Nota 7 Obra faz eficiente analogia entre a vida dos personagens com a obra da famosa escritora
Hoje com o apelo de informações e distrações oferecidos pela internet, programação de TV dia e noite ininterruptas, aplicativos de relacionamentos, estresse pelo corre-corre do dia-a-dia, os apuros do trânsito, entre tantas outras distrações e problemas, quem ainda pensa em sentar em um lugar tranquilo, se acomodar relaxadamente e desfrutar do conteúdo de um bom livro? Se já é difícil para muitos reservar um tempo livre para tal passatempo, que dirá se reunir com um grupo de amigos para discussões literárias. Para intelectuais pode ser que encontros do tipo sejam corriqueiros, mas para pobres mortais que precisam se desdobrar para fazer o tempo render isso é quase uma utopia. Talvez seja essa aura de sonho o que mais encante em O Clube de Leitura de Jane Austen, um filme agradabilíssimo, mas difícil de classificar em um gênero específico. Tem romance, pitadas de drama e situações de humor totalmente verossímeis e cotidianas desprovidas de qualquer tipo de exageros ou histrionismos.
O tal clube que intitula o longa é uma criação de Bernadette (Kathy Baker), uma cinquentona que contabiliza seis divórcios, mas mesmo sozinha no momento mantém um espírito jovem e divertido. Apaixonada pelos romances de Jane Austen, ela tem a ideia de montar um grupo de debate sobre os livros enquanto aguardava a entrada para um festival de cinema baseado nas obras da escritora inglesa. Na fila de espera Bernadette conhece Prudie (Emily Blunt), uma professora de francês com problemas de relacionamento com a mãe e que se sente rejeitada pelo marido. A rápida conversa antes da sessão revela que os problemas pessoais de ambas são parcialmente sublimados quando submergem nas histórias da romancista, famosa por traduzir o universo feminino da forma mais apaixonante e fidedigna possível. Assim, fica estabelecido que elas precisam encontrar mais quatro mulheres que compartilhem o mesmo gosto de leitura. A cada mês uma delas ficaria encarregada de organizar uma reunião para discutirem suas percepções a respeito de um livro de Austen.
Juntam-se ao grupo Sylvia (Amy Brenneman), que está abalada ao descobrir que após quase vinte anos de união seu marido está apaixonado por outra, e sua filha Allegra (Maggie Grace), uma jovem orgulhosamente lésbica que adere ao clube simplesmente para poder ficar mais próxima da mãe e confortá-la nesse momento difícil. A quase divorciada também agrega uma amiga de infância, Jocelyn (Maria Bello), uma solteirona convicta, cheia de manias e que dedica todo seu tempo a criação de cachorros que considera suas melhores companhias. Por fim, a sexta integrante, para a surpresa de todas, vem a ser um homem. Grigg (Hugh Dancy) não é homossexual e tampouco afeminado, mas é um ótimo contraponto para as conversas já que nem faz ideia de quem seja a autora inglesa. Entretanto, na verdade o jovem foi aceito no clube por todas acreditarem que ele seria um excelente partido para Sylvia dar um novo rumo a sua vida, ainda que ele se aparentemente se identifique mais com Jocelyn. A participação do rapaz no grupo com suas divertidas analogias para tentar analisar e compreender os romances torna-se o ponto alto das reuniões. Fã incondicional de ficção científica, ele consegue relacionar até mesmo a fantasia do universo de Star Wars com os textos românticos da inglesa.
A cada novo encontro o grupo descobre novos aspectos e particularidades dos livros sugeridos e desvenda outras facetas da personalidade de cada um dos integrantes, cada qual se identificando com um romance específico. São seis títulos, curiosamente todos já adaptados para o cinema ou em telefilmes. Bernadette representa uma das mulheres de "Orgulho e Preconceito" enquanto Prudie seria similar a protagonista de "Persuasão". Jocelyn reflete a personagem-título de "Emma", ao passo que Allegra tem perfil mais parecido com o de uma das moças de "Razão e Sensibilidade". Já "Mansfield Park" (na versão cinematográfica Palácio das Ilusões) tem como representante Sylvia e "A Abadia de Northanger" não tem um leitor de identificação fidedigna, embora Grigg faça alusão ao título em uma brincadeira que faz quando é incumbido de organizar a reunião mensal. O rapaz, diga-se de passagem, ganha a nobre tarefa de representar todos os personagens masculinos incompreendidos da literatura de Austen. De fato, os outros poucos homens que fazem parte do enredo ficam sem função, entram em cena apenas como desculpas para as respectivas mulheres com quem mantém algum tipo de vínculo se sentirem instigadas a participar do clube de leitura.
Conforme avançam as reuniões, cada um do sexteto consegue desvendar curiosidades e novas interpretações a respeito dos livros e também novas facetas da personalidade deles mesmos que passam a reagir aos acontecimentos de suas vidas de forma similar a que seus homólogos ficcionais lidariam com as situações. Baseado no romance homônimo de Karen Joy Fowler, a diretora e roteirista Robin Swincord constrói uma narrativa que flui com naturalidade e jamais deixa à deriva os espectadores que desconhecem o conteúdo dos livros analisados. Todos eles são esplanados de forma eficaz e devidamente relacionados aos respectivos personagens que os representam, de forma literal ou alusiva, o que ajuda e muito quem assiste a se sentir como um sétimo membro do grupo. Embora os romances sejam a respeito de figuras femininas de séculos passados, seus conflitos, paixões, renúncias e sonhos dialogam perfeitamente com as mulheres da contemporaneidade, há vários elementos de identificação. O Clube de Leitura de Jane Austen mais que uma opção de entretenimento de qualidade ainda tem o mérito de despertar o interesse pela leitura, seja pelos trabalhos de Austen ou pelas obras de qualquer outro autor. O importante é exercitar o hábito da leitura, aprimorar a escrita e, principalmente, ampliar seus horizontes permitindo-se a viajar por épocas e lugares diferentes ou inimagináveis... Ah, mas sem deixar de lado o apreço pelo cinema.
Comédia romântica - 106 min - 2007
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