terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

PSICOSE (1998)

NOTA 8,5

Refilmagem de clássico suspense
segue a risca o original, mas lhe falta
aura de mistério e personalidade, 

ainda que seja uma opção acima da média
Por que refazer um filme considerado perfeito? Em contrapartida, a reposta pode ser e por que não fazer? Pois é justamente essa indagação que o cineasta Gus Van Sant assumidamente ofereceu como justificativa para milhares de pessoas que não viam razão para um remake de Psicose, um clássico por acaso do cultuado Alfred Hitchcock. A obra original foi concebida apenas para cumprir um contrato do diretor com a Paramount antes de seu desligamento e por isso ele não queria perder tempo e nem dinheiro e trabalhou em cima de um projeto pequeno que quis o destino que se tornasse uma de suas maiores obras. A legião de fãs, que só veio a somar adeptos com o passar dos anos, torceu o nariz logo que as primeiras informações sobre a refilmagem começaram a pipocar. Reinventar uma obra do mestre do terror seria como resgatar para a modernidade um dos trabalhos de Charles Chaplin, ou seja, invariavelmente iria se perder alguma coisa pelo caminho para atender as novas exigências do mercado. Contudo, Sant colocou sua cara a tapa e com o respaldo do sucesso inesperado de Gênio Indomável entre plateias adolescentes, adultas e até com os críticos conseguiu finalmente realizar um de seus maiores sonhos e não causou a decepção esperada, pois fez praticamente uma réplica copiando fotograma por fotograma com atenção especial para reproduzir cenários, diálogos e até repetir as características físicas dos personagens, isso sem se esquecer de utilizar a clássica e marcante trilha sonora que de tão difundida já foi utilizada até em sátiras de filmes de terror e em publicidade para vender mata insetos, o que não deixa de ser um ultraje afinal não é uma melodia qualquer, foi composta para o filme de um cineasta de peso. Bem, como dizia Sant em 1998, muita gente hoje em dia sequer sabe do que se trata esta obra e como o público está sempre se renovando vamos ao enredo baseado nos escritos originais de Joseph Stefano. Em Phoenix, no Arizona, Marion Crane (Anne Heche) é uma infeliz secretária de uma imobiliária que tem raros momentos de felicidade ao lado do namorado Sam Loomis (Viggo Mortensen), dono de uma loja de bugigangas, assim o futuro não lhe parece muito promissor. Certo dia, em uma sexta-feira, seu patrão lhe confia a exorbitante quantia de 400 mil dólares para ser levada ao banco. A tentação é maior e a moça decide roubar o dinheiro e fugir da cidade. Na segunda-feira, quando descobrissem o roubo, ela já estaria longe e só então se comunicaria com o namorado para marcar um ponto de encontro e enfim conseguirem construir uma vida juntos.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

O VIZINHO PERFEITO

Nota 6,0 Dentro de suas limitações, suspense entretém mesmo com toda a sua previsibilidade

Não cobiçarás a mulher do próximo. Esse é um mandamento bastante conhecido, mas que há muitos anos precisa andar acompanhado de sua variação: não cobiçarás o homem de tua semelhante. Embora a frase original coloque o homem na posição de traidor, o que tem de histórias por aí a respeito de mulheres de olho do marido alheio é impressionante. O pior é quando não é só o amor que está em jogo, mas também uma polpuda conta bancária, o sentimento de superioridade, padrão social... É por esse viés que a trama de O Vizinho Perfeito se desenrola, suspense com todas as características típicas de um telefilme, mas que consegue entreter e não constrange o espectador, mesmo com toda a previsibilidade do roteiro de Richard Dana Smith. O filme começa com Donna Germaine (Barbara Niven) viajando de ônibus até a casa de sua tia Grace (Linda Darlow), a quem não via a cerca de vinte anos. Recentemente ela foi abandonada pelo marido que a traía e como desgraça pouca é bobagem ela ainda perdeu seu emprego e estava cheia de dívidas. Mesmo baqueada por todos esses acontecimentos, ela chega à casa da tia toda sorridente e prestativa, no melhor estilo falsa fofa como popularmente são chamadas as mulheres que parecem uns amores, mas no fundo fazem tudo com segundas intenções e chegam até a atos criminosos para conseguirem o que querem. Obviamente, casos extremos não são apenas frutos de má índole, mas também estão ligados a problemas psicológicos e emocionais e o diretor Douglas Jackson não faz questão alguma de esconder que Donna é desequilibrada deixando pequenas pistas logo nos primeiros minutos de projeção.  Ela logo conhece suas novas vizinhas, a pequena Trish (Lila Bata-Walsh) e sua mãe Jeannie (Susan Blakely), que formam uma família feliz com William Costigan (Perry King), o alto executivo de uma emissora de TV. Anualmente esta família oferece uma aguardada festa para a comunidade e Donna obviamente é convidada e comparece disposta a distribuir sorrisos e beijinhos, mas por trás de seus olhinhos brilhantes ela é corroída por um incontrolável ciúme. Automaticamente ela decide conquistar William para destruir uma família feliz, afinal se ela não pôde ter uma por que deixar os outros terem?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ADORAÇÃO

