A imaginação aguçada pela
infância passada na Índia do início do século 20 é o que ajuda a protagonista
de A
Princesinha a
enfrentar os diversos problemas que surgem em seu caminho ainda criança. Apesar
de órfã de mãe, a inglesinha Sara (Liesel Matthews) sempre foi uma garota muito
criativa, sonhadora e feliz, mas isso não impede que os tempos sombrios da
Primeira Guerra a atinjam. Seu pai, o Capitão Richard Crewe (Liam Cunningham),
é convocado para lutar pelo exército inglês e para mantê-la em segurança a encaminha para um luxuoso
internato exclusivo para meninas em Nova York onde terá que enfrentar o
despotismo da Sra. Minchin (Eleanor Bron), a diretora que comanda o local com
mãos de ferro e de imediato fica incomodada com a bondade, criatividade e o dom
para contar histórias da novata que logo cativa as outras
meninas, incluindo a empregada Becky (Vanessa Lee Chester), ainda
uma criança obrigada a trabalhos pesados,
com quem estreita um forte laço de amizade. A megera fora instruída a não
poupar despesas para garantir o máximo de conforto para a garota, no entanto,
certo dia chega a triste notícia de que o Sr. Crewe falecera em combate e seus
bens foram recolhidos plo governo, assim não haveria mais recursos para bancar
o internato da órfã.
Como desculpa para mantê-la
no colégio, Sara é definitivamente exposta às maldades da dirigente que, além
de confiscar todos os seus bens materiais, também a obriga a trabalhar como uma
criada e a viver no sótão, mas ela encontra forças para superar os desafios em
sua fértil imaginação. Tal qual a gata borralheira, Sara imagina-se como uma
princesa em seus contos que conquistam as amiguinhas tão hostilizadas quanto
ela. Além de repassar suas memórias felizes em solo indiano, de quebra, em seus
devaneios, ela ainda encontra espaço para cultivar a memória do pai
concedendo-lhe um personagem onírico, o príncipe Rama. Em paralelo, o vizinho
do internato, o idoso Charles Randolph (Arthur Malet), cujo filho desapareceu na
guerra, é chamado para identificar um soldado que está com amnésia. Tratava-se
de uma falsa esperança, mas ele é aconselhado por seu assistente Ram Dass
(Errol Sitahal) a abrigar o rapaz que poderia recobrar a memória e trazer
notícias sobre seu filho. Quando Sara é acusada de roubo pela Sra. Minchin, ela
foge da escola e procura abrigo no vizinho. É nesse momento que uma
surpreendente coincidência muda os rumos de sua triste sina.
Esta singela e cativante trama é inspirada no livro homônimo de Frances Hodgson Burnet, autora também da obra que inspirou o cultuado filme O Jardim Secreto lançado poucos anos antes. Para a adaptação para as telonas, os roteiristas Richard LaGravenese e Elizabeth Chandler tomaram bem-vindas liberdades criativas a fim de tornar o desenvolvimento do argumento mais dinâmico e interessante, distanciando-se do romance original e se aproximando mais ao estilo adotado por uma antiga versão cinematográfica estrelada por Shirley Temple. Primeiro filme em língua inglesa do diretor mexicano Alfonso Cuáron, que anos mais tarde voltaria ao universo infantil e fantástico no comando de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, este leve drama com apelo nostálgico tem potencial para agradar toda a família e acompanha a trajetória da protagonista por cerca de um ano, ao passo que o livro abrange um período que compreende desde sua infância até sua adolescência. A escolha é benéfica optando por não se apressar a narrar situações e preservar o clima fantasioso e inocente aproveitando a capacidade de Sara em transformar a própria vida em um espécie de conto de fadas.
O personagem Dass, de origem indiana, costumava espiar as meninas do colégio fascinado pelo nível de criatividade que elas tinham e pelas lembranças que as histórias que Sara contava lhe despertavam e, com a ajuda financeira do Sr. Randolph, começa a transformar secretamente algumas das fantasias das garotas em realidade, como um delicioso e pomposo banquete imperial que sonhavam. A Índia revelada pela protagonista às suas amigas é bastante exótica, repleta de mitos, aromas e aventuras vivenciadas pelo príncipe Rama em luta pelo amor da sua vida, a princesa Sita (Alison Moir). A fantasia é narrada traçando paralelos com a própria vida de Sara e proporciona cenas de encher os olhos. A encenação de suas histórias são um espetáculo à parte, sequências nas quais Cuarón coloca em prática toda a sua criatividade para trazer ao público uma Índia folclórica tal qual a imagem do país foi enraizada no imaginário popular, principalmente dos ocidentais que associam o território a festas e luxos, algo completamente contrastante a real miséria que impera por lá.
Enchendo a tela de cores vivas em contraponto a fria paleta escolhida para retratar o cotidiano difícil do internato incrustado em uma cidade abalada pelos reflexos da guerra, não é só nas representações das fantasias de Sara que se encontra todo o encanto e beleza da produção. Na verdade, o filme todo é um deslumbre visual com bela cenografia e figurinos, edição e fotografias caprichados e trilha sonora composta com requinte. Tecnicamente perfeito, as interpretações também estão acima da média, principalmente do elenco infantil que demonstra desenvoltura e naturalidade na pele de meninas que apesar de todo o sofrimento, não deixam de sonhar e tentar viver a infância da melhor maneira possível. A Princesinha já nasceu com aura de clássico infanto-juvenil, mas é uma opção que não subestima a inteligência dos adultos oferecendo uma trama madura e ao mesmo tempo inocente de forma a ser irresistível deixar aflorar a criança que existe em cada um de nós.
Aventura - 97 min - 1995
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