terça-feira, 9 de junho de 2020

OS CINCO SENTIDOS


Nota 8 A partir de um mosaico intimista de personagens, obra aborda os mais variados sentimentos


Uma boa ideia pode surgir a qualquer momento e de onde menos se espera. Pode ser inspirada até mesmo por um ruído, um sabor, uma imagem, um perfume, uma textura... Todas elas são sensações que podem despertar o interesse em contar uma história, isso sem falar nas memórias de viagens, do próprio cotidiano e das experiências compartilhadas com todos que cruzam nossos caminhos, sejam elas positivas ou negativas. Durante dois anos o canadense Jeremy Podeswa excursionou por vários países divulgando um de seus filmes, assim tendo a oportunidade de conhecer diversos tipos de pessoas e reavaliando sua visão sobre relacionamentos. Assim ele começou a formatar Os Cinco Sentidos, drama que alinhava as tramas de diversos personagens, com menor ou maior grau de intensidade, tendo em comum o fato de morarem ou trabalharem em um mesmo edifício e todas elas de alguma forma terem perdido algum dos sentidos. 

Um pacato bairro é surpreendido pela notícia do desaparecimento de uma garotinha, Amy Lee (Elize Frances Stolk), que vai ao parque com a vizinha Rachel (Nadia Litz), esta que se distrai observando alguns casais que passeavam por lá e acaba perdendo a menina de vista. Anna Miller (Molly Parker), a mãe da criança, se desespera e recebe apoio da massagista Ruth (Gabrielle Rose) que precisa redescobrir seu tato e se reaproximar da filha, justamente a jovem que, até que se prove o contrário, é responsável pelo sumiço de Amy. Já Robert (Daniel MacIvor) é um faxineiro que está reavaliando seus casos amorosos com homens e mulheres para tentar definir qual caminho deve seguir e para tanto tenta descobrir o cheiro do amor na pessoa certa. Enquanto isso, a confeiteira Rona (Mary-Louise Parker) ganha a vida fazendo bolos decorados, mas seus doces ultimamente estão sem sabor já que seu paladar está menos apurado que de costume. Contudo, a paixão pelo chefe de cozinha italiano Roberto (Marco Leonardi) pode ajudá-la a recuperar seu dom, mas sua amizade com Monica (Sonia Laplante) pode azedar a relação. Por fim, Richard (Philippe Volter) é um oftalmologista que está enfrentando problemas de audição e precisa encontrar novas formas para compreender o mundo.


A trama envolvendo o olfato, do homem aficionado por perfumes e com dúvidas quanto a sua sexualidade, é muito bem construída e finalizada. O paladar, representado em meio a relação da doceira com o chef de cozinha, tem uma história que prende atenção discutindo beleza versus sabor, porém, com um desfecho decepcionante. Já a trama da massagista e do médico, respectivamente sobre como a falta do tato e da audição limitam ações, tem problemas no desenvolvimento do argumento, não envolvem o espectador. Por fim, a resolução do crime que motiva toda a trama não surpreende e evidencia o estranho caminho seguido pela adepta do voyeurismo, a visão está em jogo. Podeswa, também autor do roteiro, é um obcecado por revelar o que os olhos não conseguem ver, o real por trás de uma imagem.  Neste caso, em três dias bastante intensos na vida de seus personagens a partir de seus envolvimentos com o desaparecimento da garotinha em paralelo a seus conflitos pessoais, o diretor aborda aspectos das relações humanas e da própria vida.

São colocados em discussão temas como fidelidade, responsabilidade, respeito, amor, solidariedade, lembranças, descobertas e realizações, assim o espectador pode se identificar com um ou mais deles . A produção é bem interessante e consegue prender a atenção de quem gosta de um cinema mais reflexivo, porém, peca ao exibir boas tramas ligadas de forma frágil. O sumiço de Amy na realidade não é uma peça-chave do roteiro, mas é a desculpa necessária para mostrar que uma triste notícia não é capaz de abalar totalmente as pessoas próximas. Não importa o drama vivido pela mãe dela, os demais moradores do bairro precisam seguir suas rotinas e, sem se preocupar com o ocorrido, continuam fazendo descobertas, sofrendo, tendo vontades e buscando a felicidade da forma que ela possa se apresentar. Os personagens, de um modo geral, são contidos, introvertidos, cheios de dúvidas, imersos a problemas e presos em seus universos particulares. 


Sem ser extremamente persuasivo, Os Cinco Sentidos deseja fazer o espectador refletir sobre coisas simples do cotidiano. Sabemos que estamos vivos porque respiramos, se ouvimos bem estamos livres momentaneamente da surdez, evitamos tocar em desconhecidos por medo de germes, trocamos a refeição em família pela companhia do celular e da TV e muitos preferem observar a felicidade dos outros ao invés de buscar a sua própria. Mesmo melancólico, o roteiro trabalha o sensorial de forma luminosa e convida o espectador a uma irresistível e instigante viagem pela origem das paixões. Podeswa rejeita momentos de cartase, o final espetacular, a cena de efeito fácil e, principalmente, o previsível, mas nem por isso deixa de entregar uma obra intensa e provocativa. 

Drama - 105 min - 1999

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4 comentários:

renatocinema disse...

Se o filme, como você diz, fala sobre o choque de relações humanas.

É obrigatório, a meu ver, para quem gosta de refletir no cinema.

Quando trabalhei em vídeo-locadora e o filme foi lançado fez muito sucesso.

M. disse...

Acredito que o diretor estava realmente bem intencionado e tinha o enorme desejo em transformar este filme em obra-prima, mas as perdas no caminho não deixaram acontecer. É difícil para um cineasta atingir a fórmula ideal. Mas é sim um filme que vale à pena ser visto.

Anônimo disse...

Não assisti esse filme, mas tenho a impressão de que já ouvi falar dele e/ ou já o vi em algum lugar. Não me recordo se foi na locadora ou em alguma loja.
Gostei do enredo assim que li que os cinco sentidos são apontados sob a forma de dramas pessoais.
Achei bem interessante e diferente.
Acho que iria gostar desse filme.
É mais um que vou procurar e assistir qualquer dia desses.
Bjs ;)

ANTONIO NAHUD disse...

O cinema canadense sempre surpreende.
Abração,

O Falcão Maltês