NOTA 6,0

Proposta relativamente simples de
discutir o terrorismo através de um
drama familiar acaba tornando-se
complexa pelos exageros do diretor
Estranho, tedioso, vazio ou confuso. Realmente quem assistir uma única vez o filme Adoração não terá muito subsídios para rotular este drama de forma positiva. O público em geral nem deve se interessar pela temática, até porque não há atores renomados no elenco. No entanto os cinéfilos e adeptos de cinema alternativo devem ficar tentados a realizar um repeteco para avaliar melhor a produção já que o diretor e roteirista é Atom Egoyan, famoso nos anos 90 por Exótica e O Doce Amanhã. Natural do Egito, este profissional radicado no Canadá vem construindo uma carreira relativamente de sucesso e a maioria de suas obras trazem uma espécie de assinatura através de elementos em comum: a atmosfera introspectiva para contar histórias que procuram traçar paralelos entre tragédias coletivas e dramas particulares, tramas que irremediavelmente exigem atenção redobrada do espectador. É uma pena que até uma segunda avaliação neste caso não deve trazer um saldo muito positivo. A melhor forma de se julgar um filme é tentando recontar em detalhes sua trama. Quando não é fácil fazer isso significa que o filme tem problemas ou não te envolveu satisfatoriamente. As duas opções justificam as dificuldades para escrever uma crítica a respeito deste trabalho de Egoyam. Ao mesmo tempo em que tem muito conteúdo a oferecer, faz isso de forma que no fundo parece não ter nada a dizer, apenas alimentar o ego de deslumbrados cinéfilos que acreditam que mencionar que viu o filme de um cineasta renomado ou participante de festivais possa rotulá-los como mentes privilegiadas. A obra em questão não foge a regra do manual de trabalho de Egoyan e conta uma história sobre intolerância a cultura muçulmana atrelada a um problema familiar, todavia, o que fica mais em evidência é discutir os limites entre a realidade e a ficção, principalmente em tempos de tecnologia comandando os rumos e a velocidade da comunicação.  Simon (Devon Bostick) é um jovem estudante que lê para seus colegas de classe uma redação na qual aborda um assunto relacionado ao passado de seus pais, algo envolvendo um ato terrorista. A atividade fazia parte da aula de francês de Sabine (Arsinée Khanjian), uma libanesa que também é professora de teatro e que contou a tal história primeiro com o intuito dos alunos a reescreverem com as suas próprias palavras. Há cerca de 18 anos atrás um árabe teria usado a própria esposa grávida em um plano para explodir um avião que seguia para Israel, porém, o artefato não chegou a funcionar e o bebê nasceu.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

ONDE NASCE O AMOR

Nota 6,0 Embora agradável, novas gerações podem não se envolver com este estilo de romance

