quinta-feira, 11 de junho de 2020

SOB A LUZ DA AMÉRICA


Nota 5 Longa busca abordar relacionamentos entre culturas de forma menos romanceada


Efeito da globalização, cada vez mais empresas estrangeiras estão se aliando ou prestando serviços para companhias norte-americanas, o que pode acabar ocasionando a aproximação de culturas e de seus membros. De olho nisso, nos últimos anos muitos filmes tem abordado as estreitas relações entre os EUA e a Índia, obviamente na expectativa de explorar respectivamente a sedução do estilo de vida propagado pelo primeiro e o exotismo das tradições do outro. Sob a Luz da América tem uma premissa bastante previsível, mas seu desenvolvimento aponta para outros caminhos que, dependendo do ponto de vista, podem soar como preconceituosos para o próprio país oriental. Na trama escrita por Farrukh Dhondy, Sujata Khanna (Koel Purie) é uma jovem que como tantas outras indianas sonha com uma vaga em um serviço de call center, aparentemente a melhor opção do país para quem tem pouco estudo. A grande chance chega e ela é contratada por uma empresa que presta serviços terceirizados para uma companhia de cartões de créditos americana. 

No trabalho, a moça até ganha um novo nome, Sue, para assim gerar cumplicidade com os clientes e também passa por um curso intensivo de cultura e idioma ianque, tudo para disfarçar o perfil da funcionária e quem estiver do outro da linha não descobrir que está sendo atendido por uma pessoa que está há milhares de quilômetros da agência matriz. No entanto, o insistente Lawrence Stokowski (Nick Moran) consegue arrancar de Sue informações sigilosas sobre o trabalho. Ela é a primeira a atendê-lo na ocasião em que fica atônito com o exagerado número de gastos creditados em seu cartão no último mês. A partir de então, de olho na conta, para evitar toda vez ter que repetir dados de segurança ele exige ser atendido por Sue e o roteiro forçosamente sempre dá um jeito de o rapaz conseguir falar com a jovem, mais adiante até consegue manter contato por um telefone fora do call center. De qualquer forma, ele não é uma pessoa ruim, só quer evitar que Zelda (Jennifer Seibel), sua ex-esposa, o leve a falência. 


Buscando uma conexão entre Nova York e Nova Delhi, pela introdução erroneamente o espectador é induzido a crer estar assistindo a mais uma açucarada comédia romântica, provavelmente guiados pela medíocre ideia de que casamentos entre culturas diferentes só podem resultar em situações humorísticas ou exaltar que o amor vence as barreiras geográficas e do preconceito. Todavia, conforme o envolvimento entra a atendente e o cliente avança, a trama passa a ganhar contornos de suspense, culminando na coincidência de Stokowski ter que viajar a trabalho para a Índia. O diretor Roger Christian, da horrenda ficção científica A Reconquista,  mais do que contar uma história de amor moderna, diga-se de passagem, que não convence muito, propõe um registro crítico da atualidade (ainda válido mesmo a fita sendo de 2004). 

Quem não tem cacife para mandar não resta outra escolha senão obedecer, assim o serviço terceirizado indiano precisa ter todo seu quadro de atendentes domesticado à moda ianque e a maioria trabalha em períodos noturnos para coincidir com o horário comercial americano devido a mudança de fuso horário. Apesar de pouco a pouco perderem suas identidades, os funcionários suportam a dura rotina, pois apesar de ganharem uma miséria ainda assim faturam bem para os padrões do país. Patrap Meha (Vijay Raaz), supervisor do call center, sente muita estima por Sue e tenta lhe passar grandes ensinamentos, mas não faz questão alguma de esconder sua decepção com o trabalho. Antes também um atendente de telefonemas, ele pontua a narrativa com pensamentos críticos a respeito do ofício e das vidas vazias dos clientes riquinhos americanos. 


A garota, por sua vez, tem fantasias a respeito do modo de vida de quem atende, o que justifica seu rápido enlace com um desconhecido, mas ela passa raspando pelo estereótipo de mocinha ingênua. A realidade de Sue cativa o espectador por seus conflitos serem de fácil identificação. Sofrendo com a mãe tuberculosa (Amardeep Jha), ela ainda tem que se esquivar das ameaças de Ashok (Daya Shanker Pandey), seu irmão alcoólatra e metido com gente barra pesada. O grande trunfo de Sob a Luz da América também acaba sendo seu maior problema. Ao enveredar pelos caminhos de trama policial, o romance perde força e o final reforça a preconceituosa ideia de que terras exóticas são terras sem leis. Participante de alguns festivais de cinema menores, o longa tem ritmo irregular, mas até pode surpreender levemente. Sem dúvidas tem conteúdo relevante, porém, a forma escolhida para apresentá-lo deixa a desejar.

Drama - 98 min - 2004

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