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NOTA 8,5 Invertendo expectativas, obra foge da previsibilidade e clichês para narrar história de terror psicológico em que fé e ignorância são os vilões |
Basicamente histórias de horror
são construídas tendo como base o bem contra o mal ou, seguindo tradições
cristãs, resumem-se a batalha sem fim de Deus contra o Diabo. Dependendo das
crenças de cada espectador uma mesma obra do tipo pode ter um amplo leque de
interpretações, principalmente quando a violência gráfica não está no enfoque.
Seguindo uma proposta razoavelmente incomum, a ideia do suspense A Bruxa tem como ponto de partida a dúvida
sobre a existência daquilo que seus personagens acreditam. A introdução
apresenta uma família, com todos os membros de costas para a câmera, ouvindo
sua sentença em um tribunal que os acusa de heresia. O pai, a mãe e seus cinco
filhos são expulsos da comunidade em que vivem. Estamos em meados do século 17
na Nova Inglaterra, época e local em que qualquer desvio do padrão religioso
imposto é interpretado como uma grave ameaça para manter a sociedade no caminho
considerado correto. Assim o título ganha duas conotações iniciais. O clã
sentenciado poderia de fato adorar a figura concreta de uma feiticeira bem como
encaixa-se uma metáfora a respeito da expressão caça às bruxas, como ficaram
conhecidas as perseguições às pessoas que tinham comportamentos e ideais
contraditórios ao que era imposto por regimes políticos e religiosos na Europa
durante a Idade Média. No entanto, não fica claro qual o credo praticado pelos
acusados e repudiado para tal sentença, mas é a partir do afastamento do tal
núcleo familiar que eventos assustadores são desencadeados. Detalhe, não
envolvendo a comunidade, mas sim os próprios membros da família que
ironicamente partiram reafirmando que dificilmente existiriam outras pessoas
tão apegadas a fé como eles. Os puritanos William (Ralph Ineson) e Katherine (Kate
Dickie) mudam-se para uma região inóspita e isolada do interior, próximo a uma
floresta, e não tardam a sentir e presenciar sinais de que uma força estranha
paira por lá. Os problemas começam quando, além do fracasso das colheitas das
plantações que garantiriam o próprio sustento do clã e a rebeldia repentina
doas animais que criam, a filha mais velha Thomasin (Anya Taylor-Joy) perde o
irmão mais novo, um bebê de colo, de forma inexplicável. Foi só um segundo de
distração e parece que alguma criatura maligna cruzou seu caminho. Logo os
gêmeos Mercy (Ellie Grainger) e Jonas (Lucas Dawson) também vivenciam estranhas
situações assim como Caleb (Harvey Scrimshaw), o filho do meio que se enche de
coragem para ajudar os pais neste momento em que a fé de todos é colocada em
xeque.
Abrindo mão de reviravoltas ou
violência exagerada, mas exaltando o realismo, o diretor e roteirista estreante
Robert Eggers em um primeiro momento parece que conduzirá sua obra atrelada a
típica imagem da bruxa medieval, a imagem e semelhança das vilãs
universalizadas pelos contos clássicos dos irmãos Grimm. Seria uma força
estranha que habita a mata cerrada e vigia o cotidiano da família aproveitando
de seus momentos de distrações. A qualquer momento algo inesperado pode
acontecer e os personagens permanecem imersos em uma tensão crescente com o
equilíbrio psicológico de todos abalado a ponto da adolescente Thomasin ser
hostilizada pelos próprios parentes que suspeitam que ela esteja metida com
bruxaria, ainda que seu pai defenda a ideia de que um lobo capturou seu filho.
Todo o enredo gira em torno da personagem defendida por Taylor-Joy que consegue
manter um jeito meigo e delicado mesmo sendo uma vítima do medo. Apontada como
negligente após o sumiço do bebê, ela passa a estranhar o comportamento dos
irmãos, principalmente dos gêmeos que, embora acreditem que ela tenha ligações
com o demônio, são eles que conversam com um bode preto, animal cuja imagem é
intrinsicamente vinculada ao universo satânico. Para complicar a situação, a
jovem está na idade de transformações físicas e do despertar sexual, elementos
muito exaltados em fitas de horror, assim causa certo desconforto entre os
homens da família e estimula indiretamente uma rixa com a própria mãe pelo
simples fato de estar cumprindo o ciclo da vida permitindo-se amadurecer. Ela
representaria no cunho religioso a tentação que leva os homens a se
desvirtuarem e mulheres a enlouquecerem por conta da inveja despertada. Ainda
que pareça a pessoa mais sensata de sua casa, Thomasin carece de certa
concepção intelectual e principalmente emocional, assim como seus demais
parentes, para compreender que está havendo um desgaste gradual e natural dos
laços afetivos, mas a moral cristã exagerada os forçam a encontrar um culpado
para justificar a espiral de infortúnios. No fundo acreditam que forças
malignas da floresta estão agindo sobre eles, porém, dentro da educação que os
regem, é mais cômodo viver com a certeza de que tudo que é negativo é uma
punição por algum pecado cometido, logo carregam tal sentimento desde o
nascimento já que são frutos da luxúria. E nesse ambiente incômodo, registrado
com uma paleta de cores cinzenta acentuando a precariedade da época, mais especificamente
da triste vida que levavam pessoas à margem da sociedade, os recursos sonoros
são exaltados. O ruído dos ventos, o piar dos pássaros, o estalar de um
graveto, tudo que quebra o silêncio ganha um tom ameaçador.

Suspense - 93 min - 2015
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