Romances em que o amor fica em segundo plano e o sexo está em primeiro lugar certamente devem horrorizar as vovós que não se sentem envolvidas pelas produções românticas atuais que visam se comunicar com platéias mais jovens que em geral começam relacionamentos direto na cama e sem precisar necessariamente saber os nomes dos envolvidos. Para gerações mais antigas, filmes de amor eram sinônimos de E o Vento Levou e Casablanca, por exemplo. Para atender a esse público desamparado e tentando conquistar novos adeptos, algumas produtoras estão preocupadas em produzir romances mais tradicionalistas, aqueles melosos e de época que podem parecer antiquados, mas que possuem fãs cativos. A literatura é uma fonte rica de inspiração para tanto e são das páginas do livro de Janette Oke que surgiu Onde Nasce o Amor, uma cativante e bucólica história de amor que do início ao fim transpira nostalgia, a começar por sua ambientação que remete aos antigos cenários de faroestes, mas esqueça os tiroteios e as perseguições a cavalo. Adaptada por Michael Moran, a trama se passa em meados do século 19, época da febre da Corrida do Ouro na Califórnia, tempos em que muitos homens abandonaram suas famílias para ir em busca do sonho de enriquecerem as custas da garimpagem, alguns prometendo só voltarem ao lar quando ficassem ricos. Clark Davis (Wes Brown) e seu amigo Daniel (David Tom) são dois jovens caubóis que também se iludiram com essa história, mas tiveram a viagem interrompida ao pararem em um pequeno restaurante para fazerem uma refeição. Daniel corteja uma moça e acaba comprando briga com alguns homens que a defendem. O episódio acabou causando danos ao estabelecimento e culminou na prisão dos rapazes que teriam que esperar cerca de um mês na prisão até a chegada do delegado responsável que então resolveria suas sentenças. Daniel acaba conseguindo fugir, mas Clark, mais ajuizado e honrado, decide ficar e propõe ao xerife Holden (Jere Burns) que possa sair da cadeia em troca de serviços prestados para pagar a sua dívida com Millie (Nancy McKeon), a dona do restaurante que ficou no prejuízo.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

OLHO POR OLHO (2007)

Nota 1,5 Com protagonistas violentados, mas que não cativam, fica difícil torcer pela revanche 

Problemas envolvendo motoristas imprudentes são corriqueiros e diariamente são notícias em jornais, mas é impressionante como nos últimos tempos tem surgido informações de muitos casos de um outro tipo de violência no trânsito: a falta de respeito versus a intolerância. No estresse ou na pressa do dia-a-dia muitas pessoas acabam reagindo de maneira impulsiva e xingam, fazem gestos obscenos, deixam reclamações ou ofensas por escrito ou ainda usam o próprio veículo para fazer vingança. Além de situações extremamente desagradáveis, existe o problema de não se saber quem está no outro carro e como esta pessoa pode reagir a uma agressão física, material ou verbal. Uma simples ultrapassagem no trânsito já pode ser o estopim para uma tragédia. Bem, um filme com tal premissa poderia render um bom caldo, mas não basta ter um bom argumento. É preciso também um bom desenvolvimento narrativo e nesse quesito Olho por Olho peca feio. Com roteiro e direção de Dan Reed, este suspense já começa com uma péssima introdução. Alice (Gillian Anderson) é uma executiva aparentemente bem de vida que contrata os serviços de Adam (Danny Dyer), um instalador de alarmes e câmeras de segurança. Quando ela chega em casa o serviço está pronto, sabe-se lá o porque do rapaz estar repousando na varanda do apartamento como se fosse íntimo do local e em menos de cinco minutos eles já combinam de sair juntos. Bem envolvente, não? Eles então vão a uma festa da empresa de Alice em uma mansão isolada cercada por um bosque e no final acabam transando no meio do mato. No caminho de volta, ela ultrapassa um carro em uma estrada deserta e Adam provoca o motorista com uma piadinha. Infortunadamente, a pressa acaba fazendo com que eles atropelem um veado e quando o rapaz está tentando tirar o animal do caminho o casal é surpreendido por alguns homens mal encarados. Adam é espancado violentamente e Alice é estuprada. No dia seguinte eles retornam para a cidade grande e então passam a alimentar o desejo de vingança. A premissa é até interessante, mas o problema é que não conseguimos nos simpatizar pelos protagonistas e consequentemente não nos impactamos com a violência que sofreram.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

