sábado, 23 de março de 2024

SEM SAÍDA (2008)


Nota 7 Casal se vê em situações limites nas mãos de jovens cruéis criados com bases disfuncionais

As vezes você recebe uma indicação de filme e quando vai atrás se depara com meia dúzia de produções homônimas. Os títulos genéricos costumam levantar suspeitas sobre a qualidade das produção, mas quem fica preso a esse preconceito pode perder a chance de assistir ótimos filmes como é o caso de Sem Saída. Com direção e roteiro de James Watkins, o longa consegue a partir de uma temática simples mexer com o emocional e o psicológico do espectador. O conteúdo perturbador e cruel não está propriamente nas imagens, embora com sequências bastante violentas e de mutilação, mas sim na mensagem que quer passar. Se a trama é previsível no primeiro ato, com a repetição de cenas já vistas em inúmeras produções sobre o instinto de sobrevivência, não se pode dizer o mesmo das outras partes, quando o horror se torna sinônimo de sofrimento numa luta desumana num ambiente hostil. E os percalços não são  a mata densa, a sensação climática da região ou a presença de animais predadores. O inimigo é improvável e fruto de uma sociedade doentia.

Jenny (Kelly Reilly) e seu namorado Steve (Michael Fassbender) decidem dar uma pausa no agitado cotidiano e relaxar em meio a natureza. Eles resolvem acampar a beira de um lago adentrando a floresta fechada, mas descobrem não estarem sozinhos. Nas proximidades, uma meia dúzia de adolescentes rebeldes tira o sossego do casal farreando com um cão de estimação de algum deles. Apesar disso, a primeira noite é tranquila, mas na manhã seguinte começam os problemas ao perceberem que os alimentos que trouxeram estavam infestados de insetos e o tal cachorro começa a incomodar. Os jovens provocadores parecem ser ter prazer em azucrinar visitantes e assim não hesitam em furar o pneu do carro do casal, a gota d'água para Steve ir procurar os responsáveis por eles, mas nem chega a conversar. Ele percebe que a rebeldia dos garotos tinha justificativas numa criação desregrada e violenta. Ainda assim, o casal volta a beira do lago para aproveitarem a viagem, mas acabam tendo mais dores de cabeça ao perceberem que o veículo fora furtado pela gangue. 

A tensão aumenta quando Steve confronta os jovens e em meio a discussão acaba matando acidentalmente o cachorro. Assim, o pesadelo se desenvolve com perseguições pela mata, sequências de torturas e agressões físicas, desespero e a transformação de todos os envolvidos, até mesmo o casal protagonista, em selvagens e assassinos frios. As situações limites não seriam tão convincentes se não fosse a boa atuação e a química de Reilly e Fassbender que entregam personagens viscerais. Ela, uma professora de educação infantil, aos poucos abandona sua humanidade para se transformar em uma pessoa vingativa e cruel movida pelo instinto de sobrevivência, mas ainda assim heroína em sua posição de vítima ao passo que seu companheiro mostra-se mais vulnerável aos ataques dos jovens, não por ser covarde, mas em nome do amor que sente pela namorada ele se entrega ao prazer masoquista da gangue numa tentativa de mantê-los ocupados enquanto a moça tenta escapar com vida desse pesadelo. Ambos os atores tiveram seus talentos validados pelo diretor, com Fassbender apresentando um personagem diferenciado longe dos tipos poderosos e viris que costuma interpretar enquanto Reilly é corajosa e articulada até os últimos minutos desta desventura na floresta.

É importante destacar que Watkins mostra que nem todos ali são pessoas ruins integralmente, apenas jovens influenciados negativamente pelo líder da gangue, Brett (Jack O’Connell), que pede que a única garota do grupo filme as facadas e os ferimentos como forma de incluir todos os presentes no crime. É ele que conduz o tímido Adam (James Gandhi) a atitudes ruins para ele ser aceito no grupo, fato muito comum no meio juvenil quando criar identidade é sinônimo de ser abraçado por aqueles que acredita se identificar e querer ser igual, como a turma dos populares, descolados e adorados quase unanimemente, ou dos valentões, aqueles que impõem respeito usando a violência, seja física, verbal ou psicológica. Contudo, não duvide que existam aqueles que rotulam a produção como algo tendencioso por jogar a culpa nos pais que ofereceram uma má criação aos filhos, mas quem pensa assim, provavelmente, é porque o filme oferece um belo soco no estômago. São pessoas que se identificam com o perfil dos genitores dos jovens problemáticos e se revoltam ao se verem retratados de forma negativa e repugnante. E obviamente há aqueles que criam seus filhos sem limites, alguns até incentivam que a violência é necessária as vezes para encontrar seu lugar no mundo, e que não se sentirão vitimados simplesmente porque se fazem de cegos e surdos a tudo que diz respeito as suas crianças e adolescentes, afinal, na cabeça vazia dessa gente, são apenas menores sem consciência de seus atos e como comportamentos normais para a idade.

Toda a violência apresentada por Sem Saída, portanto, não é gratuita e nos leva a refletir sobre o comportamento das novas gerações criadas por famílias disfuncionais. Falta de amor e atenção ficam evidentes, assim como o egoísmo e ausência de senso de justiça explicitados na sequência final quando sentenciamos que, independente do que acontecesse com os adolescentes, a redenção estaria longe de seus alcances quando imersos num círculo vicioso de crueldade em seus próprios lares. Infelizmente, a sociedade e as próprias leis não punem menores como estes rigorosamente, considerando seus atos cruéis como algo típico da idade e de quem ainda não tem plena sabedoria do que é certo ou errado. Contudo, quem sente prazer na humilhação, violência e autoridade não é exatamente alguém inocente, mas um indivíduo que tem a ciência de que enquanto é menor de idade as punições são brandas, suspensão ou expulsão na escola ou obrigados a participar de programas de reeducação, assim dando margem para seus piores instintos aflorarem e obviamente criando futuros adultos irresponsáveis, soberbos, violentos, podendo até mesmo desenvolverem transtornos de personalidade ou problemas psiquiátricos quando tomados do que há de pior em um ser humano e perde-se a noção da realidade. Matar então se torna algo tão comum quanto qualquer atividade rotineira.

Suspense - 91 min - 2008

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