segunda-feira, 12 de abril de 2021

MALENA


Nota 8 O amadurecimento pelos olhos de um garoto e crueldade da sociedade pela visão feminina


Giuseppe Tornatore não é um simples diretor. Suas obras em geral levam sua assinatura tanto no visual quanto nos enredos e trilhas sonoras. É fácil identificar um trabalho seu. Em Cinema Paradiso, por exemplo, o italiano acertou do início ao fim, mas as características e temáticas celebradas em seu grande sucesso acabaram se tornando repetitivas em seus trabalhos seguintes. Malena não foge a regra e reúne tudo de bom que o cineasta tem a oferecer e ao mesmo tempo seus (poucos) defeitos. A trama se passa no início da década de 1940, em pleno auge da Segunda Guerra Mundial, mas nada de interessante acontece na pacata Castelcuto, um pequeno vilarejo da costa siciliana. Renato (Giuseppe Sulfaro) é um garoto que está vivenciando as primeiras descobertas e dúvidas da fase pré-adolescente. O símbolo de seu amadurecimento torna-se a bicicleta usada que ganhara de seu pai, o que lhe garante mais liberdade para percorrer toda a cidade bem como seus arredores. No mesmo dia, ganha um outro surpreendente presente. Sua vida tranquila e sem grandes preocupações muda radicalmente quando conhece a personagem-título, interpretada por Monica Belucci. 

A partir de então, diariamente sentados um ao lado do outro em um mesmo ponto, Renato e seus amigos não perdem a chance de contemplar a beleza e sensualidade da nova vizinha. Recém chegada na cidade e sem o marido a tira-colo que fora convocado para os campos de batalha, a voluptuosa Malena é a mais nova e irresistível atração do local e seus passeios rotineiros transformam-se em um espetáculo à parte que desperta os olhares de cobiça dos homens e os invejosos comentários das mulheres. Aos poucos, o garoto transforma o seu desejo em uma poderosa fantasia e por amor a esta dama aprenderá lições de vida e irá a lugares que jamais imaginou. Porém, não será nada fácil ver sua musa sofrendo preconceitos, inclusive agressões físicas, quando ela não tem mais dinheiro para sobreviver e se vê obrigada a se prostituir. Inspirado em um conto autobiográfico de Luciano Vincenzoni, a narrativa escrita pelo Tornatore se sustenta basicamente por uma história de amor platônico. Curiosamente, a trajetória em si da da dama do título mostra-se um tanto desinteressante, visto que seu sofrimento por conta da rejeição na cidade e problemas financeiros  é narrado pelo ponto de vista sonhador e ainda ingênuo de Renato. 


De fato, Malena e Renato nunca se encontram pessoalmente, a não ser nas fantasias dele.  O garoto acredita piamente que assim que tiver idade para usar calças compridas e cultivar bigodes terá uma chance com a bela morena, mas enquanto esse momento não chega se dedica a proteger o seu objeto de desejo e a "homenageá-la" (em bom português o ato da masturbação mostrado de forma sutil e engraçadinha). Ao mesmo tempo que vivencia este sonho delicioso, a dura realidade da vida também se faz presente em seu cotidiano. Privações, intolerância e a angústia de saber que em algum lugar seus conterrâneos estão lutando e até morrendo por motivos que nem sabem ao certo o forçam a flertar com o amadurecimento forçado. O amor de Renato pelo cinema o ajuda a enfrentar tais dificuldades. Ele consegue se ver dentro dos filmes, de aventuras na floresta ao velho-oeste, sempre bancando o herói. A mocinha indefesa desses devaneios é óbvia. Sulfaro, que ganhou o papel graças a uma simples foto enviada por sua tia aos produtores, conquista de imediato com seu carisma e naturalidade. 

O mesmo não se pode dizer de Belucci. Não que esteja ruim no papel-título, pelo contrário, mas esperava-se que o roteiro explorasse mais a personagem que limita-se a desfilar rebolativa e cabisbaixa pelas ruas o filme todo. Contudo, vale destacar que o castigo que Malena sofre em praça pública resulta em uma das cenas mais dolorosas já vistas no cinema e a atriz emociona com sua entrega. Tornatore mais uma vez usa sua terra natal, a ensolarada Sicília com suas paisagens idílicas, e adota como pano de fundo a Segunda Guerra, talvez para tentar recuperar sua essência deixada um pouco de lado em seu trabalho anterior, A Lenda do Pianista do Mar, que em uma tentativa em vão de conquistar um público maior e a crítica mundial acabou sendo picotado quando lançado nos EUA (foi sua primeira produção falada em inglês) e a mesma cópia avariada acabou distribuída para outros países. Sem ceder a pressões de estúdios e produtores, desta vez o italiano estava a vontade para apresentar uma história simples e novamente exaltar seu amor pelo cinema, talvez excedendo um pouco na dose de nostalgia, outra característica marcante de seus trabalhos. 


Dispensando cenas de tiroteios, soldados em ação ou trincheiras, a guerra é retratada de forma velada, mas nem por isso o longa perde seus méritos de servir como um registro fiel da época em que a Itália era dominada pelo regime fascista de Benito Mussolini. As atenções acabam recaídas sobre os bons costumes e a moral tão privilegiados outrora, principalmente nas regiões mais provincianas, e o exercício do voyeurismo é feito com muita delicadeza, afinal retrata-se um período em que o proibido aguçava mais as mentes tanto de crianças quanto de adultos do que hoje em dia quando tudo é banalizado e sem pudor. Malena não está entre os melhores títulos de Tornatore e tampouco da História do cinema italiano, mas é um produto que seduz o espectador com seu belo visual, paleta de cores quentes e enredo que mescla com perfeição ingenuidade e crueldade. Para completar, o saudoso músico Ennio Morricone, fiel parceiro do diretor, oferece mais uma trilha sonora espetacular, composições realizadas previamente para serem tocadas durante as filmagens e assim acentuar as emoções do elenco. A estratégia funcionou.

Drama - 92 min - 2000

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