LADRÃO DE SONHOS

NOTA 7,5

Bom argumento é desperdiçado
em produção cujo roteiro foi
construído em cima de belas,
oníricas e originais imagens
Cada país pode e deve produzir os mais variados estilos de filmes, mas sem querer um ou mais gêneros acabam se tornando a marca registrada do cinema local. Por exemplo, a cinematografia francesa é muito lembrada pelos romances com toques de sensualidade ou dramas que carregam na emoção ou na contemplação do silencio no lugar dos diálogos, mas garimpando sempre é possível encontrar algum tesouro esquecido nesta filmografia. Uma das obras mais destacadas dos últimos tempos do cinema francês foi O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, uma obra que rompe com estilos narrativos convencionais, além de apresentar inovações no processo de edição e o uso de muitas cores em seus cenários e paisagens. Dirigido por Jean-Pierre Jeunet, certamente o cineasta trouxe para este seu primeiro trabalho solo muito do que aprendeu trabalhando ao lado do diretor Marc Caro. Juntos eles revolucionaram a maneira de fazer filmes na França trabalhando com enredos e visuais criativos capazes de deixar até o excêntrico Tim Burton com inveja. Uma prova disso está em Ladrão de Sonhos, uma fábula infanto-juvenil com toques sombrios, mas ainda assim um tanto onírica. Este tipo de cinema que capta a atenção do espectador muito pelo visual se tornaria bastante popular nos anos seguintes, inclusive em solo americano, mas realmente fica difícil definir se o estilo de Burton influenciou os cineastas franceses neste caso ou se foram eles que inspiraram o gótico diretor em seus projetos futuros, lembrando que anos antes Caro e Jeunet já haviam chamado a atenção com a comédia de humor negro Delicatessen. Como sempre dito neste blog, imagem não é tudo e um bom enredo é preciso para sustentar uma produção. Você já imaginou o quanto desgastante e sem motivação seria a vida se não pudéssemos sonhar? É partindo dessa hipótese fantasiosa que os diretores em parceria com Gilles Adrien desenvolveram o roteiro cujo foco central é o sofrimento pelo qual passa Krank (Daniel Emilfork), um homem que envelheceu prematuramente e a cada dia sua própria face deixa transparecer que seu quadro só vem se agravando. Tal distúrbio ocorre pela incapacidade que ele tem de sonhar e, na tentativa de achar uma solução definitiva ou ao menos frear a rápida passagem de sua vida que não acompanha o tempo real, ele passa a sequestrar crianças para roubar seus sonhos através de uma invenção que criou.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

PLANETA DO TESOURO

NOTA 6,5

Texto clássico sobre aventura
de piratas ganha repaginada
e cenário futurista, mas falha
com personagens que não cativam
Quando a Fox lançou Anastácia, a Disney não estava preocupada com a concorrência e relançou nas férias de verão A Pequena Sereia. Um ano depois, a Dreamworks trouxe O Príncipe do Egito e houve a coincidência do lançamento de Formiguinhaz quase que simultaneamente a Vida de Inseto. Os estúdios Aardman, apadrinhado por Steven Spielberg, trouxe o excelente A Fuga das Galinhas para duelar com A Nova Onda do Imperador. Parecia que a concorrência não assustava a casa do Mickey Mouse até que Atlantis – O Reino Perdido foi massacrado por Shrek. O sinal de alerta enfim foi aceso e chegou a hora dos chefões do tradicional estúdio de animação tomarem providências. Planeta do Tesouro pode ser visto como a primeira grande tentativa de recuperação da empresa já que moderniza radicalmente um clássico texto literário, contudo, o projeto já era idealizado desde 1985 pelos diretores Ron Clements e John Musker, mesma época em que propuseram a realização de A Pequena Sereia, longa que, curiosamente, marcou o renascimento da Disney após um período de dificuldades internas e produções de menor porte e baixa repercussão. Baseado no romance “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson escrito em 1883, com certeza a antiga ideia deveria ser bem diferente do longa que foi entregue em 2002. Adaptado em um inusitado formato de ficção científica pelos próprios diretores em parceria com Rob Edwards, a obra literária já havia rendido uma versão live-action clássica e inspirado uma aventura dos Muppets, ambas produções assinadas pelo mesmo estúdio que neste caso trouxe para o campo da animação a aventura de piratas com uma nova roupagem. A história gira em torno do jovem Jim Hawkins, um adolescente rebelde que só traz problemas a sua mãe, Sarah, a dona de uma pequena estalagem em algum canto do espaço sideral. Sua grande diversão é fazer manobras radicais em sua prancha voadora por uma área proibida, praticamente um skatista futurista, mas em um desses momentos ele acaba sendo pego por policiais e é ameaçado de perder sua liberdade condicional. Embora não seja especificado em que século a trama se passa, o grande problema do rapaz e sua mãe não é estranho as pessoas do presente: falta de dinheiro. Para piorar, certo dia um grupo de piratas ataca o comércio da família e coloca fogo no local, mas depois disso Jim encontra o mapa de um grande tesouro escondido há anos por um pirata espacial, confirmando o ditado que diz que há males que vem para o bem.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

