Nota 7 Suspense à moda antiga dispensa violência explícita, mas obra carece de um clímax
Enquanto algumas figuras viram estreladas aplaudidas e elogiadas da noite para o dia, outras batalham durante anos e as vezes chegam ao fim da carreira sem o devido reconhecimento. Por exemplo, se você é realmente ligado em cinema já deve ter ouvido falar em Bill Paxton, certo? Opa, claro ele fez aquele filme... Aquele... Empacou? Ele participou de Apollo 13, Twister, Titanic entre outras dezenas de produções, mas nunca se tornou um nome relevante a ponto de ser um chamariz de público, porém, sua filmografia é bem interessante e foi enriquecida quando ele experimentou a carreira de diretor, mesmo com apenas dois longas assinados. Sua estreia com A Mão do Diabo apresenta um suspense digno de elogios, mas é muito raro que alguém consiga se dar bem logo em seus primeiros trabalhos atrás das câmeras, ainda mais explorando um combalido gênero, mas Paxton surpreende com uma direção segura e inesperada. A atmosfera que criou consegue ser tensa e ao mesmo tempo melancólica, além de preservar um delicioso resquício de nostalgia impresso no ritmo e no visual. O diretor também acerta ao não se entregar ao vício desse tipo de produção e carregar seu trabalho com tintas escuras. As cenas mantêm um clima obscuro até mesmo quando realizadas sob forte luz solar, graças também a escolha de locações e cenários que transmitem a perfeita sensação de isolamento geográfico no qual os protagonistas se encontram.
O roteiro de Brent Hanley não é de fácil assimilação, exige atenção aos detalhes de texto e imagens e traz a tona um tema polêmico: o poder de uma crença sobre uma pessoa sugestionável. A trama já começa de forma intrigante. No Texas, um homem procura o escritório do FBI afirmando que tem informações a revelar sobre o serial Killer conhecido como Mão de Deus e exige falar com o investigador Wesley Doyle (Powers Boothe). O denunciante Fenton Meiks (Matthew McConaughey) diz que descobriu que seu próprio irmão mais novo, Adam (Levi Kreis), é o tal assassino e que a pouco ele cometeu suicídio. Como o rapaz chegou aparentando estar perturbado, no início sua história parece insana, mas o agente decide continuar ouvindo seus relatos. A partir de então, através de flashbacks, Fenton passa a narrar as tristes e trágicas lembranças que marcaram a sua infância. Certo dia, após ter uma suposta visão divina, seu pai (vivido pelo próprio Paxton e cujo nome não é revelado), resolve seguir as ordens a ele confiadas e começa a caçar e a matar os demônios que estão vagando pela região em que vivem disfarçadas como seres humanos normais, mas todos pecadores. Ainda crianças, Fenton e Adam (interpretados nesta fase respectivamente por Matthew O’Leary e Jeremy Sumpter) passam a presenciar o estranho comportamento do pai tomando algumas atitudes que os impactam negativamente e que não lembravam em nada o homem amoroso e prestativo que os criava até então.
O senhor Meiks começa a sequestrar pessoas que supostamente estariam em uma lista repassada por um anjo mensageiro. O filho mais velho se desespera com o estado de seu pai enquanto o mais novo também demonstra acreditar nas tais ordens superioras. Um o enxerga como uma ameaça o outro o tem como um grande herói. A narrativa passa a se desenrolar investindo em uma tensão crescente, porém, jamais atingindo um satisfatório clímax. Contudo, é louvável que a obra consiga deixar os espectadores roendo as unhas sem apelar para cenas de violência e sanguinolência explícita, embora os dois garotos presenciem por várias vezes o pai executando com um machado as pessoas que ele julga endemoniadas, mas as mutilações jamais são apresentadas. Paxton preferiu causar tensão utilizando recursos de câmera e efeitos sonoros e de edição precisos para causar o impacto necessário para demarcar as execuções. À medida que esse homem começa a delegar as missões divinas também aos filhos, seu primogênito se revolta e o pai, no ápice da loucura, o aprisiona em um porão que fez o próprio menino cavar acreditando que ele também pode ser um dos demônios que precisa destruir.
Dá para perceber que este não é um filme de terror como o título pode sugerir, sendo legitimamente um suspense com características que nos remetem, guardadas as devidas proporções, a obras do mestre Alfred Htichcock e até mesmo do outrora cultuado M. Night Shymalan, afinal de contas a conclusão faz com que o espectador relembre os detalhes ou até mesmo queira assistir mais uma vez para juntar as peças necessárias para uma melhor compreensão. Logo nos primeiros minutos, por exemplo, já temos pistas importantíssimas e o espectador se sente instigado a acompanhar a história e pode até se surpreender porque embora o nome de McConaughey seja usado como chamariz, quem carrega o filme é a o intérprete da sua versão pré-adolescente. Aliás, os dois jovens atores que vivem Fenton e Adam conseguiram atuações invejáveis e encararam cenas muito difíceis. Embora não exiba cenas de violência explícita, o longa é carregado de dramaticidade e pressão psicológica, o que para alguns é um ponto negativo pelo fato da produção envolver ativamente menores de idade. Contudo, os garotos parecem tão imersos neste tenso universo que as vezes até esquecemos de suas reais idades e enxergamos dois atores maduros em cena. Isso se deve não apenas ao talento de ambos, mas também a sensibilidade de Paxton para conduzi-los e aos diálogos e cenas espertas de um roteiro enxuto e eficiente que se equilibra entre os alicerces dos gêneros policial e suspense.
A Mão do Diabo realmente é dotado de muitos pontos positivos, valendo-se principalmente pelas opções estéticas escolhidas, porém, como já dito, a ausência de um clímax narrativo faz os ânimos do espectador esfriarem partindo assim rumo a conclusão sem grandes expectativas. Era preciso uma cena forte e impactante entre os flashbacks para prender ainda mais a atenção do público, mas Paxton neste caso arriscou uma trucagem. As várias cenas de mortes são apresentadas de forma escamoteada e a câmera procura focar as reações de Adam e Fenton diante de tais atrocidade, mas na conclusão todas estas sequências são reapresentadas sob uma nova e reveladora perspectiva. Dessa forma, o grande problema da obra provavelmente é a falta de ousadia ou de foco. Trabalha com um viés psicológico, mas não o aprofunda, assim como também lança questões sobre o fanatismo religioso, todavia, sem se posicionar entre a verdade ou a mentira a respeito dos escolhidos por Deus para realizar missões na Terra. Deixando essa pegada intelectual de lado, eis aqui uma produção que entretém com qualidade e que merece ser descoberta pelo menos para se fazer uma desintoxicação mental leve, afinal a virose de suspenses ruins e repetitivos é um problema crônico. Prestigiar aqueles que tentam fazer a diferença vale a pena.
Suspense - 100 min - 2001
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