sábado, 10 de julho de 2021

ARRASTE-ME PARA O INFERNO


Nota 8 Voltando as origens, diretor revisita o horror trash com bizarrices e humor negro


Praticamente todos os diretores de sucesso tiveram um início de carreira modesto como, por exemplo, Steven Spielberg e Tim Burton. Ainda que suas primeiras produções possam parecer toscas ou envelhecidas, nelas é possível identificar claros sinais de criatividade, paixão pelo cinema e diversas características que viriam a permear suas trajetórias artísticas, servir como assinaturas de suas obras e ainda inspirar outros cineastas. Sam Raimi começou sua carreira em meio a bizarrices, escatologia e verdadeiros banhos de sangue. The Evil Dead - A Morte do Demônio é um marco do terror e lembrado até hoje como um dos filmes mais insanos e nojentos de todos os tempos. E isso são elogios! Unindo originalidade e muita inventividade para driblar problemas de orçamento e contratempos, Raimi acabou realizando um perfeito casamento entre horror e comédia e o que antes era uma fita-maldita acabou ganhando status de cult com o passar dos anos. Com Arraste-me Para o Inferno o cineasta faz uma divertida e nauseante volta às suas origens. Escrito pelo próprio em parceria com Ivan Raimi, seu irmão, o roteiro gira em torno de Christine Browb (Alison Lohman), uma jovem analista de crédito financeiro de olho em uma promoção no trabalho, mas para tanto precisa convencer seu chefe que está preparada para assumir funções de maiores responsabilidades. 

Certo dia, a jovem tem a infelicidade de atender a Sra. Ganush (Lorna Raver), aparentemente uma simplória e inofensiva velhinha implorando pela extensão do prazo de financiamento de sua casa. Se fosse guiada pela emoção a garota certamente faria um acordo benéfico tanto para a empresa quanto para cliente, mas movida pela ambição de se tornar assistente de gerência ela nega o pedido de ajuda para se fazer de durona e profissional. Ao fazer tal escolha, Christine traça para si mesma um destino cruel. A tal idosa com cara de coitadinha na verdade é uma poderosa e rancorosa cigana que usando um simples botão de um casaco da moça a amaldiçoa, despertando uma entidade maligna que passará a persegui-la e dentro de três dias a sugará para debaixo da terra para ela viver junto do coisa ruim. A cena do ritual de feitiçaria é antológica. Um embate cheio de tensão e bons sustos é travado entre as duas dentro de um estacionamento, mas tudo temperado com senso de humor e loucuras ímpares. Só um cineasta muito confiante em seu taco para interromper um ataque a base de vorazes mordidas por conta de uma dentadura frouxa que escapa de uma boca literalmente imunda. E a sequência do embate no carro é só um aperitivo do que está por vir. 


Intencionalmente ou não, Raimi busca inspiração em seu citado filme de estreia e mais uma vez explora a luta de uma pessoa comum contra um demônio insaciável, no caso um chamado Lâmia, criatura que literalmente arrasta suas vítimas ainda com vida para as profundezas do inferno. Fazendo de certa forma uma homenagem para si mesmo e até para a estética gore geralmente subestimada, o diretor deita e rola com cenas bizarras, humor negro e escatologias diversas, dentre elas vômitos, lama, insetos e lesmas. E o que dizer da cena em que Christine leva goela abaixo o punho da feiticeira? Totalmente insano! Raimi parece se divertir como nos tempos da juventude e manda às favas qualquer compromisso com o realismo. É uma pena que tenha aberto mão de trucagens caseiras na maioria das cenas, como seu bom e velho mingau de aveia e os litros de glicose tingida de vermelho que deram a tônica de sua primeira experiência cinematográfica. Optando por efeitos digitais, o resultado de várias sequências acaba prejudicado por conta do aspecto falso ressaltado. Ainda assim é curioso que dois momentos tão distintos da carreira do diretor compartilhem semelhanças, embora, seu retorno às origens tivesse obrigações com censura e honrar o compromisso de render lucros aos produtores, algo bem distante da liberdade criativa que experimentou no passado. 

Dirigindo a luxuosa e milionária franquia original do herói Homem-Aranha, Raimi conseguiu rendimentos para criar sua própria produtora de fitas de horror e suspense de onde saíram produções como O Grito e 30 Dias de Noite. No entanto, ele próprio não assumia a direção de um longa do tipo desde o ano de 2000 quando lançou o super estrelado e pretensioso suspense O Dom da Premonição que passou em brancas nuvens. Todavia, com Arraste-me Para o Inferno o cineasta prova que ainda sabe lidar com universos sombrios e, ciente do poder de seu nome no cenário hollywoodiano, faz o que pode para imprimir à fita a falsa impressão de uma produção de baixo orçamento e feita a toque de caixa. O elenco colabora com o tom nonsense. Lohman, cujo rosto apático naturalmente nos faz crer que está sempre assustada e pronta para chorar, se sai muito bem carregando o fardo da maldição. Entre momentos de inexpressividade e outros de puro histrionismo, a jovem faz caras e bocas divertidíssimas quando é atacada ou sofre os efeitos de sua condição. Para ter com quem dividir seu sádico sofrimento, ela tem um namorado, Clay Dalton, vivido no piloto automático por Justin Long, mais conhecido por comédias adolescentes, porém, cujo ponto alto da carreira é o terror Olhos Famintos. Infelizmente o roteiro desperdiça o rapaz e o condiciona a apenas servir como ouvinte das lamúrias da companheira e por vezes eles parecem mais como irmãos do que um casal apaixonado. 


O show fica mesmo por conta da veterana Raver que arranca gargalhadas e ao mesmo tempo impacta com suas aparições. Cega de um olho, com cabelos grisalhos e testa proeminente, unhas sujas e quebradas, dentadura podre e com a pele extremamente enrugada, dá vontade de ver mais filmes com a Sra. Ganush tocando o terror. Uma pena que Bruce Campbell, o protagonista dos três filmes que compõe a franquia The Evil Dead - A Morte do Demônio e amigo de longa data do diretor, por problemas de agenda não pode participar, o que certamente daria um charme a mais a produção que parece pinçada da década de 1980. Com uma trama bastante genérica e previsível, e que ao invés de assustar alimenta um sorriso constante no espectador, o filme deve ser encarado como um exercício de estilo, como se fosse uma autoavaliação de Raimi quanto ao seu talento para ainda chocar e enojar o espectador. Não perdeu a mão felizmente e de quebra faz uma necessária homenagem ao cinema trash, além do diretor tirar um sarro de si mesmo repetindo intencionalmente erros visuais, sonoros e de continuação que lhe abriram as portas para a fama.

Terror - 99 min - 2009

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