terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O GATO


Nota 3 Multicolorido e ágil, longa parece uma forçosa colagem de esquetes de humor aleatórios

O escritor de obras infantis Dr. Seuss ficou famoso mundialmente graças a adaptação para o cinema de seu clássico livro "Como o Grinch Roubou o Natal". Estrelado por Jim Carrey, O Grinch provavelmente foi um dos filmes com temática natalina mais bem sucedido de todos os tempos, assim era de se esperar que outras publicações do autor ganhassem suas versões cinematográficas. O Gato foi a aposta que veio na sequência, mas nem de longe repetiu o sucesso do monstrengo que odiava o Natal, embora ambas as produções guardem certas semelhanças. Além do visual extremamente colorido e a ação se passar em uma espécie de universo paralelo onde tudo é possível, os personagens-título são figuras bizarras e hiperativas capazes de ações inesperadas e despejar centenas de palavras em poucos segundos. Mike Myers, o eterno agente Austin Powers, foi o escolhido para desta vez ter seu corpo completamente escondido sob uma fantasia e maquiagem caprichadas que certamente exigiam várias horas de preparação do ator. O papel lhe dá inúmeras possibilidades para extravasar seu conhecido histrionismo, porém, ela passa um pouco do tolerável e assim consegue irritar mais do que divertir.

Baseado no livro "O Gatola na Cartola", que soaria bem mais interessante também como título do filme, a trama é das mais simples possíveis. Joan Walden (Kelly Preston) é chamada de última hora para um compromisso de trabalho e precisa deixar em casa os filhos pequenos Conrad (Spencer Breslin) e Sally (Dakota Fanning). Ainda que fiquem aos cuidados da Sra. Kwan (Amy Hill), que na verdade não faz mais nada que dormir, as crianças sentem-se entediadas durante esta tarde ociosa e inesperadamente recebem a visita do tal felino do título. Ainda que no início fiquem assustadas, logo o jeito divertido e tresloucado do excêntrico babá as conquista e um clima de festa toma conta da casa que se torna palco das maiores loucuras, mas a diversão também pode se estender para o lado de fora, afinal para o Gato a diversão não tem limites. Isso exige de Myers muito fôlego para encarar diálogos acelerados, acrobacias, caras e bocas, trocas de cenários e de acessórios de figurinos e ainda concentração para deixar transparecer que o personagem tem alma, não é uma figura computadorizada, existe alguém por baixo da fantasia em um grande exercício de interpretação.


Myers se esforça, mas falta a seu personagem o que tinha de sobra em Carrey na pele do Grinch: carisma. O tal Gato acaba idiotizado, uma criatura que irrita com suas piadas em demasia e humor por vezes escatológico, uma composição de perfil que destoa do personagem delineado nas páginas do livro do Dr. Seuss. Na visão do diretor Bo Welch o felino solta arrotos, fala palavrões e intencionalmente sofre de flatulência, todavia, tais peculiaridades são muito bem disfarçadas para não dar mal exemplo à molecada que pode se chocar de outra maneira. Os trejeitos empregados pelo ator aliado ao seu figurino nem sempre garantem um visão engraçadinha ou bonitinha do personagem. Crianças muito pequenas podem chegar a se assustar, embora ironicamente a produção se destine a faixa etária ainda em pré-alfabetização quando literalmente uma imagem vale mais que mil palavras. A direção de arte capricha para captar a atenção e apesar dos exageros de cores e detalhes, que num piscar de olhos podem escapar ao espectador, tudo funciona dentro do contexto lúdico proposto.

Ainda que tenha uma duração relativamente curta, o ritmo alucinante com que as situações são desenvolvidas beneficia a produção que não se estende além do necessário, encerrando-se no momento ideal justamente quando o espectador começa a ficar saturado de tanta algazarra. Por outro lado, fica a sensação incômoda de que acompanhamos apenas uma colagem de esquetes de humor. Os roteiristas Alec Berg e David Mandel não souberam dar uma unidade ao conjunto de cenas, mas acertaram ao dar a impressão de que assistimos a uma mescla de desenho animado com atores reais. Num universo onde tudo é possível, a dupla ao menos fugiu do clichê realidade versus fantasia. O cotidiano vazio dos irmãos não é tingido de tons escuros ou pastéis para fazer contraponto a ideia de colorir suas vidas com a chegado do Gato. A própria casa das crianças é multicolorida e cheia de quinquilharias, um prato cheio para o felino que usa e abusa da criatividade para fazer brincadeiras com tudo o que está à disposição, inclusive a própria Sra. Kwan que não acorda mesmo que o teto caia sobre sua cabeça. Caso não encontre o que precisa para brincar, para o gatola não há problemas quando se pode literalmente tirar de tudo de dentro de uma cartola.


As crianças agraciadas com a visita do felino não chegam a cativar por completo devido a seus perfis não serem aprofundados. Estão em cena apenas para se divertirem e ponto final, mas nem por isso deixam de conquistar o espectador. Fanning, na época já uma atriz-mirim bastante requisitada, surpreende com uma personagem mais de acordo com sua idade, apenas uma garotinha querendo ser feliz e brincar até não poder mais, um descanso para sua imagem muito atrelada a certo semblante tristonho de papeis que teimavam a lhe oferecer, embora seu talento precoce já apontasse amadurecimento para encarar tipos melancólicos. A garota forma uma dupla harmoniosa com Breslin que interpreta um pirralho chatinho e com certo quê de metido, mas que no fundo também só quer aproveitar a chance de poder zoar à vontade. Sem dúvidas as crianças e o próprio Myers se divertiram à beça durante as filmagens de O Gato, mas a mesma vibe não reverberou com o público e crítica. Tachado como um dos piores filmes já realizados, a produção nem teve a chance de candidatar-se a clássico sessão da tarde e praticamente simultâneo a seu lançamento já reservou seu lugar no limbo cinematográfico. Longe de ser uma das piores coisas já filmadas, para curtir o filme é necessário mandar às favas qualquer vínculo com a realidade e deixar aflorar a criança que ainda vive dentro de você, afinal quem nunca quis ter a oportunidade de brincar até colocar a casa de pernas para o ar e num piscar de olhos ter tudo organizado para bancar o santinho para os pais?

Comédia - 82 min - 2003

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