quarta-feira, 8 de julho de 2020

TROCANDO OS PÉS


Nota 6,0 Longa se perde em suas pretensões de fazer graça e ao mesmo tempo dar lições de moral


Adam Sandler é conhecido por seu humor escrachado e por vezes grotesco, o que divide o público entre os que o amam e os que o detestam. Tentando reverter críticas negativas, mas ao mesmo tempo correndo o risco de desagradar muitos fãs, vez ou outra o ator se aventura em papéis mais sérios como em Reine Sobre Mim e Homens, Mulheres e Filhos. Embora seja classificado como comédia, Trocando os Pés tem uma verve mais dramática, com o astro em uma interpretação contida e levemente melancólica. A trama gira em torno de Max Simkin (Sandler), um pacato homem de meia-idade que se dedica a dar continuidade a tradição da arrumar sapatos, um negócio que sustenta sua família há quatro gerações. Solteirão, trabalhando com algo que não lhe satisfaz e morando com Sarah (Lynn Cohen), a mãe idosa que mal sai da cama e está bastante confusa, seu único amigo é o barbeiro Jimmy (Steve Buscemi) com quem confidencia suas frustrações. Disposto a se desfazer da sapataria, ele pode mudar de ideia com a atenção que ganha de Carmen (Melonie Diaz), uma líder comunitária que luta para evitar que a milionária empresária Elaine Grrenawalt (Ellen Barkin) não destrua as antigas e históricas edificações da região para cederem espaço a um conglomerado comercial. 

Todavia, a vida de Simkin ganha outro sentido mesmo quando descobre no porão de sua loja uma antiga máquina que, mais que moldar simples solados, tem um poder mágico: quem usa as solas nelas costuradas consegue adquirir o aspecto físico de seus donos. Como o pai do rapaz costumava dizer, você só conhece uma pessoa de verdade quando caminha com os sapatos dela. Acostumado a viver das histórias de vida de seus clientes, agora é hora do sapateiro de fato vivenciar as rotinas deles. Oriental, loiro, negro, idoso e até travesti. São inúmeras personalidades que Max pode assumir dependendo do sapato que arrumar na tal máquina, mas todas com seus bônus e ônus. Escondendo-se literalmente na pele de outras pessoas, ele assalta um homem distraído simplesmente para ter o prazer de experimentar dirigir um carro de luxo, dá calote em um restaurante bacana e invadirá um apartamento para assistir a namorada de um rapaz tomando banho e por pouco não abusa da moça. Max vai realizando suas vontades sem levar em consideração os problemas que traria aos reais donos dos sapatos. Não seria errado dizer que esta produção é uma versão menos escrachada de Click, um dos maiores sucessos de Sandler. Ambos os filmes partem de uma premissa semelhante calcada no realismo fantástico de que um objeto mágico pode oferecer a um sujeito comum várias chances de mudar sua vida, mas obviamente o que era pura diversão aos poucos vai ganhando contornos reflexivos sobre responsabilidades e escolhas. 


Transitando entre o drama e a comédia, em momento algum o longa se leva muito a sério, embora a trama abra espaço para abordar temas relevantes, como a especulação imobiliária nos grandes centros urbanos, a importância em manter o patrimônio histórico e cultural, a luta militante contra o capitalismo e até a inserção dos judeus entre a população americana. Contudo, todas as temáticas não são tratadas com afinco e ficam pelo meio do caminho em meio a fabula familiar do roteiro proposto por Paul Sado e Thomas McCarthy, este que também assina a direção e mais acostumado a produções alternativas como O Agente da Estação e O Visitante. Nesta comédia dramática é possível identificar elementos característicos de outros trabalhos do diretor, mas o resultado soa mais como um contraponto e por vezes ele não sabe qual caminho seguir, principalmente na reta final quando uma reviravolta envereda a trama para um viés mais policial. Todavia, o cineasta acerta ao apostar em elementos fantásticos para explorar angústias reais e humanas, assim há certa beleza e magnetismo ao acompanharmos uma pessoa infeliz ganhar ânimo ao poder viver experiências inusitadas, mesmo que por pouco tempo e literalmente na pele de outros. E Sandler consegue fazer com que essas experiências ganhem uma conotação ingênua transformando Simkin praticamente em uma criança grande se divertindo com um brinquedo novo. 

Apoiado pela boa caracterização, com roupas largas e despojadas e a barba por fazer, Sandler convence na pele de um homem de meia-idade infeliz e já desgastado pela falta de perspectivas e consegue deixar um pouco de lado as piadas físicas ou escatológicas que tanto marcam sua carreira. Além do carisma próprio do ator, seu personagem também é de fácil identificação e empatia, afinal de contas quem nunca se imaginou alguma vez vivendo a vida de outro indivíduo mesmo que por só alguns instantes? A identidade adquirida pelo protagonista mais importante é a de seu próprio pai, Abraham (Dustin Hoffman), que abandonou a família há anos e os efeitos nocivos refletiram diretamente na identidade e comportamento do filho. Além de oferecer uma noite literalmente mágica e derradeira para sua mãe na companhia de seu grande amor, o rapaz tem a chance de compreender e perdoar a figura paterna que tanto lhe fez falta. McCarthy não se faz de rogado e adere à velha fórmula hollywoodiana de encontros e desencontros, conflitos forçados, piadas infames e desfechos previsíveis, assim infelizmente joga por terra um bom argumento. Por vezes as motivações de Simkin para certas ações, mesmo estando no corpo de outro alguém, não encontram justificativas plausíveis. São inseridas apenas para ocupar tempo de tela que, diga-se de passagem, resulta em uma duração excessiva para um projeto que poderia ser mais econômico e eficaz. 


Trocando os Pés parte de uma premissa que sugere múltiplas possibilidades para o protagonista se afastar de suas frustrações pessoais e oferecer ao enredo situações cômicas, mas a incessante busca em trazer alguma moral à brincadeira faz com que o filme tenha diversas quebras de ritmo. Apesar dos problemas, a fita não é tão ruim quanto os difamadores de Sandler gostariam que fosse, mas ao mesmo tempo está longe de marcar uma guinada na carreira do ator e tampouco o consolidar como um bom nome para histórias dramáticas. Trata-se apenas de um filme inofensivo e repleto de boas intenções, mas que derrapa feio no ato final ao misturar o singelo argumento a um desnecessário gancho envolvendo o crime organizado. Alçado a posição de herói erroneamente, já que ele não tem poder especial algum e sim sua máquina de costura, no clímax o protagonista passa a combater vilões, um enxerto que parece ter sido adicionado ao roteiro de última hora por imposições de terceiros visando possibilidades para uma continuação. Sem chances. O que poderia ser explorado da temática já foi exposto até com excessos, transformando a produção em um passatempo inócuo que suplanta outras possíveis interpretações que o argumento permitiria a respeito de medos, anseios e superações.

Comédia - 99 min - 2014

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