quinta-feira, 6 de agosto de 2020

PRESENTE DE GREGO


Nota 8,0 Ainda que antigo, longa aborda temática ainda presente no cotidiano das mulheres


O cinemão hollywoodiano da década de 1980 buscou reforçar valores familiares frente a revolução que a sociedade americana experimentava. Divórcios, famílias desestruturadas, liberação sexual, a homossexualidade ganhando as ruas assim como o consumo de drogas e bebidas sem qualquer pudor. Tais temas obviamente já eram abordados pelo cinema, mas ficavam mais restritos a produções independentes ou sem grandes ambições de bilheterias. Quem queria encher a conta bancária atacava o mercado com produções leves e divertidas e que diluíam os assuntos polêmicos em meia a tramas açucaradas. Não é a toa que os grandes filmes infanto-juvenis e para toda família da época ditaram o estilo do que seria apresentado por décadas na "Sessão da Tarde", que mais que um programa de TV se tornou o batismo de uma forma popular de catalogar as produções. Presente de Grego é um dos títulos ícones do período abordando a luta das mulheres por sua independência não só financeira, mas também pessoal. A talentosa executiva J. C. Wiatt (Diane Keaton) é um exemplo que conseguiu vencer na vida profissional, mas não sem acarretar problemas para sua rotina particular. Até o detalhe de seu primeiro nome não ser mencionado reforça a posição austera que a personagem desejava alcançar. 

Wiatt chegou a tal ponto de se auto reprimir sexual e afetivamente que até mesmo seu companheiro Steven Buchner (Harold Ramis), seu "namorido" digamos assim ,mantém com ela um relacionamento frio como se dividissem um ambiente de trabalho. Os poucos momentos íntimos que vivenciam são rápidos e robóticos, afinal ambos compartilham do pensamento que tempo é dinheiro. O maior prazer de Wiatt também se resumia em cumprir prazos e tarefas com eficácia e seu grande desejo era se tornar sócia da empresa onde trabalha. Quando seu sonho está prestes a se concretizar, ela recebe inesperadamente uma herança, contudo, algo que ela não estava preparada para lidar. O tal presente do título é a pequena Elizabeth (papel revezado entre as gêmeas Kristina e Michelle Kennedy), uma bebezinha de apenas um ano filha de um casal de primos recém-falecidos que tinham como único parente vivo a executiva. Apesar de relutante no início, Wiatt acaba se afeiçoando à criança e na tentativa de conciliar a vida profissional com a recém-conquistada maternidade ela se desdobra ao máximo, mas isso não evita de viver constantemente estressada, levar muitas broncas do chefe e ter seu relacionamento amoroso arruinado. O mercado de trabalho é cruel e raramente perdoa deslizes, assim a responsável profissional começa a experimentar uma vertiginosa queda na empresa a qual tanto se dedicou até chegar a conclusão que mamadeiras e chupetas não podem dividir o mesmo espaço com gráficos e planilhas. 


Derrotada e humilhada por seus colegas de trabalho (ou seriam rivais?), ao mesmo tempo que tomada pelo instinto maternal que por anos renegou, Wiatt decide trocar a selva de pedras da cidade grande pelo bucolismo de uma cidadezinha interiorana onde pretendia levar uma vida mais tranquila e saudável junto a sua filhinha que aprende a amar incondicionalmente. Contudo, a vida caseira aos poucos deixa de lhe satisfazer como imaginou, pois é uma mulher que tem nas veias o sangue capitalista e dentro de si o espírito empreendedor. Ela então começa a pensar em alguma atividade com a qual posso conciliar os negócios e a bebê e chega a uma ideia brilhante: transformar uma de seus atividade essenciais como mãe também em seu ganha-pão. Ela subverte o entendimento da expressão baby boom, comumente usada para rotular períodos de grandes taxas de natalidade, explodindo em faturamento e popularidade com as vendas de papinhas de maçãs que ela própria fazia e acondicionava em potes estampados com o rosto de Elizabeth como logomarca. O sucesso como empresária aliado ao papel de mãe agora aparentemente também não a impedem de tentar ser feliz no amor, assim ela acaba engatando um romance com Jeff Cooper (Sam Shepard), de quem se aproximou para ter com quem desabafar, mas hesitou ao máximo se relacionar amorosamente. 

Keaton, mantendo seu estilo singular e carismático de interpretação, não precisa fazer muito esforço para convencer o espectador da transformação desta mulher e chegou a ser indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz de Comédia ou Musical assim como o filme dirigido por Charles Shyer também foi finalista. De fato, o longa caiu do no gosto popular e da crítica contando uma história bastante simples assinada pelo próprio diretor em parceria com sua então esposa Nancy Meyers, esta que futuramente daria mais um interessante papel à Keaton em Alguém Tem Que Ceder. O roteiro reúne características bastante comuns às produções do período. Além do chamariz de uma criança fofinha, na esteira de Três Solteirões e Um Bebê, o longa aborda o assunto das mulheres que em busca de reconhecimento profissional tornam-se histéricas e frígidas tentando conciliar a vida de dona-de-casa. A lição que se tira destas obras hoje pode ser diferente de quando lançadas. Se na época o próprio momento político e social demonstrava certa preocupação com tantas mudanças de comportamento ao mesmo tempo, não duvide que deveriam existir os favoráveis ao regresso das mulheres às atividades domésticas exclusivamente, assim como hoje absurdamente também há os entusiastas de tal ideia retrógrada. 


Para as mentes não manipuláveis, o recado é bem claro e ainda válido: as mulheres não devem abrir mão de uma coisa para ter outra. É preciso encontrar o equilíbrio entre a carreira e a vida pessoal e fazer adaptações caso necessário como Wiatt fez transformando seu ideal profissional para manter uma família. Presente de Grego pode ser rotulado como previsível, mas é inegável que cativa com um humor simples e encantador, características que ficam ainda mais em evidência pela nostalgia que evoca. Contudo, peca ao reforçar a ideia da felicidade atrelada a necessidade uma família perfeita, entenda-se com mamãe, papai e filhos. O romance entre Wiatt e Cooper não soa tão interessante quanto o relacionamento da ex-executiva com sua filha de coração marcado por tentativas e mais tentativas de acertar como mãe, papel que jamais pensava em assumir. Talvez hoje em dia, em uma possível atualização do texto, o interesse romântico fosse limado, deixando a trama mais conectada a tempos em que até a maternidade é um sonho cada vez mais tardio e dependente da evolução da ciência. Infelizmente, a grande maioria das mulheres ainda não aprendeu a conciliar profissão e maternidade e dividem suas vidas entre o antes e o depois de cada um desses objetivos.

Comédia - 110 min - 1987


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