segunda-feira, 18 de março de 2024

QUATRO AMIGAS E UM CASAMENTO


Nota 3 Extrapolando os limites da liberalidade, obra carece de personagens e conflitos empáticos


No final dos anos 1990, American Pie mexeu com os hormônios do público jovem, principalmente dos meninos, e uma série de produtos similares surgiu. Essa turminha cresceu e então o gênero comédia voltou suas atenções para os homens acima dos trinta anos de idade, assim eles se viram bem representados em produções como O Virgem de 40 anos, A Ressaca e Passe Livre. Mas e as mulheres? As órfãs dos antigos filmes água-com-açúcar protagonizados por Julia Roberts, Meg Ryan, Sandra Bullock e companhia bela simpatizaram-se com os dilemas vividos pelo grupo feminino protagonista de Missão Madrinha de Casamento e assim um novo caminho para o humor no cinema parece ter sido inaugurado, embora tentativas de emocionar e divertir o público com os problemas e as alegrias de grupos de amigas de longa data não sejam nenhuma novidade. É por esse caminho que Quatro Amigas e um Casamento tenta conquistar principalmente as plateias femininas que já passaram da idade de acreditar em príncipe encantado, mas infelizmente o longa não consegue atingir plenamente seus objetivos, pelo contrário, fica muito longe de suas pretensões. Tentando manter o espírito do citado filme das madrinhas de casamento acrescentando ainda um quê de inspiração oriundo de Se Beber Não Case, a diretora e roteirista Leslye Headland aposta em situações grotescas e escatológicas que acabam aborrecendo ou até mesmo envergonhando o espectador que encontra poucos motivos para se divertir. 

Baseado numa peça teatral da própria cineasta, o roteiro se prende ao reencontro de quatro amigas para o casamento de uma delas. Na época do colegial, Regan (Kristen Dunst), Katie (Isla Fisher) e Gena (Lizzy Caplan) eram garotas muito populares, conhecidas como as abelhas-rainhas, e adoravam perturbar a gordinha e deslocada Becky (Rebel Wilson), mas mesmo assim formavam um quarteto inseparável. Elas cresceram e certo dia uma notícia surpreendente surge. Justamente a garota menos popular do grupo vai ser a primeira a se casar. Essa introdução captamos em poucos minutos, mas é a partir desse ponto que os problemas já começam a surgir. Regan é a mulher mais bonita e desejável do grupo com sua pele e olhos clarinhos, corpo esguio e cabelo bem tratado. Ela é a primeira a saber do casamento da cara de porco (apelido de Becky no colégio) e fica enciumada que justamente a amiga menos popular seja a primeira a colocar uma aliança no dedo, ainda mais porque o noivo, Dale (Hayes MacArthur), não é nenhum tribufu para combinar com seu par. É ensaiado então um diálogo preconceituoso dando a entender que Regan quer jogar litros de água fria nos ânimos da noiva insinuando que o rapaz só quer se aproveitar dela e que o casamento não passaria de uma ilusão. A conversa não avança para este lado clichê, porém, seria bem mais interessante que o escolhido por Headland para dar continuidade a sua narrativa. Após várias fofocas via telefone, o trio de amigas se reúne para festejar os últimos momentos de solteirice de Becky com uma festinha pré-nupcial com muita bebida, papo furado, vergonhosos discursos de votos de felicidade e a tradicional piada do dançarino que chega de surpresa para tirar a roupa e atiçar a castidade da noiva. 


