Nota 6 Longa tenta fugir da temática espiritual, mas esbarra em outros clichês e previsibilidade
Devem existir espalhados pelo mundo milhares de filmes praticamente desconhecidos, mas muitos deles provavelmente podem surpreender e serem bem melhores que alguns títulos cheios de banca lançados por grandes estúdios. Contudo, é triste constatar que a maioria até conta com boas premissas, mas perde-se no meio do caminho, ainda que existam produções como o suspense Sombras de um Desejo que não chegam a ser um completo engodo. Não é revolucionário e tampouco algo para marcar a vida de alguém, aliás, para os mais críticos deve parecer muito mais uma colcha de retalhos que alinhava situações previsíveis e já vistas em tantas outras produções do tipo, porém, este modesto filme merece certo reconhecimento por cumprir bem seu objetivo de deixar o espectador intrigado e entretido, ao menos até certo ponto. A trama roteirizada por Michael Petroni nos apresenta a Jess (Sarah Michelle Gellar), uma jovem advogada que leva uma vida perfeita ao lado do marido Ryan (Michel Landes) até o dia em que o problemático e ex-presidiário Roman (Lee Pace), seu cunhado, chega para passar uns dias com eles, mas sem data para ir embora. Com o novo hóspede, a harmonia da casa é quebrada, Jess se sente desconfortável com os olhares indiscretos de outro homem, mas entende que o marido se sente na obrigação de ajudar o irmão.
As coisas se complicam drasticamente quando estes dois homens sofrem um grave acidente de carro e ambos entram em coma. O tempo passa e Roman reage e acorda, mas surpreendentemente assumiu a personalidade de Ryan, este que ainda encontra-se imóvel e dependente de sedação. Seria uma confusão mental passageira ou um golpe do rapaz? Desorientada, Jess aceita receber a contragosto o cunhado em sua casa, pois é a única parente próxima, mas desconfia de seu problema de personalidade. O fato é que pouco a pouco Roman começa a dar indícios de que conhece detalhes íntimos da vida de casado de seu irmão, o que leva a advogada a admitir que de alguma forma inexplicável o espírito ou a memória de seu marido tenha sido incorporado pelo cunhado, ainda que Ryan não estivesse oficialmente morto. Refilmagem de um suspense coreano não lançado no Brasil, "Jungdok", o longa ao que tudo indica nunca teve pretensões de ser mais do que podia, assumindo sem culpa seu visual e estilo narrativo do tipo filme feito para a TV. A trama adaptada por Jae-young Gwak tem como mote principal desvendar o que levou um irmão recém-saído do coma a ter as lembranças e atitudes do outro que permanece vivo e em sono induzido. Por se tratar de uma refilmagem de suspense oriental, o caminho mais óbvio é acreditarmos que as respostas estão no campo espiritual e para tanto os diretores suecos Simon Sandquist e Joel Bergvall sabem como nos convencer lançando mão de detalhes cênicos e narrativos.
A cena do acidente, muito bem realizada, é cheia de pistas. Cada um dos irmãos está em um carro diferente e acabam colidindo de frente. Ambos sofrem paradas cardíacas e tentam ser ressuscitados com seus corpos ensanguentados deitados lado a lado sobre o asfalto e com um excelente trabalho de câmera e edição acompanhamos o sangue deles se unindo em uma única poça. Seria uma maneira poética de dizer que o bad boy teria uma segunda chance para se regenerar ainda em vida? Ou o problema é mesmo de ordem psicológica? Teria com o impacto da batida Roman sofrido algum tipo de confusão mental? Mas como explicar sua ciência sobre os detalhes da vida íntima do irmão com a esposa? A visão romanceada sobre a mistura dos sangues talvez seria uma opção que daria mais sustentação a trama. Embora bem produzido e com atenção especial dedicada à fotografia que traz certa melancolia à obra, este thriller carece de uma narrativa mais uniforme. Compramos a ideia de um suspense, mas várias sequências tentam forçar um clima romântico entre Jess e o cunhado que acabam por esfriar as expectativas por uma conclusão surpreendente, algo que na versão americana do enredo limou qualquer possibilidade de suspeitarmos a certa altura que o segredo esteja ligado a temas espíritas. Aliás, para quem já é escolado no gênero não fica muito difícil desvendar o mistério da trama, que segue uma fórmula mais convencional.
É nítido que este trabalho vai na contramão do que se espera quando falamos em refilmagens de fitas de horror orientais. Filmado quando tal corrente já estava sepultada em solo americano, era previsível que o filme não seria um sucesso arrebatador. Desbravando os bastidores da produção, que conta com a falência de umas das produtoras envolvidas e uma dificuldade generalizada para realizar a distribuição do longa, podemos perceber, contudo, que Sombras de um Desejo não foi um filme feito as pressas simplesmente para aproveitar os últimos suspiros da onda de refilmagens orientais. Na verdade seus realizadores até tomaram algumas liberdades quanto a obra original procurando fazer um longa diferenciado e que fugisse do velho gancho da possessão para justificar o enredo, mas obviamente erraram em algumas substituições. Se na versão coreana há tempo para delinear bem o perfil das personagens e construir um drama com toques sobrenaturais, a americana tenta injetar ritmo mais ágil e praticamente entrega o clímax de todo o longa logo na introdução, não dando abertura para que o espectador se envolva com a trinca de protagonistas.
Por outro lado, nem precisaria mesmo gastar alguns minutos a mais na construção de tais perfis, afinal o roteiro já entregou tudo bem mastigadinho deixando bem claro qual dos irmãos é do bem e quem representa o mal, enquanto na obra original um é amante das artes e muito calmo e o outro um piloto de corridas movido a adrenalina, características importantes para a percepção de quando um toma o corpo do outro e que ajudam a deixar as dúvidas mais em evidência. Pode-se dizer que as sutilezas de um filme forma trocadas pelo maniqueísmo em sua refilmagem, além do fato do título brasileiro apelar para a ideia de um romance que atravessa fronteiras. Em cima do muro entre o suspense e o romance, o longa peca por não oferecer sustos ou instigar o espectador a procurar detalhes que expliquem a situação de Roman, assim acompanhar a trama passivamente acaba sendo a única opção. O drama praticamente onipresente até pouco mais da metade aos poucos vai cedendo espaço para alguns poucos elementos contraditórios para plantar o suspense na trama até culminar em questões acerca de ética e ganância. De qualquer forma, um passatempo indolor e honesto, afinal sua curta duração não nega seu poder de fogo.
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