquecer de certos deslizes anteriores como Olhar de Anjo, projeto no qual deixou seu ego inflar e fez questão de ser o centro das atenções deste drama chinfrim no qual nada de muito interessante acontece. Os problemas já começam pelo título que faz alusão a uma história mística que não se encontra no filme. O tal anjo mencionado deve ser uma referência a beleza angelical da protagonista ou ao seu olhar complacente que parece querer lacrimejar a todo instante. A intenção do roteirista Gerald Di Pego, autor de Fenômeno, seria contar uma bela história tendo como mote a explanação de como nossas vidas são influenciadas pelas memórias que coletamos com o passar dos anos, sejam elas felizes ou não.
Lopez interpreta Sharon Pogue, uma policial durona e dedicada ao trabalho que, afastada há muitos anos de sua família, agora tenta se reaproximar da mãe Josephine (Sônia Braga) e do irmão Larry (Jeremy Sisto), mas sempre acaba esbarrando em ressentimentos por conta de episódios de violência doméstica que culminaram na prisão de Carl (Victor Argo), seu próprio pai. Enquanto enfrenta sua amargura, a moça conhece e se envolve com o misterioso Catch (Jim Caviezel), um sujeito que vive perambulando pelas ruas e que, por sua vez, também carrega traumas emocionais devido a terríveis acontecimentos. Um tanto arredio e reservado, ele demonstra ter algum bloqueio mental ou sentimental que o impede de revelar qualquer coisa sobre seu cotidiano, mas vivendo de forma extremamente solitária, ele encontra em Sharon alguém com quem pode se identificar e ser estimulado a seguir em frente. À medida que o relacionamento do casal vai se desenvolvendo eles são obrigados a enfrentar o passado e assim descobrem um fato em comum que justifica suas aproximações.
Não raramente nossa percepção de determinados lugares ou pessoas pode ser alterada por um acontecimento infeliz, mesmo que outras tantas boas recordações estejam a elas associadas. Seria uma tendência natural do ser humano permitir que suas experiências negativas sobressaiam às positivas, o que pode explicar o tom melancólico desta produção. Infelizmente, a narrativa não aprofunda o tema e se rende ao melodrama e clichês, além de tentar imprimir um tom sobrenatural que jamais se justifica. O curioso é que Sharon e Catch são personagens com perfis e históricos de vida bem interessantes, mas alocados em um enredo que não tira o melhor proveito dessas qualidades. A protagonista torna-se uma figura de várias facetas ao longa da trama graças à complexidade inerente a sua personalidade. Sempre incomodada pelo fato de seus encontros amorosos geralmente serem motivados por curiosidades quanto a sua rotina de trabalho, por outro lado, a policial sente-se muito confortável na companhia de seus colegas do sexo masculino que a tratam de forma igualitária, respeitosa e profissional. Ainda que apareça em várias cenas de perseguição e que exigem esforços físicos, é importante ressaltar o esmero estético da produção, o que no caso não é um elogio. Lopez está sempre com o cabelo e a maquiagem impecáveis, o que interfere na verossimilhança do conjunto, mas a contento do diretor Luis Mandoki que parece ter moldado seu trabalho em razão da beleza da atriz, a ponto dos demais personagens terem aparentemente como única função admirá-la.
Na época a internet ainda não era uma ferramenta de grande alcance popular, mas já mostrava-se forte o bastante para espalhar o boato de que nossa conterrânea Braga detestou trabalhar ao lado de Lopez tamanho seu estrelismo na frente e atrás das câmeras. Verdade ou mentira, uma coisa é fato: a brasileira tem seu talento desperdiçado surgindo em apenas algumas poucas cenas rápidas e com o mínimo de falas possível para não evidenciar seu sotaque diferenciado. Já Caviezel compõem um perfil que poderia facilmente cair no ridículo ou se transformar em uma caricatura, afinal é um personagem obcecado pelo propósito de ignorar o passado e aparentemente vive em um universo paralelo. Catch se torna uma figura humanizada e trágica graças ao desempenho sensível e comedido do ator, embora ele tenha feito um papel muito semelhante pouco antes no superior A Corrente do Bem. Sua aproximação com a protagonista segue a linha dos opostos que se atraem. Ele, apesar da inerente carga dramática que carrega, mostra-se um homem doce, suave e paciente. Em contrapartida, seu interesse amoroso é uma mulher rude, amargurada e não consegue disfarçar suas tristezas e remorsos.
O enredo se desenvolve sem o menor lampejo de criatividade, de maneira cansativa aos olhos do espectador e certamente constrangedora para o elenco, talvez menos para Lopez que, mesmo com poucos anos de carreira como atriz, já parecia um tanto acomodada. No início, ela parecia mais comprometida a aprender o ofício com gente renomada como Francis Ford Coppola, Oliver Stone e Steven Soderbergh, ainda que tenha participado do controverso Anaconda. Contudo, para conciliar a agenda de shows, a moça acabou tendo que se contentar com projetos mais simplórios e de filmagens rápidas, como Olhar de Anjo, uma obra formulaica e sem vida. O mexicano Mandoki, cujo título mais relevante é o antigo e esquecido Gaby - Uma História Verdadeira, até começa bem equilibrando a estranheza e atração concomitantes nos encontros entre Sharon e Catch, mas a partir do momento que é revelado (sem surpresa alguma) o porquê de terem se aproximado, o filme entra em um turbilhão de clichês e exagera no tom melodramático. Sem identidade própria, a obra não convence quanto a sua autenticidade e passa tediosa e despercebida aos olhos do espectador.
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