GOMORRA

NOTA 7,0

Procurando desmistificar a
imagem de glamour em torno da
máfia, longa abusa do realismo e não
envolve o espectador completamente
Gangue ou máfia? Qual o melhor termo para se referir ao grupo de pessoas ligadas ao crime organizado? Bem, as duas caem muito bem, mas dependendo do nível cultural e financeiro dos envolvidos apenas uma é a melhor escolha. Quando falamos em facções criminosas no Brasil dificilmente nos vem a cabeça a imagem de engravatados, mas sim de marginais que sonham com roupas da moda e correntes gigantes de ouro penduradas no pescoço, mas se falarmos por exemplo em bandidos italianos logo resgatamos as lembranças dos criminosos elegantes do clã protagonista de O Poderoso Chefão, longa que ajudou a dar certo glamour aos inescrupulosos foras-da-lei. No entanto, há tempos e no mundo todo, criminosos que ouvem ópera e fumam charutos dividem o cenário da criminalidade com bandidos pé-de-chinelo adeptos de drogas e música popular. Enquanto a elite dá ordens a ralé tenta cumprir tudo direitinho sonhando inocentemente com o dia em que serão promovidos, pena que quando estão no limite dos esforços também estão prestes a terem suas vidas interrompidas por acertos com a Lei ou com os próprios criminosos. O filme Gomorra aborda justamente isso: como o mundo do crime tem poder de persuasão, a sedução do dinheiro fácil que cega novos adeptos que pedem para entrar nesse perigoso universo como se pedissem emprego em uma vendinha na esquina. Mal sabem alguns no que estão se metendo. O título é um trocadilho com uma conhecida figura de escrituras católicas, um Deus que propagava a ideia de que a destruição é uma obra do próprio ser humano. Entrelaçando algumas histórias de pessoas envolvidas de forma direta ou indiretamente com a Camorra, nome dado a máfia da cidade de Nápoles, na Itália, o longa mostra como a organização incentiva a degradação do homem e consequentemente de tudo que o cerca em busca de poder e riquezas. A obra ganhou repercussão internacional e chegou a ser considerado a versão italiana do nosso Cidade de Deus, mas com o acréscimo de mais violência. O roteiro do jornalista Roberto Saviano (dividindo o crédito na função com outros cinco autores) é uma adaptação do livro homônimo de sua própria autoria no qual se baseou em uma série de entrevistas com cidadãos napolitanos e em suas próprias experiências infiltrado na máfia local. A obra vendeu milhares de exemplares na Europa e irritou os mafiosos, obrigando o autor a viver durante um bom tempo sob proteção policial. Com relatos tão verídicos em mãos, não é a toa que o filme soa realista demais, chegando a algumas passagens fazerem o espectador se sentir mal diante de tanta crueldade. É preciso ter estômago, sem dúvida, mas também atenção para não perder o fio da meada.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

