quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A ENFERMEIRA BETTY


Nota 9,0 Com trama inteligente e sarcástica, longa debocha dos americanos e da influência da TV


No Brasil conhecemos bem o poder de atração que as telenovelas exercem sobre o público, chegando em alguns casos a parar o país para acompanhar o último capítulo. Tal produto também é de apelo popular em outros países latinos, mas é difícil acreditar que em solo americano, onde os seriados são uma febre, os dramalhões televisivos sejam capazes de envolver da mesma forma. Todavia, é justamente esse o cerne da simpática comédia A Enfermeira Betty que catapultou a carreira de Renée Zellweger sendo eleita a Melhor Atriz de Comédia ou Musical no Globo de Ouro, todavia, o Oscar a esnobou. Ela interpreta o papel-título que na verdade é uma simples garçonete de uma cafeteria que leva uma vida medíocre ao lado do marido infiel, o mulherengo Del (Aaron Eckhart) que a trata com desdém. Seu cotidiano monótono só ganha vida nos momentos em que assiste "Uma Razão Para Amar", uma novela capaz de afastá-la da apatia de seu casamento e trabalho, a fascinando principalmente pelo protagonista, o charmoso médico cirurgião David Ravell (Greg Kinnear). 

Mal sabia a jovem e sonhadora garçonete que sua vida viria a se cruzar com a ficção quando testemunha às escondidas o violento assassinato de seu companheiro por uma dupla de criminosos que invade sua casa a fim de recuperar drogas que ele roubou. Chocada com o episódio, Betty sofre um baque psicológico e entra em uma realidade alternativa passando a acreditar que é uma enfermeira, profissão que de fato desejaria ter, mas também acha que as ações do folhetim são verdadeiras, assim segue rumo a Los Angeles para encontrar o tal ator da atração crente que ele é realmente um médico e também o grande amor de sua vida, o qual abandonou no altar anos atrás. Contudo, enquanto vive esta fantasia, o mundo real está em movimento. Para pôr o pé na estrada, Betty acaba se apossando do veículo dos bandidos, assim Wesley (Chris Rock) ironicamente passa a considerá-la uma pessoa perigosa, de sangue frio e calculista, enquanto Charlie (Morgan Freeman) apaixona-se por ela a conhecendo apenas por fotografia. 


Os bandidos então seguem no encalço da sonhadora mulher que realmente encontra Ravell, ou melhor, o ator George McCord que pensa que ela é uma aspirante a atriz cheia de vontade e autoconfiança, tanto que não deixa de interpretar nem mesmo nos intervalos das gravações. E assim o astro acaba lhe arranjando um papel na novela como assistente de seu personagem, o que acaba por confundir ainda mais a cabeça de Betty que perde completamente a noção do que é realidade, invenção de sua mente e o que faz parte do roteiro do tal programa. Com resquícios de A Rosa Púrpura do Cairo O Show de Truman, o roteiro de John C. Richards e James Flamberg foi premiado no Festival de Cannes contando uma história que usa e abusa da metalinguagem e do sarcasmo, além de oferecer uma penca de personagens peculiares e hilariantes. Trata-se de uma deliciosa produção de humor negro marcada por diálogos inteligentes, interpretações inspiradas e que crítica de forma mordaz a alienação provocada pela televisão quando consumida em excesso. 

A mistura de fantasia e realidade transforma o filme em uma obra sem rótulos fáceis e de natureza incomum para os padrões hollywoodianos, assim não é uma obra para grandes públicos, ficando à margem do que se espera comumente de uma comédia. O diretor Neil LaBute foi acusado de ser misógino em sua estreia com Na Companhia de Homens e demonstrou de fato ter apreço a polêmicas com Seus Amigos, Seus Vizinhos. Caso sejam informações procedentes,  com A Enfermeira Betty, seu terceiro longa, ele apresentou seu pedido de desculpas e fez as pazes com a crítica. Mesmo com o excesso de personagens masculinos, o cineasta faz de tudo para Zelwegger se destacar e ela própria agarrou a oportunidade com todas as suas forças. Apesar de todas as armadilhas que o papel oferece, sua Betty é extremamente carismática e sensível e desde a primeira aparição já envolve o espectador irremediavelmente. 


Vale destacar que o passageiro transtorno mental da protagonista é tratado com respeito sendo aproveitado apenas em prol do desenvolvimento da trama fugindo da previsibilidade. Em uma comédia romântica convencional o romance com o médico/ator certamente seria o centro das atenções cercado de todos os clichês possíveis, mas LaBute trabalha essa história de amor pelo viés da excentricidade no qual o desencontro de informações dita os rumos. O violento mundo real é contrastado com a realidade fictícia, um universo muito mais inocente e acolhedor, o que justifica o fascínio da protagonista em fazer parte de uma história que não é a sua, mas que a televisão lhe dá o direito de vivenciar lhe garantindo diversão e alguns momentos de prazer. Assim, o longa acaba também exaltando a manipulação (no bom sentido) do próprio cinema, afinal compartilha de um fundamento básico também da TV: entreter é uma arte e a arte enaltece a vida.

Comédia - 110 min - 2000

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