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NOTA 9,0 Embora tosco e com erros de continuidade, longa é referência entre as fitas de terror por sua ousadia e soluções criativas |
Dizem que para fazer cinema basta
uma boa ideia na cabeça e uma câmera na mão e foi assim mesmo que no início na década de 1980 um jovem cineasta revolucionou o gênero terror. Proibido por anos em
muitos países, alguns só chegaram a vê-lo em mídia original já nos tempos do
DVD, The
Evil Dead - A Morte do Demônio se tornou o cartão de visitas do diretor
Sam Raimi. Hoje em dia ele é um profissional muito competente que Hollywood
abriga com toda a pompa e conforto possível, principalmente depois do mega
sucesso da trilogia de aventuras do Homem-Aranha, um marco do cinema dos anos
2000. No entanto, seu início de carreira foi completamente diferente. Embora
seus familiares não fossem do meio artístico, Raimi sempre gostou muita da
sétima arte e desejava fazer parte desse mundo onde tudo é possível, inclusive
ressuscitar mortos e falar com o capeta em pessoa (ou quase isso). Junto com o
amigo de colégio Bruce Campbell, ele se divertia fazendo filmes caseiros até
que a coisa se tornou séria com esta fita de terror de recursos escassos, mas
certo apuro técnico em alguns momentos, soluções eficientes e até a “invenção”
de uma câmera para dar o efeito da ótica do vilão perseguindo sua vítima,
movimento que se tornou referência para produções que visam botar medo no
espectador. A dupla escreveu o roteiro, tratou da produção e arrecadou o
dinheiro necessário para contar a história de um grupo de jovens que aluga uma
casa de campo para curtir um final de semana, mas quando chegam ao local
descobrem que escolheram uma cabana bem capenga no meio do mato. Mesmo assim
eles decidem ficar e começam a explorar o casebre para passar o tempo, sendo
surpreendidos pela descoberta de um livro macabro escrito com sangue e
encadernado com pele humana chamado “Necronomicon” junto com uma fita de áudio
(um artefato de museu para as novas gerações) contendo a gravação de um
historiador que ousou ler um dos trechos da publicação, provavelmente um cara
metido a espertalhão que deve ter se arrependido amargamente do que fez assim
como estes jovens que quando perceberam que estavam mexendo com forças
negativas já era tarde demais. Ao reproduzirem a gravação que exalta os poderes
do demônio em um estranho dialeto, as portas do inferno então se abrem, os
espíritos malignos são despertados e um por um os jovens vão sendo possuídos e a carnificina segue sem limites.
Longe de bons efeitos especiais
ou cenários mirabolantes e contando com erros grosseiros de continuidade, é óbvio
que para muitos The Evil Dead - A Morte do Demônio é uma grande porcaria e totalmente
esquecível, mas para quem realmente gosta de cinema a obra tem um grande valor.
É a materialização do sonho de viver da arte cinematográfica tal qual um dia
imaginou o lendário Ed Wood, cineasta adepto de produções de horror e ficção
cientifica precárias, mas levadas a sério por este profissional cujo talento
foi reconhecido apenas postumamente. Felizmente para Raimi as coisas foram
diferentes praticamente em sua estreia no ramo. Com todo jeitão de vídeo
caseiro feito como uma brincadeira entre amigos, o diretor precocemente provava
o que muitos veteranos morrem sem saber: não é preciso milhões para se fazer um
filme, basta ter disposição, criatividade e porque não uma ajudinha dos amigos.
Apenas Campbell chegou até o fim da narrativa vivendo Ash, o herói. Quando os
demais personagens começam a se transformar em zumbis, todos são interpretados
por amadores, membros da própria equipe que se dispuseram a atuar escondidos
sob pesada maquiagem, criações visuais bizarras e nauseantes. O elenco original
(todos desconhecidos) debandou por atrasos de pagamento, mas em tempos que
histórias de bastidores de O Exorcista e
outras produções do tipo chegavam a ser mais assustadoras que os próprios
filmes talvez os atores não quisessem arriscar. Mesmo com esse contratempo,
Raimi criou algumas das cenas de possessões mais assustadoras de todos os tempos,
caprichou na atmosfera de arrepiar do cenário claustrofóbico e ainda soube
arrancar interpretações vibrantes, além é claro de tirar bom proveito do
roteiro que une com perfeição suspense, toques de humor e terror dos bons. De
quebra, criou uma cena originalíssima de uma jovem sendo literalmente comida
por raízes malignas (não há como explicar, só vendo para crer). Dizem que em
situações de medo uma das reações possíveis é o riso e é impossível contê-lo em
algumas passagens neste caso. As aparições dos jovens possuídos provocam
deliciosos sustos salpicados de risadas. Seus closes e falas parecem carregar
uma amistosa saudação do tipo “olá eu sou um demônio e vou te atormentar até
você morrer... de medo ou de tanto rir!”. É esse o espírito que está impregnado
em cada cena desta obra cujo aspecto envelhecido só deixa a experiência de
assisti-lo ainda mais gratificante. Diante do roteiro previsível, é a
expectativa em torno de saber até onde irão as loucuras da narrativa que prende
a atenção e para tanto Raimi usou a câmera com maestria e sem medo de exagerar
em closes nojentos de tripas, mutilações e sangues feitos com materiais que
transpiram falsidade. Só para ter uma ideia, o sangue era feito com um tipo de
calda de açúcar com corante vermelho que quando secava endurecia a tal ponto
que a certa altura das filmagens a camisa do protagonista simplesmente trincou.
Mas é isso aí. A determinação às vezes faz milagres e os resultados deste filme
colocam no chinelo muita produção badalada atual que pouco se preocupa em
expressar algo, salvo a ânsia em arrancar alguns trocados às custas de sustos
sem graças e super coreografados.
Terror - 80 min - 1981
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