A CRECHE DO PAPAI

NOTA 6,0

Investindo em piadas previsíveis
e deixando o elenco infantil a
vontade, comédia é rara opção para
família toda sem constranger
A vida moderna exige que homens e mulheres cada vez mais abandonem o desejo de formar famílias, preferindo a liberdade da solteirice ou no máximo a confiança que deve ser compartilhada em uma relação a dois. Agora quando entre um terceiro e pequeno elemento nessa união as coisas complicam. Um casal pode ser feliz só se encontrando a noite e/ou fins de semana, mas os filhos não podem ser prejudicados pela ausência dos pais devido a compromissos de trabalho ou com estudos. É um verdadeiro dilema. A solução nesses casos é colocar as crianças em escolas ou creches onde seriam cuidadas por profissionais especializados e ainda vivenciariam atividades educativas e recreativas, além de tomarem contato com outras pessoas da mesma idade aprendendo no dia-a-dia noções de educação, disciplina e tolerância. Parece perfeito, isso se os pimpolhos não forem matriculados em uma instituição amadora como a que serve de cenário para A Creche do Papai. Bem, pelo menos inicialmente o local não é nenhum exemplo arrebatador, servindo mesmo apenas aos pais desesperados que veem o lugar como última solução. A trama roteirizada por Geoff Rodkey mostra como dois homens com carreiras promissoras se viram de uma hora para a outra numa pior, mas deram a volta por cima aos trancos e barrancos. Charlie (Eddie Murphy) e Phil (Jeff Garlin) trabalhavam na área de publicidade de uma grande empresa alimentícia e tinham pouco tempo para passar com seus filhos, mas após falharem em uma campanha para divulgar um cereal à base de vegetais os dois são demitidos. Agora, enquanto suas esposas saem para trabalhar, eles são obrigados a cuidarem de suas crianças, mas não levam o menor jeito para a coisa. Eles decidem colocá-los em uma creche para poderem se dedicar a busca de um novo emprego, mas na região em que vivem a única disponível é a metódica e rígida instituição Chapman Academy comandada com punhos de ferro pela Srta. Gwyneth Harridan (Anjelica Huston). O modelo de educação opressor é dos males o menor. O preço é o real problema. Cada mês equivale ao pagamento de um ano de uma creche comum. O jeito então é os pais se virarem como podem, embora Ben (Khamani Griffin), filho de Charlie, seja até bastante quietinho, contentando-se com as inúmeras vezes que seu pai brinca com ele de “foguetinho”, ingenuamente acreditando estar cuidando bem do garoto.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

ENCONTROS E DESENCONTROS (2003)

NOTA 9,0

Sem apelar para clichês, longa
se sustenta em cima de situações
corriqueiras engrandecidas por
interpretações emotivas e sinceras
Filho de peixe, peixinho é. Tal ditado popular cai como uma luva para muitos profissionais que passaram aos herdeiros o talento e o amor pelas carreiras que os consagraram. No meio artístico isso é muito comum e Sofia Coppola não nega o provérbio. Filha do cultuado Francis Ford Coppola, o responsável pelos três filmes da série O Poderoso Chefão, ela até tentou fugir um pouco da sombra do pai, mas não conseguiu se desgarrar totalmente. Ela arriscou a carreira de atriz fazendo seu debout no último filme da famosa trilogia do papai, mas foi extremamente criticada e por anos seu nome sumiu da mídia, até que em 1999 ele voltou a ser destacado com sua elogiada estreia como diretora em As Virgens Suicidas. Poderia ser apenas um golpe de sorte de uma mulher que teria que ralar muito para ser respeitada no meio cinematográfico, mas seu segundo projeto, Encontros e Desencontros, veio para provar que talento e vocação estão em seu sangue. Neste trabalho ela mostra que o amadurecimento e a cautela foram essenciais já que quatro anos separam os dois filmes. Neste tempo que ficou em off, Sofia deve ter passado horas diárias refletindo sobre sentimentos e contrastes, assim esta obra não nasceu hermética a um gênero específico. A vida, as pessoas, o mundo são feitos de diferenças e as variações podem acontecer em um estalar de dedos e este roteiro, escrito por ela própria, tem um pouco de tudo. Drama, romance e um sutil humor se misturam e até um leve suspense pode ser levado em consideração visto que os protagonistas se encontram em um país completamente diferente e não sabem o que os espera. Bob Harris (Bill Murray) é um ex-astro do cinema americano que está em Tóquio para fazer um comercial de uísque aproveitando os últimos suspiros de sua carreira. Frustrado com os rumos da sua vida profissional e ainda tendo que lidar com um casamento em crise, mesmo assim ele é dotado de senso de humor. No mesmo hotel em que está hospedado ele conhece Charlotte (Scarlett Johansson), também norte-americana e que está acompanhando John (Giovanni Ribisi), seu marido, um fotógrafo que está viajando a trabalho e a deixa sozinha o tempo todo, assim ela está deprimida. O fuso horário diferenciado acaba fazendo com que os dois sofram de insônia e eles se encontram no bar do hotel por acaso e imediatamente surge uma empatia mútua, mas engana-se quem pensa que a partir de então uma previsível história de amor será desenvolvida.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O PALHAÇO

