Nota 7 Drama aborda temas pesados como culpa, medo e vingança, mas se perde pelo caminho
Acompanhamos diariamente pela televisão, jornais e internet tantas tragédias em tempo real, inclusive várias que são cometidas por pessoas da própria família e envolvendo crianças, que é difícil desligar a mente e não pensar no negativismo que permeia tais situações. Todos já devem pelo menos uma vez na vida ter imaginado como iriam reagir diante de um acidente fatal com algum familiar ou, pior ainda, se fosse o responsável pelo mesmo. A fúria dos familiares da pessoa que sofre a ação ou a culpa do possível responsável, mesmo que o ocorrido fosse sem intenção alguma de causar a morte de alguém, pode transformar radicalmente suas vidas. É por esse viés que o roteiro de Traídos Pelo Destino trafega. O casal Grace (Jennifer Connely) e Ethan Learner (Joaquin Phoenix) está voltando para a casa com seus filhos Josh (Sean Curley) e Emma (Elle Fanning) após um evento escolar. No caminho eles fazem uma parada em um posto de gasolina e o menino aproveita para sair do carro para descansar. Ao mesmo tempo, Dwight Amo (Mark Ruffalo), um advogado divorciado, está levando seu filho Lucas (Eddie Alderson) de volta para a casa de Ruth (Mira Sorvino), sua ex-esposa, após passarem um agradável dia juntos, mas o rapaz jamais imaginava como ele poderia acabar.
Em um momento de distração, Amo acaba perdendo a direção e atropela Josh, mas no desespero segue sua viagem e deixa de prestar socorro. Learner vê em um relance qual era o tipo de automóvel, mas não se apega a detalhes na esperança de socorrer o filho que acaba não resistindo aos ferimentos. Como a polícia não obtém bons resultados com as investigações, este desesperado pai de família decide então procurar uma empresa de advogados particulares e, por obra do destino, acaba sendo encaminhado para ser auxiliado justamente pelo próprio assassino do filho que tenta se esquivar da punição omitindo a verdade. É difícil imaginar o que se passa na cabeça de pessoas que já passaram por situações como esta, algo que infelizmente acontece com muita frequência na vida real. O pai que perdeu o filho fica remoendo o sentimento de ódio e ao mesmo tempo se sente de mãos atadas. Já o responsável pelo acidente pode escolher entre seguir sua vida normalmente como se nada tivesse acontecido, mas com o eterno peso da culpa em sua consciência, ou assumir e pagar pelo seu erro. O desenrolar da trama a todo instante tenta reforçar as diferenças entre os dois protagonistas, colocando Learner como alguém correto, bem sucedido e de boa educação e aparência e manchando a imagem de Amo ressaltando características negativas como alguém mais desleixado, sem compromissos e perturbado por fracassos, mas ainda assim longe da lembrança de um bandido de alta periculosidade.
O grande tema desta produção é mostrar como uma tragédia abala as estruturas das duas famílias destacadas e como o destino pode ser ingrato ou até mesmo justo ao unir os caminhos de dois homens em lados opostos de uma mesma situação, apesar da dor reger os sentimentos de ambos. Dirigido por Terry George, do também dramático Hotel Ruanda, a produção é bem intencionada, mas o desenvolvimento da trama deixa um pouco a desejar. Além do ritmo arrastado, o roteiro se apóia quase totalmente nos esforços de interpretações de Phoenix, o homem extremamente alegre no início do filme que aos poucos se transforma em uma pessoa indecisa e cultivando um ódio crescente dentro de si, e de Ruffalo, cujo personagem aparentemente só tem momentos felizes quando junto de seu filho, mas que agora tem que aprender a lidar com as feridas que o acidente deixou em sua alma e teimam em não cicatrizar. As longas sequencias de silêncio são angustiantes, mas compreensíveis dentro da concepção do cineasta para tratar de um tema difícil e depressivo, porém, se alguns dramas pecam justamente pelo excesso de trilha sonora maniqueísta, aqui ela faz falta em diversos momentos que careciam para dar mais emoção ou quebrar a sisudez do texto.
Outro ponto incômodo é que a obsessão de Learner em chegar à verdade acaba eclipsando os problemas de sua esposa que sofre tanto quanto ele. Ou ao menos deveria estar tão dilacerada quanto. Em uma estranha manobra do roteiro, cerca de um mês após a morte do filho a moça já aparece recomposta e disposta a seguir em frente, deixando claro sua fadiga quanto a forma com que o marido está lidando com a situação. O casal em si reage de formas estranhas em determinados momentos, sendo a filha Emma a única da família a esboçar verossimilhança às ações e explosões de seus pais, além de tentar compreender seus próprios sentimentos em relação a dor da perda. E a sempre subestimada Sorvino, para variar, não tem uma participação relevante, embora o conflito do lado da família que representa também poderia render bons momentos e discussões. O roteiro, assinado pelo próprio George em parceria com o então estreante John Burnham Schwartz, também autor do romance que deu base a esta adaptação, "A Estrada da Reserva", levanta três questões principais, mas não se aprofunda em nenhuma. Inicialmente tenta abordar questões jurídicas ao levantar possíveis soluções para esclarecer ou achar culpados pelo assassinato. Depois explora o viés social do assunto, na forma como os evolvidos passam a interagir com a comunidade onde vivem. Por fim, o texto parte para a análise da intimidade dos dramas particulares de cada um dos personagens e suas percepções de futuro.
Quem deseja assistir Traídos Pelo Destino precisa estar preparado para uma história densa, reflexiva e que nos traz lições positivas apesar do clima de extrema melancolia. Com conflitos ao menos bem sugestionados e um elenco com nomes de peso, o grande incômodo fica a cargo da própria temática, bastante complexa e apontando para vários caminhos a serem analisados, algo que uma produção modesta até certo ponto não tem condições de abraçar. Geralmente o público se envolve com os dramas vividos pelas pessoas do lado das vítimas, mas aqui também é exposta a triste situação da parte de quem comete o erro e carrega o peso da culpa. Amo foi tão vitimado quanto Josh, mas o fato é que aconteceu uma morte e é preciso encontrar um culpado. A acusação de um membro da família lesada pode significar o rompimento de outra e sem que a denúncia aplaque a dor da perda totalmente. É uma situação bastante delicada para ser discutida a fundo em pouco tempo de filme, mas George expõe a temática com bastante esmero a fim de suscitar discussões e reflexões. O espectador sente uma carga dramática muito pesada emanada dos personagens e fica difícil se decidir por qual dos lados torcer. Pai da vítima e assassino têm motivos para sofrer, assim como não tiveram intenções sobre a tragédia e ambos almejam ter paz. Phoenix e Ruffallo brilham, mostrando mais uma vez serem dois dos melhores atores de suas gerações.
Um comentário:
Esse "sofrimento" que o filme (que ainda não assisti) apresenta me lembra do longa-metragem estrelado por Jack Nicholson "Acerto Final".
Pai perde o rumo ao perder a filha em morte trágica.
Gostei muito do filme de Nicholson.
Esse pode ser outra boa opção.
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