segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A CASA CAIU

NOTA 6,0

Steve Martin forma uma boa
dupla com Queen Latifah em
comédia que, embora divertida,
levanta alguns preconceitos
Steve Martin até que já tentou atuar em outros tipos de filmes, mas a comédia é realmente seu território sagrado. Vez ou outra ele faz algo com um humor mais inteligente, porém, não tem jeito, ele sempre regressa às produções a la “Sessão da Tarde”. E o pior de tudo é constatar que no futuro quando assistirmos produtos como A Casa Caiu sentiremos sua falta e do tipo de filme ao qual ele tanto se dedicou. Bem, isso se você for um espectador não muito crítico obviamente. Nesta comédia dirigida por Adam Shankman, que futuramente realizaria os ótimos Hairspray – Em Busca da Fama e Um Faz de Conta que Acontece, mais uma vez o tema do homem moderno que é mais preocupado com o trabalho do que com a própria família está em evidência. Peter Sanderson (Martin) é um representante da nova terceira idade. Ok, pelo seu ritmo e características de sua vida digamos que ele ainda não é legitimamente um idoso, mas está quase lá. Embora exibindo uma cabeleira branca e esteja divorciado de Kate (Jean Smart) aparentemente a contragosto, ele não perdeu a vontade de viver e continua trabalhando em um escritório de advocacia, tenta fazer o melhor que pode para cuidar dos filhos e vez ou outra procura uma nova paquera através de chats de internet. Certo dia ele marca um encontro com uma advogada que pela descrição física parece muito atraente. Ansioso, ele escolhe sua melhor roupa, se perfuma, arruma a casa e para sua surpresa recebe a visita de Charlene Morton (Queen Latifah), uma mulher que fisicamente não lembra em nada a descrição do chat e que para piorar é uma fugitiva presidiária desbocada e com atitudes rudimentares. Ela se passou por outra propositalmente para se aproximar de Sanderson para que ele aceite defendê-la e a ajude a limpar seu nome. O advogado recusa várias vezes, mas sua “pretendente” é incansável e faz qualquer negócio para convencê-lo nem que precise literalmente acabar com a sua paciência. A experiência desagradável inicialmente acaba fazendo muito bem a este homem sério que passa a ver a vida de forma mais descontraída, ainda que problemas não lhe faltem.

Além de se envolver com uma turma barra pesada para ajudar sua cliente, paralelamente Sanderson está infeliz com os rumos que sua vida profissional tomou e precisa convencer uma petulante idosa milionária, a Sra. Arness (Joan Plowright), de que a empresa na qual ele trabalha é a melhor para cuidar das burocracias que envolvem seus investimentos. Para conquistar essa confiança, o advogado precisa provar que é de boa índole, o que inclui um jantar em sua residência e a apresentação de sua família, mas Charlene com suas atitudes poucos sutis pode colocar tudo a perder. É no encontro entre a velha senhora e a presidiária que fica mais latente um dos grandes problemas apontados da produção. O preconceito fica explícito através dos comentários de Arness recordando o passado de sua família e o relacionamento com os empregados de cor, mas em respeito a uma grande e veterana atriz podemos nos fazer de bobos e perdoar este equivoco em sua carreira, um papel que cairia melhor a uma senhorinha mais despachada como Barry White que surge aqui como a vizinha bisbilhoteira do protagonista. Contudo, temos que lembrar que nada aqui deve ser levado a ferro e fogo, porém, em tempos em que o politicamente correto está em alta (coisa que já dura muitos anos) qualquer faísca pode ser tornar uma fogueira e são comuns comentários negativos a obra apontando preconceitos e estereótipos do início ao fim. O espanto do primeiro encontro entre os protagonistas por parte de Sanderson seria por causa da mentira que constatou ou por que a mulher que se apresentou é gorda, negra e ainda por cima fichada criminalmente? Arness por ser branca e rica sente-se no direito de humilhar de forma falsamente elegante um empregado de cor? O advogado precisa apresentar sua família, mas prefere justificar a presença de Charlene em sua casa como doméstica para seguir uma preconceituosa hierarquia? E sobra até para o personagem de Eugene Levy, como o melhor amigo do advogado, que fica com fama de tarado e de apreciar pessoas fora dos padrões estéticos comumente exigidos, ou seja, é visto como um adepto de “bizarrices”.

Bem, o roteiro de Jason Filardi aparentemente não teve preocupações em levantar preconceitos, mas sim com o humor em primeiro lugar. Todavia, parece que reuniu o máximo possível de situações questionáveis e obviamente de clichês. Todos sabem que se tratando de uma comédia para agradar a todas as idades o final alto astral está garantido. O que importa neste é caso é saber qual o sabor do recheio. Embora muitos sintam este trabalho de forma agridoce, no final das contas ele é bem açucarado. Entre uma e outra cena de humor, equilibrando bem piadas visuais e contidas no texto, sempre temos alguma sequência mais sentimental, sendo que Sanderson acaba vendo em Charlene uma espécie de confidente e ela, por sua vez, tenta transformar o homem caretão em alguém mais descolado, uma forma dele conseguir se aproximar mais dos filhos, quem sabe reconquistar a ex-esposa, ganhar autonomia profissional, mas principalmente encarar a vida com um olhar mais brando. O advogado muda tanto seu comportamento que até aceita se transformar em um “tiozão mano” para ajudar sua cliente e amiga. Aliás, tal parte é a mais marcante de todo o longa, talvez pelo grau de ridicularização que expõe o pobre Martin, mas o ator está acostumado a pagar micos e cai literalmente no ritmo do hip-hop, praticamente a trilha sonora oficial de qualquer filme que tenha um personagem negro em foco, além de abusar das gírias, estas que nas traduções e dublagens para o português acabaram sendo substituídas por expressões da moda na época. Elogiar hoje em dia um homem como “tigrão” talvez seja o equivalente a dizer que ele “é um pão”, ambos modismos que tiveram seu período de serventia, mas hoje soam extremamente arcaicos. De qualquer forma, A Casa Caiu ainda garante um agradável divertimento desde que o espectador esteja disposto a gargalhar de piadas óbvias e nem pense em procura pêlo em ovo, caso contrário, encontrará aqui um chumaço de cabelos para questionar. O jeito é levar na brincadeira o contraste entre os burgueses caucasianos e a “ralé” negra adepta de uma festinha regada a bebidas e som no último volume. Analisando bem, a visão de Shankman pode parecer preconceituosa e manipuladora, mas infelizmente ainda a tendência é que na realidade as pessoas façam tais distinções com frequência. Eita! Isso é uma comédia. Para discutir questões raciais e sociais temos bons dramas a disposição. Desculpe o trocadilho, mas este é um trabalho para encarar sem preconceitos.

Comédia - 105 min - 2003

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