segunda-feira, 25 de maio de 2020

MORTE NO FUNERAL (2007)


Nota 9 Ainda que previsível e com tipos estereotipados, obra conquista com texto e elenco afinados


Comédias americanas investem em humor pastelão e visual. O humor inglês é ácido, baseado em críticas e geralmente é demonstrado nos diálogos. Muitas pessoas têm essas visões simplistas de um gênero por vezes menosprezado, o que facilita a divisão entre o que é fuleiro e o que se adéqua a um estilo mais refinado. Os dois estilos juntos é possível? A resposta é sim como mostra Morte no Funeral. No conjunto, o longa não apresenta absolutamente nada de novo, mas compensa a previsibilidade com personagens cativantes propositalmente estereotipados e situações divertidíssimas que carregam certo ar nostálgico. A trama apresenta uma família numerosa, problemática e cheia de segredos, um tipo de enredo cômico muito comum nas décadas de 1970 e 1980. É como se assistíssemos as férias frustradas do ator Chevy Chase só que aqui o cenário é o de um velório e os protagonistas são ingleses e com piadas concentradas na ponta da língua ao invés de investirem no humor de caras e bocas, embora momentos do tipo não sejam descartados. O momento é (ou deveria ser) de emoção e tristezas, mas desde a chegada do corpo do falecido as confusões não param nem por um minuto. A história criada por Dean Craig quer mostrar que em um velório o defunto é o que menos importa em tempos modernos, cada convidado e até mesmo possíveis estranhos estão mais preocupados com seus problemas ou em fazer uma social. 

O filme já começa bem pelos créditos iniciais mostrando uma animação em que um caixão anda meio desgovernado sobre um mapa como se estivesse trilhando o caminho para o cemitério. Em seguida, Daniel (Matthew Macfadyen) está apreensivo por ser o primeiro ao ver o pai no caixão, mas toda a sensação de melancolia se esvai em uma única mudança de expressão facial: a cara de tristeza vira de espanto. Ele se surpreende ao ver que o serviço funerário trocou o corpo do seu pai pelo de outro homem. Por aí já podemos perceber o que nos espera. Escândalos, confusões, revelações, lamentações exageradas e até um drogado por acaso entra em cena no funeral do patriarca de uma tradicional família inglesa de classe média alta. Bem, a educação e fineza deles são de fachada e a oportunidade de reunir toda a família, amigos e até algumas pessoas que só o defunto conhecia é ideal para lavar a roupa suja. Daniel, um romancista frustrado, promete a sua esposa Jane (Keeley Hawes) uma nova vida agora que receberá uma boa herança e poderá finalmente sair da casa dos pais. Apesar dessa vontade, parece ser o único preocupado em oferecer uma cerimônia de funeral decente com direito a discurso emocionado. Ao contrário dele, seu irmão Robert (Rupert Graves) é um escritor de sucesso, vive com liberdade e esbanja dinheiro para conseguir luxo e prazer, mas nem pensa em dividir as despesas do enterro. 


Já Troy (Kris Marshall) é o sobrinho desnaturado que pouco liga para o que ocorreu com o tio, pois sua grande preocupação no momento é entregar um frasco de pílulas que um amigo encomendou para garantir seu sustento do dia. O problema é que Simon (Alan Tudyk) vai finalmente conhecer a família de Martha (Daisy Donovan), sua noiva, e passando por uma crise de nervos acaba tomando os remédios acreditando serem calmantes, mas na verdade são substâncias de alto teor alucinógeno. A moça além de tentar esconder o comportamento estranho do rapaz à família, que irá protagonizar cenas engraçadíssimas e bizarras como cismar que o caixão se mexeu e lamentar exageradamente a morte de alguém que nem chegou a conhecer, ainda terá que se esquivar dos assédios de Justin (Ewen Bremner), um romance do passado. Ele está no funeral de gaiato, apenas ajudando o amigo Howard (Andy Nyman) com seu tio Alfie (Peter Vaughan), um cadeirante rabugento e que exige atenção ininterrupta, mas a dupla é atrapalhada e sem querer acaba atrasando o funeral, pois, seguindo a tradição, a cerimônia não poderia acontecer até que todos os anciãos da família estivessem presentes. Neste cenário caótico é difícil não reconhecer algum parente ou conhecido em cena, o que é um ponto positivo da obra. Qualquer reunião familiar tem ao menos uma fofoquinha ou um mico de alguém, assim a identificação do espectador é imediata e o ritmo imposto ao longa é perfeito para saborear cada cena e chegar a gargalhar com as confusões. É bom ressaltar que todos os personagens tem semelhante tempo de cena, assim todos tem importância para a condução da trama. 

O ótimo elenco escalado ajuda a dar uma cara nova a tipos surrados com os quais já estamos acostumados e a envolver o público a uma história cujo tipo de humor inicialmente não é muito familiar, mas logo percebemos que um olhar ou frase irônica por ter muito mais efeito que uma tortada na cara. O humor clássico marca presença fazendo um ótimo casamento com o estilo novelesco do enredo. São hilárias, por exemplo, as cenas do rapaz drogado por engano e as do tio que vive reclamando e ofendendo os outros, mas as coisas pegam fogo mesmo quando surge Peter (Peter Dinklage), um homem misterioso e pequenino que chega para empurrar a última coluna que sustentava o clã ameaçando contar um embaraçoso e obscuro segredo do falecido, até então um pai de família de honra inquestionável. Quando os herdeiros matam a charada ficam horrorizados pensando nas consequências e fazem de tudo para não deixar que os presentes no velório descubram a verdade, mas não querem ceder a chantagem e desembolsar uma boa quantia em dinheiro. O diretor Frank Oz encontrou aqui o equilíbrio perfeito entre humor e uma situação triste. A certa altura nem parece que aquilo que vemos é um funeral e sim uma grande festa na qual os convidados resolveram não arriscar no figurino e usar a cor preta em massa. 


Do início ao fim é possível gargalhar de um produto de qualidade que não ofende a inteligência do espectador e não apela para escatologia, a não ser discretamente em uma única cena. O roteiro costura ideias já aprovadas em todo o mundo e mesmo algumas piadas sendo clichês ganham aqui certo frescor, talvez até por estarem em cenas atores de verdade e não qualquer bobalhão que deu sorte de virar ator da noite para o dia. Todo o elenco se empenha para aproximar seus personagens ao máximo da realidade e com características bem definidas. O choque de tantas personalidades diversas em um mesmo ambiente dá a tônica do humor.  Mesmo com personagens estereotipados, sequências reveladoras que antecedem os segredos e o final forçado para colocar panos quentes em cima de todas as confusões, Morte no Funeral é um dos poucos filmes que merecem o rótulo de comédia inteligente. Em tempo: Hollywood não pode ver algo dando certo de outro país que logo corre atrás para adquirir os direitos para uma refilmagem, mas neste caso a cópia é um verdadeiro desastre e mais parece um episódio esticado de um seriado babaca protagonizado por uma família afrodescendente. Prefira o original.

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