NOTA 8,0

Longa mostra a realidade dos
artistas circenses através do
olhar de um palhaço que busca
sua identidade fora do palco
Em meio ao bombardeio de inovações tecnológicas e efeitos especiais de última geração que chegam aos nossos cinemas e ao mercado de vídeo doméstico semanalmente não é de se espantar que um simples filme brasileiro perca espaço, podendo ter uma exibição restrita ao circuito alternativo e de arte ou até mesmo ser lançado diretamente em DVD sem qualquer tipo de respaldo publicitário. Ainda bem que existem apreciadores e realizadores para obras mais simplórias e com preocupação maior com o conteúdo, pessoas realmente apaixonadas pela sétima arte.  É isso que o ator e diretor Selton Mello prova com a sua segunda incursão cinematográfica atrás das câmeras após Feliz Natal, seu elogiado drama de estreia. O Palhaço é uma produção relativamente simples, mas que conquista a atenção dos espectadores com seu visual colorido e história emocionante e extremamente simpática, contando com diversas citações para homenagear aqueles que já trouxeram muita alegria ao público, como o quarteto dos Trapalhões e Oscarito. A história gira em torno do palhaço Pangaré (Selton Mello), uma das estrelas do circo Esperança que, infelizmente, cada vez mais sente a escassez de público a cada nova cidade que passa. As grandes gargalhadas, olhares curiosos e expressões de felicidade de outrora ficaram como uma doce e inesquecível lembrança para a maior parte dos funcionários e artistas. Porém, o rapaz que ainda continua bem jovem e com disposição usa e abusa de expressões corporais e faciais e lança mão de algumas piadas mais fortes para conseguir segurar a atenção do público e manter a sua trupe circense em atividade. Bem, essa imagem positiva ele tem no picadeiro diante da plateia, mas nos bastidores a coisa é bem diferente. Seu nome de batismo é Benjamim e o rapaz anda muito insatisfeito com a vida que leva, um incômodo que aparentemente só ele tem e não é compartilhado por outros membros dessa grande família itinerante que se acostumaram com um cotidiano sem luxos e finanças escassas. As razões para seu desgosto podem estar em seu relacionamento com seu pai Valdemar (Paulo José), que lidera o circo e dá vida ao palhaço Puro Sangue. Ironicamente, entre tantas dúvidas e melancolia, Benjamim fica obcecado pela ideia de conseguir um ventilador para a namorada do pai, a dançarina Lola (Giselle Motta), como se a aquisição desse objeto que para tantos já é algo obsoleto significasse um sinal de que as coisas vão melhorar ou simplesmente uma desculpa para o protagonista descobrir pelo menos um pouquinho do mundo que até então desconhecia. Durante o trajeto, diversos tipos bizarros cruzam seu caminho e o ajudam em sua busca que no fundo é a procura por sua real identidade.