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NOTA 4,0 Misturando vários gêneros, longa não se define por nenhum e narrativa ainda é prejudicada por personagens que não cativam |
Você certamente deve conhecer
alguém que não resiste a assistir um filme que destaca alguma cidade europeia
famosa por sua cultura, souvenires e pontos turísticos. Mais fácil ainda
conhecer pessoas que só se empolgam com opções que tragam nomes famosos nos
créditos ou que não resistem a tramas açucaradas cujo final feliz é sempre
garantido. À Francesa poderia ser perfeito para atender a estes dois tipos
de público. Traz o luxo, a beleza e a sedução do universo parisiense atrelado
aos nomes consagrados de Kate Hudson e Naomi Watts que pelas disposições de
suas imagens no material publicitário convidam o espectador para uma agradável
comédia romântica. Quem cria tais expectativas na verdade recebe um belo banho
de um amargo champanhe e nem é preciso esperar muito para isso acontecer. Os
vinte ou trinta primeiros minutos de exibição já são o suficiente para nos
desapontar. Simplesmente temos a sensação de que nada aconteceu e até sentimos
falta dos clichês que tanto achincalhamos. Sorte de Winona Ryder e Natalie
Portman que desistiram de protagonizar tal engodo. Baseado no livro “Le
Divorce” (o mesmo título original do filme) escrito por Diane Johnson, o enredo
parte do reencontro de duas irmãs americanas. Isabel Walker (Hudson) viaja até
a capital francesa para passar uma temporada com Roxanne (Watts), sua irmã mais
velha que já vive por lá há algum tempo desde que se casou com o artista
plástico Charles-Henri de Persand (Melvil Poupaud). No entanto, o
relacionamento está em crise. Mesmo com a esposa grávida e já com outra filha
grandinha, o francês decide abandoná-las e sai de casa com total naturalidade,
não tendo receio nem mesmo dos possíveis comentários da cunhada recém-chegada.
A reação do marido é estranha, mas a forma de Roxanne lidar com a situação
também não fica a dever. Cadê os escândalos e chantagens emocionais? Ela até
tenta extravasar sua raiva, mas parece que já está domada pelo estilo de vida
francês: bons modos em primeiro lugar. Mesmo separada, a americana continua
tendo contato com a família do marido e assim sua irmã acaba se aproximando de
Edgard Cosset (Thierry Lhermitte), um diplomata francês casado, mais velho e
tio de Charles-Henri. Logo eles estão vivendo um romance não muito secreto
baseado puramente em prazer sem ligações emocionais profundas, mas para Isabel
ainda existe o bônus de ser presenteada com presentes de grifes.

Chama a atenção que um filme tão
esquisito leve a assinatura Merchant-Ivory. O que? Quem curte cinema ou só se
liga no tema na temporada de premiações certamente deve ter em seu
subconsciente pelo menos o registro de títulos como Uma Janela Para o Amor, Retorno A Howard Ends e Vestígios dos dias. O produtor Ismail
Merchant e o diretor James Ivory fizeram muitos trabalhos em parceria, a
maioria de época e consagrado com prêmios e elogios da crítica, assim suas assinaturas
tornaram-se sinônimos de conteúdo e bom gosto. Todavia, a partir da metade dos
anos 90 já é possível verificar que os trabalhos da dupla apresentam sensível
queda de qualidade ou ao menos de prestígio. Tentando reverter a curva de
declínio, eles procuraram abordar assuntos contemporâneos para fisgar um novo
público, mas À Francesa revela-se o ápice da decadência desta grife. O caso
ao menos serve para mostrar que nomes famosos não garantem sucesso. A obra foi
recusada para ser exibida no festival de Cannes, mesmo fora de competição, teve
seu lançamento atrasado nos EUA, provavelmente para tentar fazer algumas
correções na edição final, e no Brasil a situação se repetiu sendo lançado nos
cinemas e em DVD de forma minguada, certamente já escaldado pelas críticas
negativas e merecidas. O roteiro escrito pelo próprio Ivory em parceria com
Ruth Prawer Jhabvala no fundo tem pretensões de falar sobre diferenças
culturais e suas consequências, mas faz isso de maneira um tanto insossa. Mesmo
procurando renovar sua forma de fazer cinema, o diretor procura se ater as
principais características de sua filmografia: a adaptação de romances
centrados nas diferenças entre americanos e os povos europeus. Saem os pomposos
figurinos de época para darem lugar aos cortes assimétricos contemporâneos, mas
os cenários e fotografia ainda carregam lembranças do estilo que fez a fama de
Merchant-Ivory, assim com o próprio enredo. Pode parecer estranha a relação de
Roxanne com a família do marido para os tempos atuais, mas certamente o
comportamento rígido dos Persand é uma crítica a alta sociedade francesa
formada por muitas famílias presas a tradições e convenções, mesmo que já não
possam sustentar tal pose. Contudo, a vontade de ridicularizar padrões acaba
tornando-se enfadonha assim como os demais objetivos que acabam se diluindo ao
longo (literalmente) da narrativa. No final das contas até a bela paisagem
acaba denegrida. Quem ainda poderia sonhar com Paris baseando-se em um material
tão frio e desinteressante?
Comédia romântica - 117 min - 2003
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