segunda-feira, 27 de setembro de 2021

OS ANJOS DA GUERRA


Nota 6 Mostrando como a Polônia conviveu com o nazismo, impacta subtrama religiosa da obra


Existe uma grande quantidade de filmes a respeito da Segunda Guerra Mundial, mas os mais famosos costumam ser aqueles que enfocam os principais acontecimentos do período. No entanto, muitas produções que se dedicam a apresentar pormenores da época acabam passando despercebidos, até porque a maioria não se trata de superproduções. Os Anjos da Guerra pode não ser excepcional, mas tem um detalhe bastante original no enredo. Escrito e dirigido por Yurek Bogayevicz, a trama mostra como a Polônia vivenciou a tensão do conflito logo após a invasão nazista em 1939. Três anos depois, muitos judeus estavam com medo de serem mortos e ao menos tentaram preservar a vida de seus filhos os enviando para outras cidades contando apenas com a sorte. Romek (Haley Joel Osment) tinha só 11 anos quando foi obrigado a se separar da família e mudar de cidade pouco antes da deportação de todo o gueto para os campos de extermínio. 

Escondido dentro de um saco de batatas para ludibriar os vigilantes alemães, o garoto é mandado para um pequeno vilarejo onde é acolhido pelo bondoso fazendeiro Gniecio Lípar (Olaf Lubaszenko) que orienta sua família, se necessário, a apresentá-lo aos curiosos como um primo. A esposa, Manka (Malgorzata Foremniak), o recebe como se fosse uma obrigação, mas nem de longe demonstra o mesmo desprezo que Vladek (Richard Banel), seu filho mais velho. Talvez pela idade semelhante, o garoto vê o judeuzinho como um rival na disputa pela atenção do pai, algo acirrado quando sua namoradinha Maria (Olga Frycz) também passa a se aproximar do refugiado, mas obviamente sem saber sobre sua verdadeira história. Já o caçula dos Lípar, o pequeno Tolo (Liam Hess), mostra-se mais receptivo e logo trata de fazer amizade. Para manter seu disfarce, Romek também teria que frequentar as aulas de catecismo que o padre (Willem Dafoe) ofereceria. Honrando sua batina, o religioso estava sempre pronto para ajudar, mas os tempos difíceis testavam sua boa fé. 


O padre é chamado para evitar a morte de um casal que criava porcos escondidos, mas sabendo das dificuldades para capturar esses animais os oficiais alemães obrigam o padre a caçá-los e caso conseguisse recuperá-los as vidas dos fazendeiros seriam poupadas. Com a crueldade que reinava na época não é preciso fazer muito esforço para saber como isso acaba. É justamente este gancho envolvendo os animais o detalhe original citado anteriormente. Os nazistas matavam a sangue frio os judeus, mas pessoas de outras religiões eram obrigadas a definhar devido a falta de alimentos. A criação de animais era proibida e quem ousasse driblar a lei tinha os bichos confiscados e automaticamente eram executados, assim muitos mantinham criações em porões visando o próprio sustento ou a venda clandestina. Dessa forma, Gniecio tinha duas bombas a explodir dentro de casa. Além de abrigar um judeu também tinha um porco sendo criado por debaixo dos panos, segredos que não poderiam de forma alguma chegar a casa dos vizinhos, como Kluba (Andrzej Grabowski) e seus filhos que tinham a fama de desrespeitarem regras básicas para a convivência social e eram capazes de tudo para tirar algum proveito das situações. 

Paralelo a tantos problemas, Tolo embarca em uma espiral de loucura quando fica fascinado pela trajetória de Jesus. O padre propõe que os alunos do catecismo dramatizem uma passagem importante do Evangelho e o garoto teima que tem que viver o salvador da humanidade. Incentivado pelos maldosos vizinhos, ele realmente tenta incorporar o personagem e começa a procurar formas de se martirizar e até batiza seus amigos prometendo que os salvará em breve. Sua loucura passa a interferir drasticamente na rotina de todos e dá a oportunidade de Hess cativar a plateia e jogar para escanteio Osment que então era usado como chamariz após o sucesso em O Sexto Sentido. A estrela-mirim da época não está necessariamente ruim, mas parece apagadinho em meio ao resto do elenco juvenil, todos protagonizando cenas com consideráveis cargas dramáticas. 


Baseado em fatos reais e coproduzido entre os EUA e a Polônia, o título Os Anjos da Guerra cai muito bem à produção, pois mostra a perda da inocência das crianças diante das atrocidades, tanto que é até apresentado de forma velada um estupro de um menor a uma incapaz. Para que pudor em um mundo totalmente selvagem? Embora esteja anos-luz de figurar entre as melhores produções sobre a Segunda Guerra Mundial, o longa não merecia o desprezo que sofreu. Como uma produção independente, teve dificuldades para chegar aos cinemas americanos e acabou sendo lançado mundialmente apenas em homevideo, jogando as responsabilidades do fracasso em cima de Osment que não teria carisma ou talento suficientes, tendo apenas um golpe de sorte quando conquistou o papel do menino que enxergava e ouvia mortos, que inclusive lhe rendeu uma indicação ao Oscar como ator coadjuvante. Infelizmente, o tempo confirma tal teoria, mas o filme deve ser salvo da crucificação completa.

Drama - 90 min - 2001

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