terça-feira, 29 de dezembro de 2020

EM SEU LUGAR


Nota 7,0 Com premissa típica de filme água-com-açúcar, mescla de drama e comédia surpreende


Sapatos são uma verdadeira obsessão das mulheres. Precisando ou não, dificilmente alguma resiste quando os vê em promoção ou encontra algum modelo ou cor que cairia perfeitamente para usar com aquela roupa que está encostada simplesmente por não combinar com nada. O estilo ou forma de usá-los também pode indicar muito sobre a personalidade, algo mostrado na mescla de drama e comédia Em Seu Lugar que mostra o relacionamento conturbado das irmãs Feller que em comum tem apenas o sobrenome e a coincidência de calçarem a mesma numeração. Rose (Toni Collette), esteja dentro ou fora do peso, mantém sempre o mesmo tamanho de calçados, assim não se importa em gastar horrores com os mais variados modelos, principalmente quando esta triste ou nervosa, porém, não os usa, ao contrário de sua irmã Maggie (Cameron Diaz) que prefere utilizá-los como ferramentas de sedução, um atalho para aproveitar ao máximo a vida. O comportamento das duas em relação aos sapatos resume suas personalidades. Enquanto a mais velha é estudiosa, esforçada, bem-sucedida e muito encanada com seu visual, a caçula é desligada, não quer saber de trabalhar, procura comparecer ao máximo de festas e eventos possíveis e é muito preocupada com a vaidade. Não a toa elas vivem as turras, mas nem por isso deixam de ser irmãs. 

Expulsa da casa do pai Michael (Ken Howard) pela madrasta Sydelle (Candice Azzara) após uma bebedeira, Maggie não tem para onde ir e acaba se mudando para a casa de Rose que, obcecada por limpeza e organização, não aguenta o estilo desregrado da irmã e a certa altura a relação se torna insuportável. Após uma traição amorosa por conta da caçula, elas  brigam para valer. Mais uma vez Maggie tem que fazer suas malas e agora vai procurar Ella (Shirley MacLaine), a avó que vive em um luxuoso condomínio para idosos, mas curiosamente todos julgavam estar morta há anos. A chegada da espevitada loira causa alvoroço entre os demais moradores, mas as maiores mudanças acontecem mesmo nos rumos das vidas das irmãs. Rose abandona seu emprego como advogada e do nada decide se tornar uma cuidadora de cachorros. Já Maggie procura parar de pensar só em curtição e paqueras e dedicar seu tempo a atividades mais produtivas e solidárias. Pela introdução, a adaptação do livro homônimo de Jennifer Weiner pode enganar e vender a imagem de mais uma comédia romântica estritamente para o público feminino, mas felizmente toma um caminho mais digno e adulto. Oscilando entre o drama e a comédia, mas jamais assumindo por completo um gênero específico, o roteiro de Susannah Grant não oferece surpresas ou originalidade alguma, mas ganha pontos pela maneira convincente que é desenvolvido. 


O espectador não encontra dificuldades para se convencer das brigas e reconciliações entre as irmãs, pois há um cuidado em não queimar etapas. Quem assiste está sempre compreendendo as razões pelas quais as personagens agem, geralmente impulsivamente, fazendo a história fluir com naturalidade e sem a necessidade de mocinhas melosas, heróis, vilões ou momentos de catarse máxima. Com a entrada de MacLaine na trama, cujo sumiço da personagem por anos é explicada quando Maggie encontra cartas escondidas por seu pai, o filme foge da banalidade e dos clichês relativos ao relacionamento entre as irmãs e passa a tratar o amadurecimento de ambas de forma mais virtuosa, mas sem perder o viés tragicômico que dá o tom do início ao fim. As cenas passadas no retiro de idosos são responsáveis por algumas das melhores sequências e diálogos. Nesse ponto, o roteiro deixa as protagonistas um bom tempo sem contato, mas nem por isso deixa o ritmo cair, uma estratégia para acentuar ainda mais a dependência que as irmãs tem uma da outra apesar das diferenças. Por mais que todos saibam que no ato final elas irão se reencontrar e fazes as pazes, não é por este momento exatamente que o espectador anseia. O interesse maior é acompanhar como cada uma delas consegue, em primeiro lugar, solucionar os seus problemas pessoais para então se sentirem seguras para uma reconciliação e acharem um ponto de equilíbrio. O roteiro só peca por não ousar no final e garantir um happy end, inclusive uma resolução para o problema entre Ella e Michael, além de errar ao colocar a madrasta Sydelle com ares de bruxa de conto de fadas.

Então amador na representação do universo feminino, o diretor Curtis Hanson consegue tirar o melhor proveito de seu elenco e da temática. Diretor de obras tão díspares como A Mão Que Balança o Berço, Garotos Incríveis, 8 Mile - Rua das Ilusões e do premiado Los Angeles - Cidade Proibida, surpreende seu traquejo para lidar com um texto mais sensível e aparentemente banal. Aliás a falta de pretensão é o principal atrativo de Em Seu Lugar. Os excessos conhecidos de tantas outras fitas voltadas ao público feminino aqui não ganham espaço e nem fazem falta. A produção não se propõe a analisar o papel da mulher moderna na sociedade ou algo do gênero, mas se preocupa em contar uma tocante e singela história de amizade e laços familiares. Desde as primeiras cenas estabelecendo as diferenças de personalidades entre as protagonistas, Hanson leva o espectador a crer que elas terão perfis estereotipados, o que de fato não deixa de acontecer, mas a condução da narrativa é feita de uma maneira tão eficaz que o longa vai conquistando o espectador pouco a pouco e rapidamente nos esquecemos que estamos diante do velho clichê da garota bonita e fútil e da mulher que usa a inteligência para compensar sua falta de vaidade. Assim, é essencial o trabalho das atrizes. 


Fazer caras e bocas para a câmera e desfilar em roupas justas ou minúsculas nunca foi problema para Diaz, porém, sua personagem exige que a certa altura ela deixe o sex appeal de lado e passe a agir como alguém comum e com responsabilidades. A seu favor, a displicência de Maggie com praticamente tudo é justificada pelo problema da dislexia que lhe causa dificuldades para novos aprendizados. Já Collette pode não ter o mesmo poder de fascínio da colega no cenário hollywoodiano, mas não raramente chama a atenção com atuações desafiadoras mesmo quando como coadjuvante. Aqui ela é uma das protagonistas com um perfil com várias camadas a serem reveladas. Por mais que transmita a imagem de alguém segura e bem sucedida, sua Rose aos poucos revela-se frágil e dependente de uma boa relação com a irmã. Por fim, a veterana MacLaine mostra-se muito a vontade em um papel secundário, porém, não menos importante, e revela a humildade característica de uma atriz de seu porte. Com duração acima da média, esta é um produção que sem dúvidas surpreende quem espera mais do mesmo. Ser um passatempo diferente já é o bastante.

Drama - 130 min - 2005

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