NOTA 6,0 Steve Martin forma uma boa dupla com Queen Latifah em comédia que, embora divertida, levanta alguns preconceitos |
Steve Martin até que já tentou atuar em outros tipos
de filmes, mas a comédia é realmente seu território sagrado. Vez ou outra ele
faz algo com um humor mais inteligente, porém, não tem jeito, ele sempre
regressa às produções a la “Sessão da Tarde”. E o pior de tudo é constatar que
no futuro quando assistirmos produtos como A Casa Caiu sentiremos sua falta e do
tipo de filme ao qual ele tanto se dedicou. Bem, isso se você for um espectador
não muito crítico obviamente. Nesta comédia dirigida por Adam Shankman, que
futuramente realizaria os ótimos Hairspray
– Em Busca da Fama e Um Faz de Conta
que Acontece, mais uma vez o tema do homem moderno que é mais preocupado
com o trabalho do que com a própria família está em evidência. Peter Sanderson
(Martin) é um representante da nova terceira idade. Ok, pelo seu ritmo e
características de sua vida digamos que ele ainda não é legitimamente um idoso,
mas está quase lá. Embora exibindo uma cabeleira branca e esteja divorciado de
Kate (Jean Smart) aparentemente a contragosto, ele não perdeu a vontade de
viver e continua trabalhando em um escritório de advocacia, tenta fazer o
melhor que pode para cuidar dos filhos e vez ou outra procura uma nova paquera
através de chats de internet. Certo dia ele marca um encontro com uma advogada
que pela descrição física parece muito atraente. Ansioso, ele escolhe sua
melhor roupa, se perfuma, arruma a casa e para sua surpresa recebe a visita de
Charlene Morton (Queen Latifah), uma mulher que fisicamente não lembra em nada
a descrição do chat e que para piorar é uma fugitiva presidiária desbocada e
com atitudes rudimentares. Ela se passou por outra propositalmente para se
aproximar de Sanderson para que ele aceite defendê-la e a ajude a limpar seu
nome. O advogado recusa várias vezes, mas sua “pretendente” é incansável e faz
qualquer negócio para convencê-lo nem que precise literalmente acabar com a sua
paciência. A experiência desagradável inicialmente acaba fazendo muito bem a
este homem sério que passa a ver a vida de forma mais descontraída, ainda que
problemas não lhe faltem.
Além de se envolver com uma turma barra pesada para
ajudar sua cliente, paralelamente Sanderson está infeliz com os rumos que sua
vida profissional tomou e precisa convencer uma petulante idosa milionária, a
Sra. Arness (Joan Plowright), de que a empresa na qual ele trabalha é a melhor
para cuidar das burocracias que envolvem seus investimentos. Para conquistar
essa confiança, o advogado precisa provar que é de boa índole, o que inclui um
jantar em sua residência e a apresentação de sua família, mas Charlene com suas
atitudes poucos sutis pode colocar tudo a perder. É no encontro entre a velha
senhora e a presidiária que fica mais latente um dos grandes problemas apontados
da produção. O preconceito fica explícito através dos comentários de Arness
recordando o passado de sua família e o relacionamento com os empregados de
cor, mas em respeito a uma grande e veterana atriz podemos nos fazer de bobos e
perdoar este equivoco em sua carreira, um papel que cairia melhor a uma
senhorinha mais despachada como Barry White que surge aqui como a vizinha
bisbilhoteira do protagonista. Contudo, temos que lembrar que nada aqui deve
ser levado a ferro e fogo, porém, em tempos em que o politicamente correto está
em alta (coisa que já dura muitos anos) qualquer faísca pode ser tornar uma
fogueira e são comuns comentários negativos a obra apontando preconceitos e
estereótipos do início ao fim. O espanto do primeiro encontro entre os
protagonistas por parte de Sanderson seria por causa da mentira que constatou
ou por que a mulher que se apresentou é gorda, negra e ainda por cima fichada
criminalmente? Arness por ser branca e rica sente-se no direito de humilhar de
forma falsamente elegante um empregado de cor? O advogado precisa apresentar
sua família, mas prefere justificar a presença de Charlene em sua casa como
doméstica para seguir uma preconceituosa hierarquia? E sobra até para o
personagem de Eugene Levy, como o melhor amigo do advogado, que fica com fama
de tarado e de apreciar pessoas fora dos padrões estéticos comumente exigidos,
ou seja, é visto como um adepto de “bizarrices”.
Bem, o roteiro de Jason Filardi aparentemente não teve
preocupações em levantar preconceitos, mas sim com o humor em primeiro lugar.
Todavia, parece que reuniu o máximo possível de situações questionáveis e
obviamente de clichês. Todos sabem que se tratando de uma comédia para agradar
a todas as idades o final alto astral está garantido. O que importa neste é
caso é saber qual o sabor do recheio. Embora muitos sintam este trabalho de
forma agridoce, no final das contas ele é bem açucarado. Entre uma e outra cena
de humor, equilibrando bem piadas visuais e contidas no texto, sempre temos
alguma sequência mais sentimental, sendo que Sanderson acaba vendo em Charlene
uma espécie de confidente e ela, por sua vez, tenta transformar o homem caretão
em alguém mais descolado, uma forma dele conseguir se aproximar mais dos
filhos, quem sabe reconquistar a ex-esposa, ganhar autonomia profissional, mas
principalmente encarar a vida com um olhar mais brando. O advogado muda tanto
seu comportamento que até aceita se transformar em um “tiozão mano” para ajudar
sua cliente e amiga. Aliás, tal parte é a mais marcante de todo o longa, talvez
pelo grau de ridicularização que expõe o pobre Martin, mas o ator está
acostumado a pagar micos e cai literalmente no ritmo do hip-hop, praticamente a
trilha sonora oficial de qualquer filme que tenha um personagem negro em foco,
além de abusar das gírias, estas que nas traduções e dublagens para o português
acabaram sendo substituídas por expressões da moda na época. Elogiar hoje em
dia um homem como “tigrão” talvez seja o equivalente a dizer que ele “é um
pão”, ambos modismos que tiveram seu período de serventia, mas hoje soam extremamente
arcaicos. De qualquer forma, A Casa Caiu ainda garante um
agradável divertimento desde que o espectador esteja disposto a gargalhar de
piadas óbvias e nem pense em procura pêlo em ovo, caso contrário, encontrará
aqui um chumaço de cabelos para questionar. O jeito é levar na brincadeira o
contraste entre os burgueses caucasianos e a “ralé” negra adepta de uma
festinha regada a bebidas e som no último volume. Analisando bem, a visão de
Shankman pode parecer preconceituosa e manipuladora, mas infelizmente ainda a
tendência é que na realidade as pessoas façam tais distinções com frequência.
Eita! Isso é uma comédia. Para discutir questões raciais e sociais temos bons
dramas a disposição. Desculpe o trocadilho, mas este é um trabalho para encarar
sem preconceitos.
Comédia - 105 min - 2003
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