Apesar de tais situações apontarem para uma comédia besteirol, a diretora acaba insistindo em levar a sério demais sua obra e a todo instante tenta inserir conflitos para trazer um tom de realismo desnecessário à trama. Assim, entre um momento feliz aqui ou ali, cada uma das amigas revela suas reais reações diante da notícia do casório, deixando latente a insegurança que experimentam. Nessa ladainha não chegamos nem a metade do filme e já estamos aborrecidos. O tédio aumenta ao descobrirmos o fiapo de roteiro que tentará prender a atenção dos espectadores por cerca de mais uma hora. Bêbadas e possivelmente drogadas, as amigas infelizes resolvem se divertir com o vestido da noiva, obviamente fazendo piadas quanto a silhueta avantajada da moça, e acabam estragando acidentalmente o traje. Agora elas têm que correr contra o tempo para conseguirem reparar o que fizeram em poucas horas antes que Becky se dê conta do que aconteceu e perceba o quanto é desprezada por aquelas mulheres que ela inocentemente acreditava terem amadurecido e agora serem suas melhore amigas. Problemas de última hora antes de um casamento são temas recorrentes das comédias românticas, mas é preciso saber trabalhá-los, todavia, os eventos equivocados escolhidos acabam não tendo efeitos diretos na noiva. As madrinhas estão envolvidas em situações escabrosas simplesmente visando seus próprios interesses que, provavelmente, nesse momento sejam afogar suas mágoas na bebida ou achar um companheiro de última hora para não chegarem desacompanhadas no casório. E tudo isso com um volumoso pano branco para assombrá-las de vez em quando e lembrá-las de que precisam remendar ou conseguir um novo vestido de noiva em poucas horas.

O elenco feminino até se esforça, ainda que as personagens pareçam presas aos tempos do colegial, mas não consegue dar alguma dignidade a um roteiro capenga e arrastado, prejudicado ainda mais pela edição que tenta dar conta de tantas tramas paralelas. Sim, após a brincadeira desastrosa com o vestido, as abelhas-rainhas assumem cada qual uma subtrama. Becky, que teoricamente seria o centro das atenções, é jogada para escanteio, voltando apenas nas cenas finais para a previsível conclusão, assim sendo um personagem vazio. Katie é a beberrona do grupo, aquela ovelha negra que também é adepta de entorpecentes e que faz escândalos sem pudor algum. Gena reencontra na véspera do casório seu ex-namorado, Clyde (Adam Scott), por quem ainda é apaixonada, mas problemas do passado envolvendo uma gravidez indesejada a impedem de reatar os laços e a transformaram em uma mulher desregrada que adora começar uma noitada sozinha e terminá-la na cama ao lado de um desconhecido. Já Reagan assume naturalmente o papel de líder do grupo (ou talvez por ter a intérprete de maior bagagem profissional), uma jovem desbocada e que mesmo tendo um namorado em outra cidade se entrega literalmente a uma paixão repentina e avassaladora por Trevor (James Marsden), um rapaz que acabara de conhecer. Ela ainda carrega o fardo de sofrer de bulimia, um mal que se agrava no decorrer desta noite fatídica. O pior de tudo é que todas as loucuras pelas quais elas passam nas poucas horas que antecedem a festa, mas que para o espectador parecem vários dias, são atitudes justificadas simplesmente pelo excesso de bebida e drogas. 


Embora aposte em situações grotescas, discutíveis, muitos palavrões e apresente as mulheres por vezes de forma repugnante, escolhas que já seriam bastante ofensivas para o público, Quatro Amigas e um Casamento tenta nos minutos finais entrar nos eixos de uma típica comédia romântica, mas já é tarde demais, ainda que fique claro a mensagem ultrapassada de que uma mulher só será completamente feliz ao encontrar o amor ao lado de alguém. As liberdades que a diretora tomou ao longo de todo o filme em relação as conquistas femininas acabam sucumbidas por uma ideia machista no final. Enfim, alternando momentos de humor, cinismo, drama e escatológicos, o filme infelizmente nunca encontra o tom certo, o que dificulta a comunicação com quem assiste e assim o espectador acaba não encontrando subsídios suficientes para torcer pela felicidade de alguma dessas mulheres. Bem, por esse ponto de vista até que Becky se dá bem. Pode ser a ingênua da turma, mas pelo menos teve a esperteza de não prolongar sua despedida de solteira e escapou do show de horrores.

Comédia romântica - 87 min - 2012

Leia também a crítica de:

Nenhum comentário: