NOTA 9,0 Sarcásticos, excêntricos e divertidos, os Addams são atemporais e preservam sua essência crítica até hoje e ainda encantam com seu estilo de vida mórbido |
Por trás do verniz de comédia bobinha para divertir a família, existe
aqui um filme que levanta pontos interessantes a serem discutidos por
sociólogos e psicólogos. Os personagens foram criados na década de 1930 por
Charles Samuel "Chas" Addams como uma reação a imagem do mundo
bonitinho e perfeito que os americanos criaram para propagar a ideia de
otimismo ao povo após a Primeira Guerra Mundial, embora estivessem
passando pelo período da Grande Depressão. Era uma maneira bem humorada e
simpática de fazer uma crítica implícita e sem ofensas, principalmente à
aristocracia decadente. A série de televisão acabou transformando o cotidiano
do clã em histórias mais leves para poder ser exibida, assim como os desenhos
animados, dessa forma puderam conquistar também a audiência do público
infantil. Não é a toda que foram justamente as crianças que mais impulsionaram
a boa carreira nos cinemas dos Addams, uma mistura perfeita de humor de fácil
assimilação, inclusive no aspecto visual, com o suspense e sadismo que tanto as
instiga, mas que ainda não estão preparadas para curtir em doses cavalares.
Dessa forma, esta comédia se transformou em um produto excepcional para
entreter toda a família e de quebra ressuscitar o espírito crítico dos cartoons
originais. No início da década de 1990, a estranha família retornava em grande
estilo para mostrar, entre outras coisas, que o diferente estava sendo
rejeitado ou humilhado, que a corrupção e os golpes penetraram na sociedade de
forma irremediável e que o desemprego era uma triste realidade. Claro que para
uma criança tais temas passam despercebidos, mas se um adulto também não
consegue dissecar o roteiro a tal ponto não se preocupe, realmente fica difícil
perceber esses aspectos sem saber a origem dos personagens e,
principalmente, em meio a uma atmosfera extremamente lúdica. Contudo,
mesmo antes do longa-metragem ser lançado, parecia que o estilo Addams de ser
já estava bastante enraizado na cultura pop americana e quiçá de outros países.
Por exemplo, o seriado de animação “Os Simpsons”, que na época da estreia do
filme estava dando seus primeiros passos para conquistar seus fãs, exalava de
certa forma o ar politicamente incorreto de Gomez e seus parentes. Muito antes
disso, em meados dos anos 60, a série “Os Monstros” praticamente estava
impregnada da essência das histórias criadas três décadas antes. Fora isso,
ainda era possível se ver nas ruas os grupos de pessoas “diferentes”, como
punks e góticos, assumindo suas personalidades e gostos, batendo de frente com
os padrões impostos pela sociedade como ideais, sem medo de serem apontados
como aberrações.
Além da história bem formatada, crítica e cuja tônica é dada pelo humor
negro, impressiona muito a atmosfera conquistada para a produção. Os elaborados
cenários que compõem a grande mansão são um deleite para os olhos, um
verdadeiro parque de diversões que nos faz vibrar e gargalhar a cada novo e
excêntrico detalhe que surge, desde um relógio tipo cuco personalizado, passando
por instrumentos medievais de torturas e até um armário comum que
abriga as roupas de um tio falecido, aliás, sobra espaço até para o próprio
defunto lá dentro. Também vale a pena destacar o aspecto realista da obra que
privilegiou trucagens óticas com a ajuda de marionetes, só abusando de efeitos
especiais para fazer o popular Coisa, a mãozinha que não tem uma única fala,
mas é um personagem de suma importância na trama criada por Caroline Thompson e
Larry Wilson que foram muito respeitosos com o material original, afinal foi
uma verdadeira batalha para conseguirem os direitos autorais que estavam
divididos entre a viúva do criador e a produtora do seriado de TV, aliás a
mesma que bancou o custoso projeto cinematográfico. O resultado final de A
Família Addams é muito agradável, mas o processo de filmagem foi
exaustivo a todos. Desde a complicada compra dos direitos autorais até seu
lançamento muita coisa rolou. Uma carga horária de trabalho intensa para todos,
problemas pessoais de alguns dos envolvidos atrapalharam a produção, embates de
ideias entre diretor e produtor e até mesmo dificuldades para a escalação do
elenco marcaram a produção. Anjelica Huston, por exemplo, ganhou um personagem
que parece feito sob medida para ela, mas na realidade só assumiu o posto após
a atriz e cantora Cher pular fora do barco na última hora. Azar o dela que
perdeu a chance de participar de um projeto que ao que tudo indica era visto
com dúvidas por muitos, mas que no fim das contas tornou-se um sucesso
estrondoso e que hoje goza do prestígio de fazer parte das lembranças de
infância de milhares de pessoas. Claro que sempre terá um chato de galocha para
dizer que Sonnenfeld vendeu seu projeto aos gostos da indústria hollywoodiana e
abrandou além da conta o humor ácido do material original para que o filme
caísse no gosto das crianças. Bem, talvez se tivesse pegado mais pesado nas
piadas o longa nem tivesse sido lançado. De qualquer forma, um clássico
delicioso a la “Sessão da Tarde”.
Comédia - 99 min - 1991
2 comentários:
Eu realmente adorava esse filme. Aliás, adorava o desenho também! Eu acho que, embora não seja um filme grandioso, é uma obra que diverte e que entretém - além de ter boas interpretações de Angelica Houston, Raul Julia e Christina Ricci, que sempre foi impagável como Vandinha!
;)
Gostava do desenho e adorei o filme.
Belo texto e sua análise com o lado "sério" da obra.
Parabéns
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