segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

VOZES


Nota 7 Longa espanhol recicla a fórmula da casa assombrada com méritos, mas derrapa no final


Na ânsia de abastecer seus catálogos, os serviços de streaming estão cada vez mais investindo em produtos exclusivos, sejam produções originais ou adquiridas de produtoras independentes mundo afora. Tem muita coisa ruim, é verdade, mas também há excelentes obras que teriam potencial para justificar suas exibições nas telonas do cinema. A Netflix tem surpreendido com alguns títulos, como é o caso do longa espanhol Vozes que costuma apavorar quem assiste com uma narrativa tensa e instigante que dá sobrevida a temática da casa assombrada. Daniel (Rodolfo Sanches) e a esposa Sara (Belén Fabra) levam uma vida itinerante. Eles misturam a vida profissional com a pessoal ao adotarem como meio de vida a compra de casas deterioradas a um preço baixo para restaurá-las e em seguida as colocar à venda. Durante o processo de recuperação das moradias, o casal se muda para o local junto com Eric (Lucas Blas), seu pequeno e único filho, o que obriga o garoto a passar constantemente por um processo de readaptação a um novo ambiente que lhe acarreta certos problemas comportamentais.

Quando a família se muda para um antigo e isolado casarão, logo no primeiro dia o menino começa a ouvir vozes estranhas saídas de dentro do rádio de comunicação com o qual costuma brincar e, como forma de extravasar seus anseios e pavores, o garoto passa a desenhar tudo o que escuta de sinistro. Macabras e aparentemente desconexas, as criações de Eric ficam expostas nas paredes de seu quarto, mas são ignoradas por seus pais que demonstram certo egoísmo ao se preocuparem mais com os detalhes da reforma da casa. Não demora muito para que eventos estranhos passem a acontecer e culminem na morte da criança misteriosamente atraída até a piscina da casa altas horas da noite. Abalada, Sara resolve voltar para a casa dos pais enquanto Daniel permanece no casarão para acabar a reforma o mais rápido possível para se livrar do local que guarda amargas lembranças. No entanto, certa noite enquanto enviava uma mensagem de voz para a esposa, o restaurador percebe que a gravação captou um estranho barulho.


Ao analisar minuciosamente o sinal captado, Daniel percebe que o tal ruído é de seu próprio filho pedindo socorro, suposição que acredita piamente ao ver no computador que em tal trecho há ausência de ondas sonoras, um dos indícios de comunicação dos mortos segundo os estudos de Germán (Ramón Bare), um idoso especialista em fenômenos paranormais que o pai desesperado procura pedindo ajuda. A vida toda o estudioso procurou investigar um caso que comprovasse suas teorias, principalmente depois que sua mulher faleceu sob circunstâncias suspeitas, e decide então passar uns dias no casarão na companhia de Sofia (Nerea Barros), sua filha cética quanto as questões da existência do além, mas que o ajuda com os aparatos tecnológicos necessários para as investigações, como microfones e câmeras de ultra sensibilidade. Já dá para imaginar o caminho que será trilhado pelo roteiro de Santiago Diaz. Sabemos que há um elemento sobrenatural no local, mas a trama paulatinamente vai crescendo em tensão e tem como mérito fazer com que o espectador vá desvendando o mistério sentindo-se inserido na ação junto aos personagens.

O enredo é construído de maneira muito atenta aos detalhes para deixar dúvidas e expectativas no ar, o mínimo que se espera de um bom filme de terror ou suspense. Colaborando com o texto, a direção de Ángel Gomez Hernandéz também traz bons momentos como, por exemplo, no momento em que Daniel está gravando a tal mensagem que deflagra todo seu calvário e ao fundo vemos uma sinistra sombra se aproximando, contudo, o cineasta inverte expectativas ao não apresentar um ataque e sim jogar na tela indícios que despertam a atenção do protagonista quanto a presença de mais alguém na casa. Em uma sequência mais adiante, Sara retorna ao local acreditando que seu filho está vivo e escondido em algum lugar e ao procurar embaixo da cama de Eric acaba tendo uma visão aterradora. Esse é o ponto alto do longa com a mãe desesperada alternando seu olhar para baixo e acima da cama para se certificar do que acabara de ver, um habilidoso trabalho de câmera do diretor. A partir de então a trama tenta encontrar suporte buscando justificativas em fatos históricos relacionados ao período marcado pela Inquisição Espanhola, considerada uma das mais cruéis intervenções da Igreja católica.


Com direção de arte, iluminação e edição caprichadas que acentuam o clima de tensão, tecnicamente Vozes só derrapa pelo excesso de jump scares, os movimentos bruscos de câmera que em filmes do tipo servem como alusão a movimentação de possíveis fantasmas. A maioria deles não configuram ameaças reais, apenas espasmos dos personagens que se sentem amedrontados pela própria atmosfera da ambientação. Mesmo quando quer confirmar a presença de elementos sobrenaturais, Hernandéz é econômico e habilidoso ao inseri-los de forma a instigar ainda mais o espectador. O último ato infelizmente não é tão bom quanto o restante da narrativa, sendo uma resolução ao mistério um pouco apressada, previsível e até fraquinha em relação ao potencial da história. Contudo, a produção encerra com chave de ouro com uma impactante cena que remete ao take de abertura da narrativa. No conjunto, uma opção acima da média e que prova que a Espanha ainda é um celeiro de obras de horror, não apenas um modismo passageiro como muitos previam.

Terror - 98 min - 2020

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