quinta-feira, 1 de julho de 2021

A PARTILHA


Nota 6 Ritmo irregular e narrativa simplória são superados pelo talento e carisma das atrizes 


Boas ideias podem surgir em um estalar de dedos, mas suas realizações e sucesso podem depender e muito do momento em que são colocadas em prática e de quem aposta nelas. Em meados de 1987, a atriz Natália do Valle cedeu um bom argumento para seu colega Miguel Falabella a fim de que fosse transformado em uma peça teatral abordando o reencontro para o enterro da mãe de quatro irmãs completamente distintas. Mais do que se despedirem da matriarca, o intuito da reunião seria discutir a partilha da herança. O loiro mil e uma utilidades imediatamente começou a trabalhar no roteiro, se uniu a mais uma colega da longa data, Arlete Salles, e quatro anos depois a montagem estava estreando com os reforços de Susana Vieira e Thereza Piffer no elenco. A peça ficou seis anos em cartaz, foi exibida em vários outros países e até Hollywood demonstrou interesse em adaptar o texto para as telonas, mas a preferencial era da casa. A Partilha demorou mais de uma década para chegar aos cinemas e até hoje divide opiniões. Divertido, emocionante, piegas, manipulador... São vários os adjetivos dispensados à obra que conseguiu levar uma respeitável quantidade de público aos cinemas, mas com o tempo acabou esquecido.

O termo tragicomédia cai como uma luva à esta produção que busca incessantemente o equilíbrio entre o humor escrachado e a emoção para narrar o tal reencontro de irmãs liderado por Selma (Glória Pires), uma mulher reprimida que abdicou de uma profissão para viver ao lado do marido rígido e conservador que lhe impõem uma rotina cheia de regras. Diretamente de Paris regressa Lúcia (Lilia Cabral), uma perua que largou o marido e o filho no Brasil para se juntar a um estrangeiro que lhe proporcionaria a vida de luxos que sempre sonhou. Já Regina (Andréa Beltrão) faz o estilo hippie, sempre procurando auxílio no esoterismo e exaltando o direito à liberdade, principalmente sexual. Por fim, Laura (Paloma Duarte), apesar de ser a mais novas das irmãs, é a mais séria, tem planos profissionais bem definidos e ousou assumir um romance com outra mulher. Conforme vamos conhecendo mais sobre essas mulheres, nossas emoções variam. Em um momento você pode estar gargalhando e rapidamente ficar com os olhos marejando de lágrimas, isso sem falar no incômodo nó na garganta que alguns devem sentir pela identificação com o motim do reencontro das protagonistas. O principal problema da divisão de bens é um antigo apartamento da falecida que está prestes a ser vendido a preço de banana, porém, para Selma o imóvel tem um grande valor sentimental e está emperrando as negociações. Quantas brigas e até tragédias em família já aconteceram por motivos semelhantes? 


O longa felizmente não descamba para o dramalhão e procura manter o astral em alta convidando o espectador a mergulhar nas memórias afetivas do quarteto de irmãs. Mesmo assim, não faltam discussões por causa de assuntos mal resolvidos do passado, intrigas e pelas opções de vida que cada uma fez. Em seu formato teatral, o enredo se beneficiava do humor politicamente correto e tocava a plateia com boa dose de melancolia. O filme tenta manter a fórmula, mas acaba engessado no padrão de qualidade televisivo. É compreensível a reclamação de muitos quanto a sensação de que assistir a esta produção é como acompanhar um capítulo de novela ou o episódio de algum seriado da Rede Globo, não a toa a empresa é coprodutora do longa e boa parte de seu sucesso se deve a campanha publicitária maciça da emissora para convidar seu público a ir aos cinemas. Daniel Filho, um dos mais famosos e respeitados diretores da televisão brasileira, voltava a fazer cinema após quase duas décadas de jejum. Com este filme daria início a uma galeria de sucessos, entre eles Se Eu Fosse Você e sua continuação, todos seguindo uma mesma fórmula: muitas referências ao mundo televisivo, narrativa e edição rápidas, elenco principal compacto e o humor para escamotear mensagens edificantes. O resultado é um eficiente filme com cara de especial de fim de ano da TV, o que para alguns soa como uma depreciação.

Para rechear cerca de uma hora e meia, o roteiro abandona a agilidade do texto original e dilui os momentos de humor e dramaticidade em meio a subtramas paralelas desnecessárias. Evitando a claustrofobia de manter toda a ação dentro do tal apartamento da discórdia, a trama de Falabella, atualizada em parceria com o diretor, o futuro autor de novelas João Emanuel Carneiro e o americano Mark Haskell Smith, apresenta coadjuvantes apenas citados na versão teatral, como um marido linha dura, um jovem revoltado com o descaso da mãe, uma lésbica a fim de viver um amor sólido, uma adolescente grávida, um corretor de imóveis metido a galã e até uma idosa babá cuja presença se justifica apenas como um ato de caridade. Todavia, tais personagens desaparecem diante do quarteto principal sendo até uma ofensa tentar apontar qual delas se sai melhor, até porque o entrosamento entre as atrizes era peça-chave para que o filme desse certo. Entretanto, a personagem Selma ganha um pouco mais de destaque, pois além de ser o eixo de toda a ação ela também difere de suas irmãs pela seriedade com que encara a vida. 


Laura vive um cotidiano também bastante regrado e seu romance homossexual em nada acrescenta para destacar a personagem. Já na pele de uma ensandecida dondoca, Lúcia pode parecer caricata em alguns momentos, mas se sobressai pelos esforços de sua intérprete que aproveitou bem a chance para mostrar seus talentos cômicos. Por fim, Beltrão nem precisou se esforçar muito para viver uma hiponga, pois a própria já nos passa a impressão de ser despachada na vida real tanto quanto sua Regina. Dirigindo o quarteto, diga-se de passagem, sem ousadia de espécie alguma, Filho conduz seu trabalho simplesmente apostando suas fichas no talento e carisma das atrizes. Com direito a um momento nostalgia ao som de "Dancin Days", icônica canção que marcou a juventude das protagonistas bem como de boa parte do público-alvo da obra, A Partilha cumpre o que promete oferecendo diversão ligeira e indolor. Não assistiu ainda? Deixe o preconceito de lado e partilhe seu tempo com o cinema nacional.

Comédia - 93 min - 2001

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Um comentário:

marcosp disse...

a partilha é uma graça de filme, vale ser visto com certeza!