segunda-feira, 15 de junho de 2020

FORA DO MAPA


Nota 6  Obra aborda o contraste entre esperança e frustração para aqueles que vivem em miséria


O cinema independente é caracterizado por produções que visam o experimentalismo, ou seja, roteiros que busquem explorar novos horizontes ou apresentem temas batidos sob óticas diferenciadas, assim boa parte dos filmes desta seara conseguem cair no gosto dos críticos facilmente, porém, amargam o fracasso em termos de popularidade. Contudo, já faz alguns anos que a situação tem mudado um pouco graças aos esforços de profissionais que ampliaram a aceitação dos filmes alternativos com boas campanhas que os levaram até os cinemas de shoppings e a serem indicados a prêmios como o Oscar. De qualquer forma, o grande número de produtos do tipo acaba inviabilizando a exibição de boa parte deles até mesmo em cineclubes e o destino acaba sendo o lançamento direto para consumo doméstico. Obras como Fora do Mapa colocam em xeque se as menções de festivais no material publicitário correspondem a sinônimo de qualidade.  Exibido em Cannes e Sundance, o filme narra um período conturbado na vida de uma família que vive isolada em uma região desértica do Novo México. A história é narrada através das memórias da pré-adolescência de Bo Godren (Valentina de Angelis), uma garota com problemas para se adaptar ao estilo forçadamente alternativo dos pais, Charley (Sam Elliott) e Arlene (Joan Allen). 

A trama começa com um relato estranho. Procurando retratar um pouco da atmosfera medíocre e mística do local, o enredo fala que certa vez um rosto com feições de Jesus Cristo apareceu em uma tortilla (quitute típico latino) em uma cafeteria da cidade. A dona do estabelecimento envernizou a imagem para atrair fiéis e consequentemente mais clientes, mas aos poucos ela foi sumindo. O que isso tem a ver com a trama? Pois é, absolutamente nada, salvo o fato de Bo enfatizar que desde então seu pai se encontra em um profundo estado de depressão que ninguém sabe ao certo a razão. Bem, quando nos familiarizamos com a intimidade da família começamos a entender um pouco essa melancolia, mas jamais chegamos à justificativa plena. Arlene procura reanimar o marido, mas também tem seus momentos de explosão de tristeza, esses sim compreensivos. Vivendo um estilo de vida alternativo, a família se dedica a caça e plantações para sobreviver, vista que sua renda se resume a miséria que Charley recebe de pensão do exército e dos trocados que mãe e filha ganham vendendo flores e artesanatos, além do pouco conforto da casa ser fruto de peças recuperadas de um depósito de lixo ou trocas de favores com vizinhos. 


A depressão de Charley teria total justificativa, no entanto, se dependem praticamente de esmolas para sobreviverem isso se deve a ele mesmo. Há meses recostado pelos cantos, com olhar contemplativo e não raramente chorando sem motivo, é de se estranhar as razões de sua depressão, um mal moderno atingindo um homem do campo onde existe a fantasia de que o estresse não dá as caras. A única informação que podemos deduzir de seu passado é que como veterano de guerra possivelmente guarda traumas. Não sabemos se em algum período da vida ele chegou a viver em uma cidade grande, mas estaria ele arrependido de neste momento estar enraizado à margem do progresso, seja por opção ou obrigação por erros do passado? Já Bo sonha grande e vira e mexe devaneia a respeito de uma mudança de vida. Mesmo sem televisão ou telefone em casa, seu maior desejo é ter um cartão de crédito acreditando inocentemente que com ele tudo seria possível. Mesmo levando uma vida paupérrima, a família acaba virando alvo de uma investigação da Receita Federal e certo dia recebe a visita do agente William Gibbs (Jim True-Frost). Por cerca de sete anos deixaram de entregar a declaração anual acreditando que a mixaria que ganhavam era insignificante ao governo. O rapaz veio com a missão de negociar a quitação da dívida de multas que se acumularam devido a ausência de documentação, mas o que era para ser uma visita rápida acabou se tornando uma estadia de várias semanas. 

Com uma forte relação alérgica à picada de um inseto, Gibbs acaba ficando aos cuidados dos Groden, mas quando recupera suas forças já não tem mais a certeza se deseja voltar para a casa. Após abandonar a carreira de cozinheiro e ter aceitado o emprego como fiscal apenas pelo bom salário, o jovem acaba tendo a oportunidade de repensar sua vida diante do exemplo da família que o acolheu.Segundo crenças locais, a região que um dia já foi a moradia da tribo Hopi, grupo que Arlene é descendente, tem o poder de transformar a vida daqueles que transitam por lá. Para demarcar a mudança, o agente repentinamente começa a se expressar através da arte, também única diversão de Charley (embora isso seja apenas citado). Aliás, o rapaz também é um depressivo, em menor grau que o idoso, mas tem uma justificativa mais plausível para seu desinteresse em voltar à sua rotina, algo que lhe aconteceu na infância e roubou seus sonhos. Completa o time de desanimados George (J. K. Simmons), o padrinho de Bo e grande amigo da família que se dispõe a procurar uma psicóloga para conseguir uma receita de medicamentos para Charley que se recusa a se tratar, no entanto, a cada nova consulta o paciente de fachada acaba descobrindo que também precisa de apoio. 


Um grupo de personagens entristecidos e em meio a eles a vibração de uma inocente criança que acredita que dias melhores virão. A ideia em síntese é das melhores, mas o resultado final de Fora do Mapa deixa a desejar. A narração com frases rebuscadas da protagonista é um dos primeiros incômodos, mas o personagem ganha fácil a simpatia do público principalmente pelo carisma e naturalidade de sua intérprete. Todo o elenco na verdade se sai muito bem, o problema é que temos a sensação que seus dramas são explorados superficialmente, haveria muito mais a ser apresentado sobre cada um. Esse é um detalhe que chama a atenção visto que a direção é do também ator Campbell Scott. Por conhecer a fundo os prós e os contras da profissão, poderia ter investido mais no desenvolvimento dos personagens, mas optou por ser fiel ao roteiro de Joan Ackermann, também autora da peça teatral inspiradora. Aparentemente a intenção é sugestionar boa parte das emoções para gerar impressões. Com poucos acontecimentos realmente significativos e muitos momentos de contemplação, a obra tem passagens de tempo abruptas que acabam levando o espectador pouco a pouco se desinteressar pelo destino dos personagens que, diga-se de passagem, não deixam claras as suas intenções. É realmente uma pena que uma produção com tantas possibilidades se resuma a um amontoado de cenas mal costuradas para tentar emocionar o espectador.

Drama - 108 min - 2002 

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